quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O Homem. A máquina. A produção de conhecimento

Podemos atribuir conhecimento a uma máquina que não tem consciência? Feita a pergunta de outra maneira: podemos conceber conhecimento sem consciência? Precisamos parar com a história de que a máquina vai aprender tudo e dominar o mundo. A máquina foi programada para aprender, mas quem a programa é uma pessoa. A proposta da Inteligência Artificial (IA) nos anos de 1980 era construir uma arquitetura de hardware e de software que simulasse o cérebro humano. Mas isso não funcionou. Tudo o que conseguimos foi simular o cérebro de um mosquito e então esse modelo foi abandonado. Hoje a cognição automática não tenta simular o cérebro humano. 

Hoje temos, por um lado, os cientistas da Inteligência Artificial que afirmam que a máquina possui cognição. É automática, mas não deixa de ser cognição. E temos, por outro lado, a exacerbação narcísica do Eu, que apesar de refletir um grande vazio existencial, o Eu pergunta: “se eu não gostar de mim quem gostará?” Isto é o Eu a falar em relação à aparência do corpo, que faz ao corpo operações plásticas e outras modernices de ginásios imparáveis.

O que as máquinas fazem é capturar um dado e transformá-lo em informação estruturada, dando ao dado um caráter ordenado e útil. Para isso a máquina tem de ser programada e quem faz o programa é uma pessoa. Não há equipamentos que fazem programas automaticamente. Elas apenas se beneficiam de linhas de códigos pré-existentes, agregam isso segundo uma lógica e produzem um resultado com determinado objetivo. Porque o programa é resultado de um processo mental, de inteligência. De maneira geral, o processo que transforma o dado em informação evoluiu para transformar a informação em conhecimento e, a partir daí, para um processo automatizado de cognição que faz a gestão do saber, que é uma forma mais refinada de conhecer. Por isso não há jovens sábios. Os sábios são todos mais velhos, pois levam tempo para fazer esse refinamento do saber. Sendo assim, estamos diante da enorme possibilidade de que essa segunda fase da transformação da informação em conhecimento seja executada de maneira automática. 


É possível criar uma cognição automática. Mas numa escala que varia, tanto em termos da capacidade de produção de cognição automática, quanto na perceção dessa cognição pelo usuário, pois isso varia a partir do método ou modelo de abordagem utilizada, por exemplo, sistemas especialistas, algoritmos genéticos, agentes autónomos e outros. Um dia será possível utilizar todos esses sistemas se complementando ao mesmo tempo. Mas então estaremos num outro mundo.O data analytics permitiu ensinar uma máquina a aprender e criou os geradores de hipóteses. Mas é preciso cuidado com geradores de hipóteses, porque nem tudo que tem uma correlação terá necessariamente uma relação de causalidade. O grande desafio é o processamento de linguagem natural, o seja, entender que é a forma mais simples e mais popular de captura do conhecimento. 

Prémios Nobel da Física provam que partículas elementares, como eletrões e fotões, existem per se num estado espacialmente não-localizado, ou seja, num estado probabilístico em que as partículas existem em múltiplos lugares ao mesmo tempo. Esta possibilidade de transporte de informação, ainda não de matéria, de um local para outro instantaneamente, já foi realizada a nível micro ou quântico, a que foi dado o nome de teletransporte quântico. Mas este conceito de teletransporte já não é exclusivo dos sistemas quânticos. Já é possível realizar tecnicamente a polarização de luz do laser através de canais de comunicação pelo sistema clássico.

Não é só aqui, nas redes sociais, ou quando vamos fazer uma TAC à cabeça, que estamos a ser servidos por algoritmos. Nós somos algoritmos. O nosso próprio corpo é uma calculadora (gigantesca e sofisticada) de probabilidades, quer para sobreviver, quer para fazer cópias de si mesmo através dos nossos filhos. Um algoritmo é um conjunto metódico de processos que estão na base da resolução de qualquer problema que se ponha à vida. Por exemplo, a receita de um bolo é um algoritmo para a sua preparação que tanto pode ser processado por nós, como por uma máquina. É um algoritmo que se pode repetir as vezes que se quiser. Em cada ocasião os produtos são diferentes, mas o algoritmo permanece o mesmo.

Neste caos que é o mundo, a nossa sobrevivência depende dos melhores algoritmos. Um indivíduo temeroso, cujos genes desenham um algoritmo que sobrestima o perigo demasiado, perante a necessidade de comer o fruto da árvore com o leão por perto, vai morrer de fome. Mas um indivíduo com genes opostos, isto é, desenhadores de algoritmos que o leva a ser irresponsavelmente temerário, negligenciando o perigo, vai morrer comido. E provavelmente uns e outros não vão deixar descendência. Assim, as nossas emoções são algoritmos bioquímicos vitais para a sobrevivência e reprodução. Algoritmo é indiscutivelmente o conceito mais singular no mundo em que vivemos. É, pois, assim que a natureza controla a qualidade dos genes através da seleção natural. São os indivíduos mais eficientes a fazer os cálculos de probabilidades que vão deixar uma prole mais capaz e numerosa.


A era do antropoceno é isto, a informação produzida pela tecnologia e pela computação social, estreitamente conduzida pela própria evolução da espécie humana. É o conhecimento humano que está nos motores da evolução, já nãopela seleção natural, mas pela seleção humana.  Mas o homem foi inicialmente programado pela seleção natural, condicionado por aquilo que tinha à disposição para se alimentar. E quando foi expulso do paraíso de árvores de fruto da floresta tropical, para  savana africana por um acidente geológico, para sobreviver teve de comer o que existia. E assim teve de se tornar omnívoro, passando a ter de comer também carne. Portanto, o que determinou a evolução do homem está ligado àquilo que ele come. A espécie começou comendo sementes, depois veio a agricultura, depois vieram os cozinhados das carnes. Hoje, a computação social nos transformou em ‘informívoros’, ou seja, consumidores de informação, o que nem sempre tem um sentido prático na nossa vida.

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