O curach representa uma das duas tradições de construção de barcos na Irlanda. A construção frágil dos primeiros barcos, que torna improvável a sua preservação, tem dificultado o trabalho dos arqueólogos marinhos. Mas a sua antiguidade é indubitável a partir de fontes escritas. Um deles é o relato latino da viagem de São Brandão (que nasceu em 484 no sudoeste da Irlanda): Navigatio sancti Brendani abbatis. Contém um relato da construção de um barco oceânico: usando ferramentas de ferro, os monges construíram um navio de lados finos e com nervuras de madeira sicut mos est in illis partibus (como é costume nestas paragens), com couros curados em cascos de carvalho. Foi usado alcatrão para selar os locais onde as peles se uniam. Um mastro e uma vela eram erguidos no meio da embarcação. Embora a viagem em si seja essencialmente um conto de maravilhas, está implícito que a embarcação descrita foi construída de acordo com a prática comum da época. Um martirológio irlandês do mesmo período diz que o barco comum na Ilha de Aran é um barco feito de vime e coberto com couro de vaca.
A exploração dos espaços
desconhecidos foi desde sempre um estímulo para o conhecimento. E o homem
medieval também não se furta a essa atitude, aventurando-se aos mares para
descobrir novas terras de além mar. O descobrimento de novos territórios
traz consigo a exigência de codificação da imagem da Terra, em contínua
evolução mediante cartas de marinheiro e mapas simbólicos. Mas a cisão da unidade
política e cultural do Império Romano traz entre as suas consequências a
dificuldade da comunicação e de troca de informações. O conhecimento das terras emersas não exploradas
aumenta durante a Idade Média, por via das ousadas iniciativas de alguns grupos
de viajantes (como os exploradores bizantinos da Ásia e os audazes navegadores
irlandeses. Um exemplo que atesta esta falta de
circulação de informação pode ser encontrado no facto de as expedições navais
dos povos do Norte, que antes do ano 1000 chegaram à Islândia, à Gronelândia e à
América, só muitas décadas mais tarde foram conhecidas na Europa.
Pois os povos do Norte percorreram imensas
extensões em alto mar em condições muito precárias: sem usar astrolábios, quadrantes ou bússolas, desafiando a grande fronteira ocidental que era o oceano Atlântico. Ninguém nesse tempo
sabia o que poderia existir para lá dessa imensa e infinita massa de
água. As primeiras explorações de que temos notícia partem da Irlanda, a bordo
do curach. Um barquito revestido de peles, com três ou quatro remos, muito leve e manobrável, e igualmente resistente ao naufrágio. Quando é descrito pela primeira vez pelo
poeta latino Avieno, o curach já sulca os mares há alguns séculos, desempenhando
um papel de primeiro plano no desenvolvimento social e económico daquelas
regiões. Estreitamente ligado à história dos povos celtas, o curach é a
embarcação em que São Patrício, século V, regressa à Irlanda depois de ter andado pela costa ocidental da
Britânia. E é em barcos destes que, segundo nos conta Sidónio
Apolinário (430-479), os piratas do Norte costumam atravessar o mar, leia-se: os Vikings. Está
também historicamente documentada uma versão maior desta embarcação, munida de
uma vela quadrada, armada num mastro central e com leme e âncora de ferro.
Píteas (310-380 a.C.) relatou as suas viagens num documento intitulado Περι του Ωκεανου (Sobre o Oceano), do qual apenas excertos sobreviveram, citados e parafraseados por autores posteriores. Alguns destes, como Políbio e Estrabão, acusaram Píteas de documentar uma jornada que nunca poderia ter sido financiada. Daí só poder ser fictícia. No Livro I, 4.3, Píteas é chamado por Estrabão de um arqui-falsificador, isso porque os viajantes que viram a Bretanha não mencionaram Thule, apenas outras ilhas pequenas. Além disso, Estrabão também questiona o tamanho da Bretanha mencionado por Píteas, de mais de 20.000 estádios, quando a medida de Estrabão é de menos de 5.000 estádios. No Livro II, 4.2, Estrabão cita Políbio, e questiona como um homem pobre pode ter viajado tanto. Apesar disto, actualmente, é aceito que a sua história é plausível. Em um de seus relatos, Píteas informou ter visitado uma ilha a seis dias de viagem do norte da Escócia, próxima ao mar congelado, e chamou aquela ilha de Thule. Píteas menciona que nestas regiões havia uma substância que não era nem terra propriamente dita, nem mar, nem ar, mas uma substância formada dos três, parecendo pulmões marinhos. Muitos historiadores acreditam que esta ilha tenha sido a Islândia, enquanto outros supõem que ele na verdade referia-se à costa da Noruega.
Píteas (310-380 a.C.) relatou as suas viagens num documento intitulado Περι του Ωκεανου (Sobre o Oceano), do qual apenas excertos sobreviveram, citados e parafraseados por autores posteriores. Alguns destes, como Políbio e Estrabão, acusaram Píteas de documentar uma jornada que nunca poderia ter sido financiada. Daí só poder ser fictícia. No Livro I, 4.3, Píteas é chamado por Estrabão de um arqui-falsificador, isso porque os viajantes que viram a Bretanha não mencionaram Thule, apenas outras ilhas pequenas. Além disso, Estrabão também questiona o tamanho da Bretanha mencionado por Píteas, de mais de 20.000 estádios, quando a medida de Estrabão é de menos de 5.000 estádios. No Livro II, 4.2, Estrabão cita Políbio, e questiona como um homem pobre pode ter viajado tanto. Apesar disto, actualmente, é aceito que a sua história é plausível. Em um de seus relatos, Píteas informou ter visitado uma ilha a seis dias de viagem do norte da Escócia, próxima ao mar congelado, e chamou aquela ilha de Thule. Píteas menciona que nestas regiões havia uma substância que não era nem terra propriamente dita, nem mar, nem ar, mas uma substância formada dos três, parecendo pulmões marinhos. Muitos historiadores acreditam que esta ilha tenha sido a Islândia, enquanto outros supõem que ele na verdade referia-se à costa da Noruega.
A era do Curach acaba, porém, em finais do século VIII, com as invasões dos vikings, em consequência das quais cessam as condições pacíficas que tornaram possíveis as deslocações dos monges irlandeses além-mar, pelo menos seguramente até à Islândia, onde – segundo a crónica do próprio Dicuil – eles chegam em 795. Não é possível apurar se, partindo desta última base, os monges irlandeses terão alcançado também a Gronelândia, onde chegam os noruegueses. A Gronelândia é também usada como base pelos vikings para avanços posteriores que os levam, provavelmente, a tocar as costas da América, como conta a Groenlandinga Saga, que é a mais antiga e mais fidedigna fonte de notícias sobre as viagens dos noruegueses. A redação deste texto é atribuída ao século XII, mas as peripécias que narra são anteriores. O seu protagonista é Bjarni Herjolfsson, filho de um colono norueguês na Islândia. Este hábil marinheiro, capaz de conhecer as posições no mar observando o Sol e de manter a rota seguindo convenientemente os ventos, ter-se-ia mudado para a Gronelândia; partindo dali para o alto-mar e avistando ao longe a costa setentrional da América, tê-la-ia tocado. Os eremitas irlandeses, espicaçados
pelo desejo de descobrir locais isolados onde pudessem entregar-se à meditação,
chegam com esses meios às Hébridas, às Órcades, às Shetland e às Féroe. O monge
Dicuil (séculoIX), que é um dos homens de cultura da corte de Carlos Magno
(742-814, rei desde 768, imperador desde 800), fornece informações sobre uma
expedição dos seus confrades às ilhas Féroe em 825. Entre estes navegadores
cristãos, já se havia distinguido São Brandão, que chega às Hébridas na
primeira metade do século VI e a quem a tradição atribui muitas viagens por mar.
A figura deste santo marinheiro é também recordada por causa de uma fabulosa
ilha de São Brandão que aparece com frequência nas cartas náuticas britânicas
da época e só delas desaparece a partir do século XIX.
Uma das problemáticas geográficas
herdadas da Antiguidade é a da representação da Terra. Já com os antigos
pitagóricos a Terra começava a ser pensada como um globo no interior de uma
esfera mais ampla, a dos céus; esta maneira de ver é depois aceite por
filósofos, astrónomos e geógrafos da época helenística e romana e em seguida
pelos estudiosos da alta Idade Média, que a descrevem segundo dois modelos. Por um lado, temos o orbis
quadratus, fruto das hipóteses propostas pelo geógrafo Crates de Malo
(século II a.C.), segundo o qual a Terra divide-se em quatro regiões por efeito
da extensão dos oceanos; duas regiões estão no hemisfério setentrional e duas
outras no meridional, este último oposto ao Mediterrâneo e habitado
pelos antípodas, os homens que vivem de cabeça para baixo.
O outro esquema de representação,
muito difundido, é o chamado mapa em T, o Orbis Terræ, que apresenta um círculo
dividido pela bacia do Mediterrâneo e pelo rio Nilo em três partes correspondentes
aos continentes da época - Ásia, África (frequentemente chamada Lybia), e Europa - circundados por um único oceano visto como um grande rio circular que cerca as
terras conhecidas. A primeira figuração deste género aparece em De Rerum Natura de Isidoro de Sevilha, texto muito difundido na Europa medieval e que leva muitos
estudiosos a julgar erroneamente ter-se voltado a crer numa Terra plana.
Este equívoco é posteriormente
alimentado pela intervenção literária de dois autores cristãos: Lactâncio (240-320) inspirando-se
na descrição bíblica da ecúmena, fala em Institutiones
Divinæ de um universo em forma de tabernáculo (isto é: quadrangular); e, tempos
depois, também o bizantino Cosmas Indicopleustes (séculoVI) representa a Terra
na sua Topographia Christiana como um tabernáculo em forma de paralelepípedo com
o fundo plano, uma alta montanha a dominar-lhe o perfil e um arco sobranceiro à
base retangular para figurar a ecúmena. Por outro lado, como Isidoro de Sevilha
refere no século VII a medida da circunferência terrestre, segundo o cômputo do
geógrafo sírio Posidónio de Apameia (135 a.C.-50 a.C.), de 180 mil
estádios, mencionando a circunferência da 'roda terrestre' ou até, segundo
outros, da 'esfera', torna-se evidente que aqueles dois autores cristãos não
merecem muito crédito por parte dos intelectuais da época. Junte-se a isto o
facto de o mapa em T ser considerado neste tempo nem mais nem menos que um
esquema de representação da Terra no seu todo, um mapa simbólico sem
finalidades geográficas. Do mesmo modo são interpretadas as cartas regionais
que procuram principalmente fornecer, de um modo esquemático, informações
essenciais para os viajantes. É disto um exemplo a chamada Tabula Peutingeriana,
cópia medieval do mais antigo mapa de estradas que hoje possuímos. O seu nome
provém do de um dignitário de Augusta, Konrad Peutinger, que em 1507 recebe
como presente este rolo de pergaminho com pouco menos de sete metros de
comprimento e 34 centímetros de largura, cortado em 11 fólios dos quais falta o
primeiro, com a representação das regiões mais ocidentais da bacia do
Mediterrâneo. A Tabula Peutingeriana, datada presumivelmente da Antiguidade
tardia, só à primeira vista é apenas um mapa que se limita a mostrar toda a
rede viária romana; na realidade, até o leitor mais distraído pode ali
encontrar uma quantidade de informações sobre cidades, lagos, rios, montes e
limites territoriais em plena sintonia com os preceitos dados por Estrabão (63 a.C. - 21 d.C.), que chama à geografia uma forma de conhecimento não
teórico mas, pelo contrário, útil e prático, ao serviço do homem de governo
(Geographia, I, 16).
Apesar das limitações de clareza,
devemos ver nestes documentos os progressos de uma disciplina em contínua
evolução. Enquanto o mapa, desenhado, e o texto, escrito, são dois instrumentos
da geografia da Grécia clássica visando representar a ecúmena, ou parte dela,
num espaço geometrizado e narrado, os mapas da alta Idade Média reúnem num só
estes dois instrumentos, perseguindo uma finalidade prática, por um lado, e
simbólica, por outro. O objetivo destes mapas não é, pois, figurar a realidade
física ou a forma da ecúmena, mas representar tudo o que fosse funcional para
quem tivesse de se deslocar de um local para outro, assinalando em cada zona as
cidades, os povos, os rios e salientando ao mesmo tempo, em muitos casos, a
posição de Jerusalém no centro da Terra. Por isto ainda hoje os mapas medievais
são documentos preciosos para se repensar a história do homem e de alguns
lugares, que também pode ser percebida observando estradas e símbolos que falam
da transformação dos territórios e da diversidade da evolução económica de
determinadas cidades.
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