sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O futuro perdido e as sombras do passado


Há 2,8 milhões de anos, no tempo do homo habilis, começaram a aparecer oscilações climáticas a cada 41 mil anos, de tal modo que nos períodos frios se acumularam grandes massas de gelo em torno dos polos, que se retraíam em períodos temperados. Estes gelos e degelos periódicos do Planeta parece terem tido um enorme impacto ambiental, incluindo nas regiões africanas onde viviam os hominídeos. 


Por outro lado, a selva chuvosa do nordeste africano diminuiu drasticamente, e assim formaram-se os ecossistemas abertos que se estenderam-se até à costa do Índico e Mar Vermelho. Ora, o homo habilis já estava adaptado ao novo meio ambiente - A expansão das savanas e a consequente transformação vegetal que provocou um processo de adaptação dos hominídeos, que no tempo do homo habilis já estava perfeitamente adaptado ao novo meio ambiente. Pela primeira vez a carne e as gorduras animais passaram a constituir uma parte importante da dieta dos hominídeos. E como consequência, o homo habilis passou a ter um cérebro maior, que por sua vez lhe permitiu enfrentar cenários de vida mais imprevisíveis. Independentemente de há 2 milhões e meio de anos o género homo já produzir artefactos de madeira e outros elementos perecíveis, os primeiros de pedra talhada são desta altura.

Numa fórmula sumária poderia dizer-se que a evolução que que se processou no género homo - desde o homo habilis até ao homo sapiens sapiens dos nossos dias - confirma amplamente a importância da imaginação como instrumento de conhecimento para a sobrevivência. A imaginação é constitutiva do homem, tanto quanto o são a experiência diária e as atividades práticas. Se bem que a estrutura da sua realidade não seja homologável às estruturas das realidades objetivas, o mundo do imaginário não é irreal. A imaginação revela estruturas do real inacessíveis quer à experiência dos sentidos quer ao pensamento racional. 

Aqui chegados, agora já anda por aí o “proto-ex-sapiens” a proclamar a vencida sobre os grandes cavaleiros do Apocalipse. É a imortalidade aqui na Terra, a felicidade divina, prometida já para este século XXI. Já nas sociedades míticas, referia Mircea Eliade, o homem ouve o Mundo porque este não é mudo, pelo contrário, diz coisas, é significativo, inteligível, e para decifrar a sua linguagem (estruturas, objetos, vida, ritmos) recorre aos símbolos. Perante esta comunicação da mesma chave de símbolos, a natureza revela os mistérios-realidades: “se o mundo fala ao homem através dos seus astros, das suas plantas e animais, dos seus rios e pedras, das suas estações e das suas noites, o homem responde-lhe através de sonhos e do seu imaginário… Se o Mundo é transparente para o homem, este sente que também é “observado” e compreendido pelo Mundo. A presa vê-o e compreende-o, assim como a rocha, a árvore e o rio. Cada um tem a sua “história” para contar, um conselho para dar.

Ora, o progresso é uma coisa que tem de ser vista à luz das teorias da complexidade, para percebermos que foi sempre no próprio progresso tecnológico que o homem se teve de confrontar com as regressões.  São essas mesmas regressões que permitem concluir que a arrogância do pensamento tecno-burocrático é a principal causa do estado a que as civilizações chegam no momento da decadência, passando a dominar o estado de barbárie. Não apenas 
a que o progresso não conseguiu eliminar da civilização, mas também a produzida por esse mesmo progresso. A barbárie não apenas da guerra, mas também da fome e da doença, espetros que sempre acompanharam o Sapiens ao longo da sua história.

Entrando no registo da ironia: "agora é que vai ser, finalmente chegados ao século 21, vamos conseguir exterminar esses cavaleiros do Apocalipse, entrando numa nova ordem  universal da abundância, das saúde e paz para todas as pessoas sem exceção. Vamos ser finalmente super-homens, com experiências muito diferentes das do Sapiens atual. Uma nova casta super-humana de duas espécies: uma, a maioria, de massas humanas sem nada para fazer; outra, uma pequena elite superdesenvolvida e aprimorada, a cavalgar algoritmos altamente inteligentes, a deitar por terra em frangalhos o atual liberalismo capitalista democrático."

Agora a sério: "tudo neste mundo está em crise. Dizer crise é dizer progressão de incertezas. Por toda a parte, em tudo, as incertezas progrediram. Isto significa que se os profetas podem profetizar e os videntes podem ver, os diagnosticadores já não podem diagnosticar, e os prognosticadores já não podem prognosticar. O presente está em risco de naufragar. O planeta vive, cambaleia, gira, arrota, é sacudido por soluços e peida-se sem se preocupar com o futuro. Tudo se faz, vive-se, a curto prazo. O futuro esfuma-se tanto mais quanto mais depende não só de acasos e bifurcações, mas também de um eventual tudo ou nada. É o mundo globalizado, industrializado, civilizado, mas de pessoas cada vez mais sós e isoladas, ao contrário do que a tecnologia prometia: proximidade e comunicação. A humanidade foi-se domesticando para adaptar-se às exigências da divisão do trabalho, das cidades. Como consequência, alienou-se. Apesar de ser uma marcha já com milhares de anos, poucos se atreveram a diagnosticar as raízes do problema e a assumir as consequências."

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