terça-feira, 29 de outubro de 2019

Transnístria ou Pridnestróvia




A Transnístria, que significa "para lá do rio Dniestre”, é Pridnestróvia para os russos, porque é a terra que fica logo antes de se chegar ao Dniestre. Com capital em Tiraspol, é uma região situada dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas como pertencentes à Moldávia. No entanto, declarou unilateralmente a independência em 1990 com a ajuda de contingentes russos e cossacos. A região mantém-se, de facto, independente com o auxílio de forças russas. O Conselho da Europa considera a questão da Transnístria um “conflito congelado”. 

É um país, mas não é reconhecido por ninguém. É como se não existisse. Mas funciona com completa autonomia, apesar do desproporcionado apoio de Moscovo. Tem postos fronteiriços tanto do lado moldavo como ucraniano. Tem moeda própria, mas desde 2016 que não é cambiável. As pessoas vivem ali no seu próprio mundo. Algumas das moedas são feitas de plástico e apresentam a efígie de Catarina a Grande e outros grandes heróis da expansão imperial russa do século XVIII.

É uma região separatista da recém independente Moldávia sob proteção de dois mil soldados mandados por Moscovo, em permanência desde o recente conflito com a Moldávia há cerca de 25 anos. A Rússia não quer ter ali uma segunda Kaliningrado. Por isso continua assim. As tropas russas estão estacionadas perto da capital – Tiraspol, nas encostas da velha Fortaleza de Bender, construída pelo sultão otomano Solimão, o Magnífico, depois de este ter conquistado a cidade em 1538 e a ter transformado numa praça-forte na fronteira com a cristandade. A Transnístria não tem acesso ao mar, mas tem fronteiras com a Bessarábia (isto é, o resto da Moldávia) a oeste (411 km) e com a Ucrânia (405 km) a leste. É um vale estreito que corre de norte a sul ao longo da margem do rio Dniester, que forma uma fronteira natural ao longo da maior parte adjacente ao (resto da) Moldávia. Tiraspol, a maior cidade da Transnístria, tem cerca de 160.000 habitantes. 



O território controlado pela Transnístria é em grande parte (mas não totalmente) coincidente com a margem esquerda (leste) do rio Dniester. Inclui dez cidades e vilas e 69 comunas, com um total de 147 localidades (sem essa forma legal definida como tal). Seis municípios da margem esquerda (Cocieri, Molovata Noua, Corjova, Pirita, Cosnita e Dorotcaia) permaneceu sob o controlo do governo da Moldávia após a Guerra em 1992, como parte de Dubăsari. Eles estão localizados ao norte e ao sul da cidade de Dubăsari, que por sua vez está sob o controlo da Transnístria. A cidade de Roghi de Molovata Noua também é controlada por Tiraspol (a Moldávia controla as outras nove das dez aldeias dos seis municípios).

A partir dos séculos X e XI, a história da Transnístria esteve sempre ligada à história da Ucrânia, que estabeleceu a base das identidades nacionais das nações eslavas orientais nos séculos subsequentes. A capital do principado ucraniano já nessa altura era Kiev. Após a extinção desse principado, em consequência das invasões mongóis no século XIII, o território passou por diversas mãos, até que, no final do século XVIII foi incorporado no Império Russo. 


Ante de Solimão a Transnistria e o Dniestre eram a fronteira entre a Europa e as estepes, um espaço geográfico contínuo desde ali até às fronteira chinesa. As pessoas na Transnistria sentem-se como cossacos. O centro do poder político da Transnistria está em Moscovo.

Durante a ocupação romena entre 1941 e 1944, cerca de 150.000 a 250.000 judeus ucranianos e romenos foram deportados para a Transnístria; a maioria foi executada, ou morreu de outras causas em guetos e campos de concentração. Depois que o Exército Vermelho reconquistou a área em 1944, as autoridades soviéticas executaram, exilaram ou prenderam centenas de habitantes da SSR da Moldávia nos meses seguintes, sob a acusação de colaboração com os "ocupantes germano-fascistas". Uma campanha posterior foi dirigida contra as famílias camponesas ricas, que foram deportadas para o Cazaquistão e a Sibéria.

A partir de 1989 as tensões na região aumentaram. As minorias étnicas sentiam-se ameaçadas pelas perspetivas de o russo ser removido como língua oficial, que servia de meio de comunicação interétnica, e pela possível futura reunificação da Moldávia e da Roménia. A composição étnica e linguística da Transnístria diferiu significativamente da maioria do resto da Moldávia. A proporção de russos e ucranianos étnicos era especialmente alta e a maioria da população, alguns deles de etnia moldava, falavam russo como língua materna. Os moldavos étnicos representavam menos de 40% da população da Transnístria em 1989. A Frente Popular nacionalista ganhou as primeiras eleições parlamentares livres na República Socialista da Moldávia na primavera de 1990, e a sua agenda começou lentamente a ser implementada. Em 2 de setembro de 1990, a República Socialista Soviética da Moldávia Pridnestroviana foi proclamada como república soviética por uma assembleia ad hoc: o Segundo Congresso dos Representantes dos Povos da Transnístria. A violência aumentou quando, em outubro de 1990, a Frente Popular pediu que voluntários formassem milícias armadas para impedir um referendo sobre a autonomia em Gagauzia, que tinha uma parcela ainda maior de minorias étnicas. Em resposta, milícias voluntárias foram formadas na Transnístria. Em abril de 1990, multidões nacionalistas atacaram membros do parlamento russo, enquanto a polícia moldava se recusou a intervir e restaurar a ordem. A fim de preservar a RSS da Moldávia na URSS e evitar que a situação se agravasse, o presidente soviético Mikhail Gorbachev, citando a restrição dos direitos civis das minorias étnicas da Moldávia como causa da disputa, declarou que a proclamação da Transnístria era sem base legal e anulou-a por decreto presidencial em 22 de Dezembro de 1990. No entanto, nenhuma ação significativa foi tomada contra a Transnístria e as novas autoridades foram lentamente capazes de estabelecer o controle da região.

Assim, em novembro de 1990 iniciaram-se confrontos armados em escala limitada, entre os separatistas da Transnístria e a Moldávia. Voluntários, incluindo cossacos, vieram da Rússia para ajudar o lado separatista. Em 1992, em consequência da divisão do equipamento militar depois do fim da União Soviética negociados entre as antigas 15 repúblicas, a Moldávia criou o seu próprio Ministério da Defesa. De acordo com o decreto de sua criação, a maior parte do equipamento militar do 14º Exército Soviético seria mantida pela Moldávia. A partir de 2 de março de 1992, houve uma ação militar conjunta entre a Moldávia e a Transnístria. Os combates se intensificaram ao longo do início de 1992. O Exército de Guardas da 14ª da ex-União Soviética entrou no conflito em sua fase final, abrindo fogo contra as forças moldavas; aproximadamente 700 pessoas foram mortas. Desde então, a Moldávia não exerceu nenhum controlo ou influência efetiva sobre as autoridades da Transnístria. Um acordo de cessar-fogo, assinado em 21 de julho de 1992, mantém-se até aos dias de hoje.

Em novembro de 2003, Dmitry Kozak, um conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, propôs um memorando sobre a criação de um estado federado assimétrico da Moldávia, com a Moldávia mantendo uma maioria e a Transnístria sendo uma parte minoritária da federação. Conhecido como "o memorando de Kozak", não coincidia com a posição da Transnístria, que procurava um estatuto de igualdade entre a Transnístria e a Moldávia, mas conferia à Transnístria poderes de veto sobre futuras alterações constitucionais; isto encorajou a Transnístria a assiná-lo. Mas não chegou a ser assinado por causa da posição interna e da pressão internacional da OSCE e dos EUA depois que a Rússia endossou a exigência da Transnístria manter uma presença militar russa pelos próximos 20 anos como garantia para a Rússia.

Em 3 de Março de 2006, a Ucrânia introduziu novos regulamentos aduaneiros na sua fronteira com a Pridnestróvia. A Ucrânia declarou que iria importar mercadorias da Pridnestróvia apenas com documentos processados pelas estâncias aduaneiras moldavas, como parte da implementação do protocolo aduaneiro conjunto acordado entre a Ucrânia e a Moldávia em 30 de dezembro de 2005. A Pridnestróvia e a Rússia qualificaram o ato de "bloqueio económico". Os Estados Unidos, a União Europeia e a OSCE aprovaram a medida ucraniana, enquanto a Rússia a via como um meio de pressão política. Em 4 de março, a Transnístria respondeu bloqueando o transporte moldavo e ucraniano nas fronteiras da Pridnestróvia. O bloqueio da Pridnestróvia foi levantado após duas semanas. No entanto, o bloco ucraniano/moldavo permanece em vigor e mantém o progresso nas negociações entre os lados. Nos meses seguintes as exportações da Transnístria diminuíram drasticamente. A Transnístria declarou uma "catástrofe humanitária" na região, enquanto a Moldávia chamou a declaração de "deliberada desinformação". Cargas de ajuda humanitária foram enviadas da Rússia em resposta.

Cerca de 62% da população da Transnístria pertence a um grupo étnico eslavo. Estatísticas oficiais do governo mostram que 91% da população seguem o culto do Cristianismo Ortodoxo, e outros 4% são católicos. Os católicos são encontrados, em sua maioria, no norte do país, onde vive aí uma considerável maioria polaca. O governo da Transnístria apoiou a restauração e construção de novas igrejas ortodoxas. Afirma que a república tem liberdade de religião e afirma que 114 crenças religiosas e congregações são oficialmente registadas. Apenas ultimamente tem sido postos obstáculos ao registo das Testemunhas de Jeová. 


Este caso da Transnístria, bem como o conflito na Ucrânia oriental, são o espelho do que representa falar da ordem política entre a Europa e a Rússia, no que respeita à fronteira numa Eurásia cada vez mais escura e caótica. Isto interessa à Rússia na medida dos seus planos de redesenho das fronteiras na região. Primeiro a desordem para depois vir a ordem.

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