sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Rodolfo II – O Imperador dos pintores



O Sacro Imperador católico romano Rodolfo II nasceu em Viena (1552), foi educado em Espanha e coroado rei da Hungria, Boémia e Alemanha. Morreu em Praga (1612), com 59 anos de idade. Filho do Imperador Maximiliano II e da arquiduquesa Maria da Áustria, uma espanhola desesperadamente católica, e neto do formidável Carlos V. Rodolfo era um rapazinho de onze anos, silencioso e pensativo, quando foi enviado para Espanha para crescer sob orientação do muitíssimo católico Filipe II. A missão do tio era criar no sobrinho um defensor ferrenho da ortodoxia, para que depois conseguisse governar sobre as terras do Norte atormentadas pelos protestantes.

Ao subir ao trono, Rodolfo II já era rei da Boémia e da Hungria aquando da morte do seu pai, e foi coroado imperador a 27 de outrubro de 1576. Manteve a política de tolerância ao protestantismo, mas auxiliou a Contrarreforma. Era dado à melancolia, o que lhe diminuía as capacidades governativas. Tendo chegado a momentos de insanidade, os outros membros da família não tardaram a intervir nos assuntos do império. Rodolfo II foi, de facto, um dos mais excêntricos monarcas europeus de todos os tempos. Colecionava anões e possuía um regimento de gigantes em seu exército. Era rodeado por tudo o que cheirasse a ciência, principalmente a ciências esotéricas. Patrono da alquimia, financiou à farta literatura alquimista.

Não conseguindo manter a coesão dos estados, com os alemães que lhe eram hostis, instalou a capital em Praga e deixou o poder aos irmãos. Após uma revolta na Hungria (1604-1606) liderada por Stephen Bocskay e seus aliados otomanos, grande parte do poder foi transferido para o irmão Matias. A revolta foi provocada pela tentativa de Rodolfo impor o catolicismo romano na Hungria. Em 1608, Matias forçou Rodolfo a lhe ceder a Hungria, a Áustria e a Morávia. Procurando ganhar apoio dos estados da Boémia, Rodolfo emitiu um documento real chamado Majestät em 1609, que garantia a liberdade religiosa aos nobres e às cidades. Este esforço foi em vão e Rodolfo foi forçado a ceder a Boémia para Matias em 1611. O reinado turbulento de Rodolfo foi um prelúdio para a Guerra dos Trinta Anos.


Rodolfo II, por Giuseppe Arcimboldo

O seu gosto pelo excêntrico fez dele um dos principais protetores e mecenas da Europa. A partir de 1597, a sua saúde declinou e, trancando-se no castelo chamado Hradcany, apaixonou-se pelas ciências: química, alquimia, astrologia e astronomia. E interessou-se por Tycho Brahe e Johannes Kepler, e pelas belas artes de Giuseppe Arcimboldo. Assim, criou dentro do seu universo fechado um ambiente cintilante de criatividade e pesquisa, onde a experiência e a descoberta podiam encontrar ali abrigo.

Este Habsburgo, muito perturbado mentalmente, vivia rodeado por uma imensa corte de alquimistas, cabalistas, necromantes, filósofos naturais, astrónomos, pintores e escultores entrincheirados num palácio superlotado de acervos do mais eclético que alguma vez seria possível reunir por uma só pessoa. Não cabe na nossa imaginação um mundo tão estranho como aquele. As histórias que se contam são impressionantes, ainda que possamos suspeitar de estarem revestidas de certa fantasia.

Tycho Brahe fazia-lhe horóscopos com as piores previsões. Uma delas foi que o seu leão de estimação não duraria muito. Mas só morreu vários anos mais tarde a seus pés. Esse episódio tomou-o de angústias e de terror, caindo desmaiado sob as colunas italianas da sua última morada. Pagens e criados levaram-no para o quarto em convulsões terminais de agonia. E em poucos dias morreu.





Morreu com o frasco do elixir da eterna juventude ainda atado à volta do pescoço por um cordão de seda. O sacro imperador tinha-se tornado cada vez mais temeroso e supersticioso, nas mãos de toda a espécie de charlatães. O corpo de Rodolfo ficou exposto durante oito dias na capela ao lado da Sala Venceslas, um espaço tão vasto que costumavam fazer-se lá torneios a cavalo. Enquanto o irmão Mathias organizava a estratégia para expandir o seu poder na Europa. Um padre chamado Kaspar Zrucky entrou na câmara ardente. Ele observara de perto todos os passos da destruição de Rodolfo, inclusive duas tentativas de suicídio. Mas acreditava no elixir, pelo que não hesitou em roubá-lo. Roubou-o e bebeu-o, mas foi preso. Enforcou-se na cadeia.

O primeiro inventário das coleções de Rodolfo foi feito em 1619, um ano depois de ter iniciado a agora chamada Guerra dos Trinta Anos, e depois da Segunda Defenestração de Praga, que provocou sérios estragos nas coleções imperiais. A sala no Ludwigsflügel, onde o evento da defenestração ocorreu, ainda existe. Como a pilhagem ainda mal tinha começado foi possível listar mais de 3.000 quadros, onde se podiam ver trabalhos de Miguel Ângelo, Leonardo, Rafael, Giorgione, Dürer, Holbein, Cranasch, Brueghel, Ticiano, Tintoretto, Veronese e Rubens. E mais de 2.500 esculturas. O duque Maximiliano da Baviera não esteve com meias medidas, chegou e carregou. Diz-se que foram mil e quinhentos carregamentos, em carros puxados a cavalos. Na sequência da Batalha de Praga, que marcou termo à Guerra dos Trinta Anos, a 26 de julho de 1648, Konigsmark tomou posse do fabuloso palácio. Do espólio destinado à rainha Cristina da Suécia, outra grande colecionadora e amante das artes, destacou para si mesmo cinco carros com peças de ouro e prata. Quando a imperatriz Marie-Thérèse decidiu redecorar o palácio em 1749 (e assim apagar todos os vestígios de como fora a vida no tempo de Rodolfo), ainda amealhou uma grande fortuna em quadros vendidos para a pinacoteca de Dresda.



No dia 14 de maio de 1788, José II decidiu transformar o velho palácio, o maior orgulho do povo de Praga, na caserna para as suas tropas. Em 1876, um inspetor mandado de Viena encontrou mais quadros, e organizou uma transferência discreta entre capitais. E mais tarde, um certo SS Reichprotector e Obergruopenfuhrer chamado Reinhard Heydrich mandou emparedar a coroa de Venceslau, o santo padroeiro da Boémia. Rodolfo deliciava-se a inventar esconderijos complicadíssimos para as suas peças de eleição, que ainda continuam a aflorar à superfície nos nossos dias.




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