sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O esoterismo dos humanistas renascentistas




Originalmente, o pensamento humanista baseia-se sobretudo na redescoberta da Antiguidade. Efetivamente, é no século XIV que Petrarca (1304-1374) redescobre os textos latinos e as culturas grega e romana veiculadas pelo Império Romano. Alguns textos de Aristóteles já eram conhecidos na Europa desde a Escolástica do século XII, mas as filosofias platónica e neoplatónica só chegam no século XIV. E é essencialmente nesta altura, no dealbar do Renascimento, que o esoterismo se revela em todo o seu esplendor, com o cunho de humanista universal, onde avultam Pico della Mirandola (1463-1494), Marsílio Ficino (1433-1499), John Dee (1527-1609) e Robert Flud (1574-1637).

Se a consciência e o desejo do homem se encontram no centro do universo, como o demonstrarão Leonardo da Vinci (1452-1519) no seu célebre desenho anatómico, e depois Robert Flud no seu homem microcosmo, por seu lado adianta que o centro divino está em todos os lugares, como a virtude de Deus distribuída pelas suas criaturas. O humanismo secular de Erasmo, bem como o humanismo religioso de Thomas More, nem sempre estarão do lado do mago renascentista, personagem e pensador essencial do esoterismo desta época.

René de Anjou (1409-1480), rei de Jerusalém e fundador de uma ordem iniciática, escreve também obras tingidas de esoterismo e de mística. As ordens multiplicam-se e, com elas, os mitos ligados ao grande impulso descobridor. Em Portugal temos o do Preste João, que alimenta as imaginações. Que os séculos XV e XVI sejam os séculos das epopeias e dos descobrimentos, não é nada estranho para nós que tivemos um Camões. Depois do terrível século XIV com pestes negras e cismas, extermínio dos Templários e levantamento das catedrais, o imaginário abre-se espontaneamente para horizontes mais vastos e desanuviados. 

É em 1437, durante uma missão, que Nicolau de Cusa (1401-1464) recebe a revelação da coincidência dos contrários a partir da qual compõe, em 1440, a sua obra fundamental – Douta Ignorância. Ao mesmo tempo Nicolau continua o seu trabalho de conciliação tanto junto das dietas alemãs como do concílio, até a unidade latina se reconstituir em torno do Papa, em 1448. A sua influência sobre o esoterismo e sobre pensadores como Ficino fazem jus ao seu pleno estatuto de homo universalis.

Entre as diversas correntes esotéricas que se desenvolvem no Renascimento e mesmo a partir do século XV, o hermetismo ocupa lugar privilegiado. Hermes, que faz parte dos mensageiros mencionados por Nicolau de Cusa, irá adquirir sob o impulso da Academia Florentina o direito de cidade no campo da cultura. Em meados do século XV, Cosme de Médicis envia através do mundo mediterrâneo agentes encarregados de recolher manuscritos. É desta diligência que um monge lhe traz da Macedónia um manuscrito grego que consistia em 14 dos 15 tratados do Corpus Hermeticum, manuscrito que se conserva hoje na Biblioteca Laurenciana.

Marsílio Ficino e Pico della Mirandola, são duas figuras maiores do esoterismo e do humanismo cristão do Renascimento. Ficino entrega-se à tradução de Platão que Cosme de Médicis lhe havia proporcionado. De certo modo, Ficino refugia-se em Plotino para remeter o leitor para os textos de Hermes e muito particularmente para a passagem do Asclépio que evoca o culto mágico do Egito. Ficino alia duas autoridades da mais alta estirpe: os textos de Hermes e os Cantos compostos por Orfeu. Se Marsílio Ficino é o promotor, ao nível do conhecimento superior, dos escritos de Hermes Trismegisto e da magia Naturalis; Pico della Mirandola é o artífice de uma outra forma de magia - 
a magia cabalística ou cabala prática. A contribuição de Pico della Mirandola é inestimável porque soube utilizar os trunfos da ciência e do conhecimento religioso para fundir numa figura única o homem de fé, o mago e o humanista. Apóstolo do concordismo depois de Raimundo Lúlio e Nicolau de Cusa, continuará com inúmeros discípulos em toda a Europa. 

Cornélio Agripa de Nettesheim (1486-1535), filósofo e médico germânico, esclarece bastante bem a complexidade que se depara ao investigador. A sua obra De Oculta Philodophia é uma obra trivial. Mas em De vanitate scientiarum, segue o caminho contrário de Ficino, da ideia que o conhecimento é um meio de o homem se elevar até ao divino. Agripa segue as grandes linhas da Magia Naturalis italiana. Assim, e sejam quais forem os métodos – adivinhação, manchas, astrologia, encantação angélica ou cabalística - a prática mágica proporciona ao mágico o conhecimento e o domínio da natureza no sentido divino. A exemplo de Pitágoras, afirma o poder de uma magia matemática que desemboca no que chamamos ciências – mecânica, óptica, astronomia, geometria, etc., e desenvolve o significado de que se revestem os números, nos planos teológico, cosmológico e moral.

Trithemius recebera Agripa no ano de 1509 e conversara com ele sobre magia e cabala. Filósofo ocultista, adere à ideia da prisca teologia promovida por Ficino e posteriormente desenvolvida por Giordano Bruno. Dá pouca importância à alquimia, e em contrapartida interessa-se pelos textos de Hermes e comenta a Tábua de Esmeralda. O seu pensamento prenuncia a filosofia natural de Paracelso e a teosofia de Jacob Boehme. Influenciado pela aritmosofia pitagórica e cabalística, define assim a magia numa carta de 1506 dirigida ao margrave de Brandeburgo. O seu livro sobre a estenografia só será publicado em 1606, contendo observações relativas às arte da criptografia. O saber ter-lhe-ia sido transmitido por um tal Libanius, também ele aluno de Fernando de Córdoba, que viveu por volta de 1440 e gozou de imenso prestígio pela extensão dos seus conhecimentos e domínio de várias línguas.

Nem tudo na obra de Paracelso interessa ao esoterismo. Paracelso era um polímato, misturando medicina, astrologia, magia, ciências da natureza e até alquimia. Daí decorre toda uma cosmologia, em que o microcosmo humano corresponde ao macrocosmo universal, com várias considerações referentes às essências do mundo, simultaneamente corpo, alma e espírito, funcionando numa espécie de sinergia que a magia alquímica pode abordar. Na época, alquimia e magia eram consideradas ciências.

Shakespeare percorre a filosofia ocultista um pouco dispersa pelas suas várias peças: a personagem de Próspero com a cabala em a Tempestade; a magia e a fantasia no Mercador de Veneza. Dos textos literários podemos extrair lendas e mitos ligados a vários temas, como da Pedra Filosofal e do Graal; da Tábua de Esmeralda ou do Tosão de OuroEm 1429, Filipe o Bom, duque de Borgonha (1396-1467), filho de João-Sem-Medo casa com a filha de D.João I, da dinastia de Avis, rei de Portugal, e de D. Filipa de Lencastre, e irmã do Infnte D. Henrique (Henrique o Navegador). No próprio ano do casamento cria a Ordem do Tosão de Ouro


Ao longo da Idade Média, o Ducado da Borgonha tornou-se uma região economicamente poderosa. Filipe III planeava converter a região num Estado soberano entre a França e o Sacro Império Romano-Germânico, reavendo o território da Lotaríngia. Eventualmente, Filipe III herdou os condados da Flandres e Artois, os ducados de Brabante e Luxemburgo, além dos feudos da Zelândia e Holanda. Assim se tornou um dos mais poderosos senhores feudais de sua época. Em 1422, Filipe III foi agraciado com a Ordem da Jarreteira, por conta dos vínculos políticos de seus reinos para com o Reino de Inglaterra. No entanto, o nobre espanhol recusou a ordem evitando uma indisposição com o monarca francês Carlos VII da Casa de Valois. Foi a partir daqui que decidiu fundar uma ordem de cavalaria própria, a Ordem do Tosão de Ouro, a qual estabeleceria um padrão de fidelidade entre os seus subordinados. Já havia na Espanha, a Ordem da Paixão, que havia sido fundada pelos nobres locais aos moldes da Ordem do Dragão. Contudo, os ideais inspiradores da Ordem do Tosão de Ouro igualmente relacionavam-se à luta contra os Otomanos e a libertação da Terra Santa.

Sem comentários:

Enviar um comentário