Hércules iniciado nos Mistérios Eleusinos. Museu Arqueológico de Nápoles
Os Mistérios de Elêusis (também conhecidos como Mistérios Eleusinos) eram ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone, que se celebravam em Elêusis, próximo de Atenas. Eram considerados os de maior importância entre todos os que se celebravam na antiguidade. Estes mitos e mistérios foram depois assimilados pelos romanos. Os ritos e crenças eram guardados em segredo, só transmitidos a novos iniciados. Deméter e sua filha Perséfone - Ceres e Proserpina respetivamente para os romanos - presidiam aos pequenos e aos grandes mistérios. Daí o seu prestígio. Muitos desses mistérios ainda não foram totalmente desvendados; no entanto, no grande complexo de templos de Elêusis, notadamente no grande Templo de Deméter, o Telesterion, os estudiosos têm descoberto esculturas e pinturas em vasos que representam alguns desses ritos. Celebravam o regresso de Perséfone, visto que era também o regresso das plantas e da vida à terra, depois do inverno. As sementes que ela trazia significavam o renascimento de toda a vida vegetal na primavera.
O ritual dos Mistérios de Elêusis encontrava expressão na lenda da deusa Deméter e sua filha Perséfone, raptada por Hades (Plutão), rei do Mundo Inferior, quando colhia flores com suas amigas, as Oceânides, no vale de Nisa. Deméter, ao tomar conhecimento do rapto, ficou tão amargurada que deixou de cuidar das plantações dos homens aos quais havia ensinado a agricultura. Os homens morriam de fome, até que Zeus (Júpiter), que havia permitido a seu irmão Hades raptar Perséfone, resolveu encontrar uma forma de reparar o mal cometido. Decidiu, então que Perséfone deveria voltar à Terra durante seis meses para visitar sua mãe e outros seis meses passaria com Hades.
As ruínas de Elêusis encontram-se a pouca distância de Atenas num bairro industrial. As ruínas escavadas a partir de 1882 estão dispersas aos pés de uma colina que constituía a Acrópole. Construído no ano 445 a.C. pelo mesmo arquitecto do Partenón, é um quadrado de 52 metros de lado, com seis fileiras de 7 colunas cada. As bancadas para os espectadores estão distribuídas pelos quatro lados do quadrado. À direita situa-se o Anaktoron, lugar onde se conservavam e exibiam os objectos sagrados. Outros monumentos de importância são: os Grandes Propileus, o Templo de Artemisia e de Poséidon e as ruínas que restam da Via-Sacra.
Platão, no Fédon, fala dos Mistérios Menores e dos Mistérios Maiores, referindo-se a certas visões das noites dos Mistérios como Phantasmata, aparições fantasmas. Aristóteles sublinha o papel da vivência, emoção e experiência nos Mistérios. Homero conta num hino que Zeus, o Deus regente da Era actual, permitiu a Hades, o que reina nos campos dos mortos presidindo o mundo subterrâneo, raptar Perséfone, filha de Deméter, Magna Dea da renovação da natureza e da terra fecunda, sem que sua mãe o soubesse. Estava a jovem a colher diversas flores, que crescem na planície de Nisa, em companhia de outras deusas e ninfas, entre elas as Oceânides, quando reparou numa flor muito especial, um narciso, e ao pretender arrancá-lo, a Terra, congeminada com Hades, abriu-se, surgindo da brecha Polidegmon, o filho de Cronos, que, a galope nos seus cavalos imortais, lançou-se sobre ela e levou-a sem que fosse possível resistir para o inframundo. Ninguém ouviu os seus gritos, salvo Hécate, o rosto oculto da Lua, tripla Deusa de corpo mutável, e também, noutro aspecto, misteriosa deidade do mundo da escuridão, e Hélios, o luminoso Senhor solar; até que por fim chegou aos ouvidos da Mãe um longínquo pranto interminável. Sentiu então Deméter uma pontada de angústia no coração e, sem pensar, partiu subitamente por terra e por mar em busca da filha, mas nenhum dos deuses conhecedores do pacto quis revelar-lhe a verdade. Nove dias andou Deméter, cheia de tristeza com uma tocha acesa, deambulando na sua busca incessante pelo rasto de Perséfone e durante esse tempo não comeu, não dormiu, não descansou e não se banhou. No décimo dia, Hécate, comovida, saiu ao seu encontro, mas pouco lhe pôde informar, pois, certamente ouviu os gritos, mas não viu o raptor. Então as duas deusas compareceram perante Hélios, o Sol; e Deméter, olhando a sua face resplandecente, perguntou-lhe pela filha, ficando a saber deste modo que Zeus a tinha entregue a Hades, seu irmão, para que este a desposasse, e que tinha sido conduzida por ele às Trevas.
Deméter, cheia de fúria e dor, fugiu para o mundo dos homens, ocultando-se do olhar de todos. Vestiu os véus de anciã e, entre os humanos, ninguém a reconheceu. Deste modo chegou perto do palácio do Rei de Elêusis, e sentou-se aflita na beira de um poço onde as mulheres da cidade iam buscar água. Ali a encontraram as filhas do monarca e, hospitaleiras, sem saber quem ela era realmente, lhe ofereceram trabalho e alojamento. Algum tempo depois, após uma longa série de acontecimentos, a Deusa revelou a sua identidade tão zelosamente oculta e ordenou: Que todo o povo me construa um templo com um altar ao pé da cidade! Construam todos um alto muro em redor do poço! E Eu vos ensinarei os Mistérios da Vida e da Morte, para que aplaqueis logo o meu ânimo com santos sacrifícios. Dito isto, apareceu resplandecente, cheia de glória, juventude e beleza, os cabelos brilhantes da cor das espigas douradas pelo sol. Deméter ficou escondida no lugar mais profundo do Templo, mas não consentiu à terra que germinasse. Os campos tornaram-se ermos e o mundo converteu-se rapidamente num lugar triste e desolado até que, por fim, Zeus se preocupou pensando que os homens acabariam por morrer de fome, o Hades encher-se-ia e romper-se-ia o equilíbrio entre os diferentes mundos. Por isso decidiu intervir. O soberano dos Deuses enviou Íris, a mensageira, a Elêusis, para que rogasse a Deméter que abandonasse a sua atitude. Mas a Deusa não fez caso. Depois, também a pedido de Zeus, foram desfilando um a um cada um dos Deuses do Olimpo. Deméter continuou inamovível, sem aceder aos insistentes pedidos e conselhos: disse que não sairia dali até que a sua filha regressasse sã e salva. Depois de tão reiterada negativa, Zeus mandou Hermes a Erebo para falar com Hades, para que este devolvesse a rapariga. Ela estava sentada ao lado do seu senhor como Rainha dos Mortos. O seu esposo ao inteirar-se da situação, reflectiu, voltou-se para ela e permitiu-lhe ir, mas não sem antes lhe dar a comer de improviso um gomo de romã, o fruto da fecundidade. De seguida montou-a no seu carro e levou-a para o exterior. Acompanhava-os Hermes, o mensageiro. Por fim, mãe e filha abraçam-se jubilosas e conversam durante muito tempo, relatando o sucedido, até que Deméter, depois de fazer muitas perguntas, dá-se conta do engano. Perséfone comeu alimento no mundo subterrâneo; terá que voltar lá porque assim o ditam as Leis. Estará duas partes do tempo na superfície e um terço nas profundidades da terra, como companheira de Hades. Zeus dá o seu assentimento a uma tal repartição do tempo. E finalmente Deméter, acatando o pacto, devolve ao mundo a sua fertilidade. Depois, tal como tinha prometido, a Deusa desvelou os seus Mistérios aos homens. Santas Cerimónias que não é lícito descuidar, nem espiar por curiosidade, nem revelar sob pena de morte.
E daí em diante essas cerimónias são celebradas a cada ano, em Elêusis, em honra da Deusa e dos seus ensinamentos, primeiro reservados à família real euleusina, de onde surgiram os primeiros Hierofantes, e depois abertos a todos os que cumprissem determinados requisitos, de modo que inclusive os escravos podiam ser admitidos, e nos tempos modernos, jovens de tenra idade, até que o Cristianismo, que tentaria por todos os meios destruir os cultos milenários e o antigo saber, poria o ponto final a este ciclo tantas vezes centenário. É a Teodósio II, na sua luta contra a idolatria, que corresponde a duvidosa honra de ter precipitado a queda definitiva dos Mistérios. Quando o cristianismo se ergueu ocultando os velhos deuses, o lugar foi ocupado por um mosteiro ortodoxo entre pinheiros, nos quais se celebrava o tradicional festival anual do vinho de Daphne.
Sobre o conteúdo oculto da Noite dos Mistérios
Com o grito de Para trás profanos que é lançado pelo Arauto, começam as Cerimónias Secretas por detrás dos muros do Telestérion, que continuarão na noite seguinte, desta vez reservada só para os Epoptai, aqueles que foram recebidos no Templo em anos anteriores.
O lugar do Telestérion em Elêusis
O Telestérion ("Salão de Iniciação" do Gr. Τελείω, "completar, cumprir, consagrar, iniciar") era um grande salão e santuário em Elêusis. Os atenienses usavam vários calendários, cada um com finalidades diferentes. O festival era celebrado todos os anos por nove dias, de 15 a 23 de mês de Boedromion (setembro ou outubro), durante o qual Atenas se enchia de visitantes. O calendário do festival tinha 12 meses lunares. As celebrações não eram estritamente calibradas para um ano de 365 dias. No clímax cerimonial, os iniciados entraram no Telestérion, onde são mostradas as relíquias sagradas de Deméter, e as sacerdotisas revelam as suas visões da noite santa (provavelmente um incêndio que representava a possibilidade de vida após a morte). Essa era a parte mais secreta dos mistérios e aqueles que haviam sido iniciados eram proibidos de falar dos eventos que ocorreram no Telestérion. Acredita-se que o local do Telestérion era um lugar sagrado desde o século VII a.C., ou a época do Hino Homérico de Deméter, um dos 33 Hinos Homéricos. O Telestérion teve dez fases diferentes de construção. Foi destruído pelos Persas após a Batalha das Termópilas, quando os atenienses se retiraram para Salamina em 480 a.C. Após a derrota dos Persas, o Telestérion foi reconstruído algum tempo depois por Péricles. Em algum momento do século V a.C., Iktinos, o grande arquiteto do Partenon, construiu o Telestérion grande o suficiente para acomodar milhares de pessoas. Por volta de 318 a.C., Philon acrescentou um pórtico com doze colunas dóricas. Em 170 d.C., durante o domínio do imperador romano Marco Aurélio, uma antiga tribo chamada Costoboci lançou uma invasão do território romano ao sul do Danúbio, entrando pela Trácia e devastando as províncias da Macedónia e Acaia. Os Costoboci chegaram ao extremo sul de Elêusis, onde destruíram o Telestérion. O imperador respondeu enviando o general Vehilius Gratus Iulianus para a Grécia com reforços de emergência, que finalmente derrotaram os Costoboci. Marco Aurélio, em seguida, reconstruiu o Telestérion. Em 396 d.C., as forças de Alarico invadiram o Império Romano do Oriente e devastaram a Ática, destruindo o Telestérion, que nunca mais viria a ser recuperado.
Diz-se que nas noites em que culminavam os Mistérios se distribuía algo mais do que água e cevada para que os participantes bebessem. No longo milénio durante o qual, ano após ano, se celebravam os Mistérios, variadíssimos dados acabaram por escapar ao juramento de silêncio, mas nenhum dos momentos de esplendor. O pouco que sabemos para além dos actos públicos, corresponde aos tempos mais modernos e muitos são comentários que por sua vez se referem a outros autores.
Eurípedes põe na boca de Hércules que, «na noite dos Mistérios», se via a aparição de Deméter surgindo dos Infernos. Segundo Plutarco, Alcibíades mostrou em sua casa alguns elementos dos Mistérios, representando em mímica uma cena, pelo que foi acusado de impiedade. Alguns comentadores crêem que o grego se está a referir aos «Hiera», «objectos sagrados», mas apesar das muitas versões, não se sabe com exactidão se se referia a uma visão ou a um objecto.
Clemente de Alexandria indica que «o mito de Deméter e Coré converteu-se num drama para iniciados, Elêusis celebra com tochas a sua peregrinação, o seu rapto e a sua aflição». Se bem que, por um lado, tudo no Festival Anual de Elêusis, tanto a forma das celebrações como o seu conteúdo, tem uma leitura simbólica, podendo assim ser também interpretado, por outro lado, ao que parece, em certos momentos dos Mistérios Menores se fizeram dramatizações de tais conteúdos e do Mito da Deusa, parece no entanto muito pouco provável que na Noite dos Mistérios se tenha realizado alguma representação dramática, tal como Clemente indica, e, citando-o, tantos investigadores e comentadores posteriores. Se se tivesse realizado alguma teatralização no Telestérion de Elêusis, teriam que se ter encontrado registos de contas gastos de actores e cenografia, e não foi assim. Além disso, o Telestérion, de configuração quadrangular englobava uma câmara muito mais pequena, também rectangular, o anaktoron ou «morada do senhor». Esta posição foi mantida intacta nas sucessivas reconstruções. Além disso, a disposição do Telestérion, ao pé de cujos muros se sentavam os candidatos, velados, em degraus cobertos de pele de cordeiro, impedia a visão a partir de muitos ângulos. São Hipólito declara que «a verdadeira essência dos Mistérios consiste em mostrar uma espiga de cereal». Se bem que não seja impróprio que, como parte do rito, as espigas tenham um papel simbólico destacado na alusão à ceifa e a Deméter. Sabe-se que dentro do Telestérion os candidatos sofriam uma profunda comoção e uma profunda vivência, e por mais que o conjunto ritual facilitasse a expressão de determinados sentimentos, isso não parece explicação suficiente. Por outro lado, dentro da gama de emoções entrava a ansiedade e o medo, e parece estranho que alguém pudesse assustar-se com uma espiga.
Santo Agostinho cita Marco Terêncio Varrão, que interpreta o conjunto dos Mistérios Eleusinos em relação ao grão. «A própria Proserpina», diz, «simboliza a fecundidade das sementes, e quando num certo momento fracassou, ocasionando que a terra ficasse estéril, e por essa razão desse origem à opinião de que a filha de Ceres, a fecundidade, tinha sido raptada por Plutão, e retida no mundo de baixo. E quando a carestia foi publicamente lamentada, e a fecundidade voltou, houve júbilo pelo regresso de Proserpina, e em consequência instituíram-se os ritos solenes». E «depois», continua Santo Agostinho, citando Varrão, «ensinaram-se muitas coisas nos seus Mistérios que não têm relação com mais do que a descoberta do grão».
Parece que numa certa chave, em culturas agrárias, o simbolismo teológico possui uma evidente relação com os ciclos naturais de renascimento e declínio. Deste modo se aparentaram os Mistérios de Elêusis com os rituais mesopotâmicos que evocam os mistérios da Grande Mãe Natureza e do «filho-esposo» que se despedaça, morre e ressuscita periodicamente. De facto, especulando sobre a origem do mito e dos Mistérios de Elêusis, alguns autores fazem-no provir da Ásia Menor, se bem que é verdade que outros apontam para o Egipto, ou Creta, o que parece ser possível pelos elementos comuns que podemos encontrar, se rastrearmos entre o simbolismo minóico da Grande Mãe, seus atributos e certos elementos presentes no mito de Deméter. Outras interpretações na mesma linha apontam para que, sobre a primitiva rememoração do nascimento e da morte das colheitas, se tenham associado os elementos gerais do morrer e renascer, acrescentando-se posteriormente a esta base uma abstracção geral sobre o renascimento e a crença da permanência depois da morte.
Outra linha de investigação moderna indica que é muito possível que nos Mistérios de Elêusis se tenham utilizado fungos «enteogénicos», ou seja, que depois de uma preparação psicofísica muito cuidadosa, certas doses deste tipo de fungos num ambiente especial facultariam a vivência mística. E em seu apoio citam os dados provenientes de múltiplas culturas onde se utilizava a ajuda de substâncias semelhantes. A palavra «enteogénicos», que quer dizer «Deus connosco», foi utilizada para descrever o uso de fungos em rituais religiosos, para os diferenciar de qualquer outro tipo de experimentação profana com outros fins. Estes investigadores sugerem que é possível que, oculto na tradição Eleusina, subjaza o uso de alguns derivados da cravagem do centeio. Assim, dizem que os fungos eram considerados um fermento da terra, um símbolo do renascer da vida a partir do frio reino da putrefacção que era o bolorento Além. Os mesmos autores, procurando provas da sua tese, assinalam que os fungos eram conhecidos na Grécia, que estavam também associados a rituais extáticos de Dionísio, e que se misturavam no vinho, indicando que esta bebida não continha apenas álcool, mas que geralmente era uma infusão variada de diferentes vegetais num líquido vinhoso. Acrescentam provas do perigo de tal vinho que poderia provocar a loucura se se abusava dele. Afirmavam que o vinho de Dionísio era o meio essencial pelo qual os gregos da época clássica continuaram a participar no vetusto êxtase que residia em todas as formas vegetativas que eram o filho da Terra.
1 comentário:
Ótimo texto. Obrigado por partilhar
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