domingo, 22 de setembro de 2024

A Era Axial de Karl Jaspers


Há um período da História Universal que para muitos autores é considerado o período mais importante e decisivo da modelação da civilização ocidental. Por assim dizer o período em que se formaram os seus alicerces e pilares. Se bem que para os exegetas bíblicos esse período comece no Êxodo dos Judeus quando saíram do Egito liderados por Moisés e acabe com a morte de Jesus Cristo. Ora, se a morte de Jesus é datada entre o ano 30 e 33 da atual era, o Êxodo do Egito liderado por Moisés, segundo o que está registado no "1 Reis", ocorreu 480 anos antes do rei Salomão construir o primeiro Templo em Jerusalém por volta do ano 1000 a.C.

Karl Jaspers, que sendo alemão e casado com Gertrud Mayer, uma descendente de judeus, e ter sido demitido do seu cargo de professor universitário pelos nazis, seguiu mais de perto a tradição da civilização da Grécia Antiga, valorizando então a obra de Homero para os começos e a revolução helenística do Médio Oriente alargado depois de Alexandre Magno. Assim, esse período que ele considerou axial para a civilização ocidental, que inclusivamente o cunhou com o termo - "Era Axial" - é um período compreendido entre 800 a.C. e 200 a.C. Durante esse período, apesar de relativamente contemporâneos, surgiram avatares de forma independente uns dos outros. Esses avatares foram: Sócrates, Platão e Aristóteles - na Grécia; Isaías e Jeremias no Médio Oriente; o Budismo e o Jainismo na Índia; e Confúcio e Laozi na China. Foram tradições filosóficas e religiosas 
fundamentais em diferentes partes do mundo, e que moldaram o desenvolvimento cultural e espiritual da humanidade.

Jaspers acreditava que essa era marcou um ponto de viragem na consciência humana, onde surgiram novas formas de pensamento crítico e introspectivo, que continuam a influenciar a civilização até hoje. E muitos filósofos hoje, e outros estudiosos contemporâneos, escrevem ensaios de reflexão acerca destes tempos que estamos a atravessar como possíveis tempos de mais um grande ponto de viragem, quer do ponto de vista tecnológico, quer do ponto de vista social em que o espiritual está em crise.

A Era Axial trouxe questionamentos profundos sobre a natureza humana, a ética e a moralidade, temas que são extremamente relevantes num mundo onde enfrentamos crises éticas em áreas como política, tecnologia e meio ambiente. Muitas pessoas sentem uma falta de propósito ou sentido na vida moderna, frequentemente devido ao materialismo e ao individualismo exacerbado. Ora, todas as tradições filosóficas e religiosas da Era Axial ofereciam perspectivas profundas sobre o significado da vida e a busca espiritual. Vivemos em um período de grande polarização política e social. Os ensinamentos de figuras da Era Axial frequentemente enfatizam a compaixão, a empatia e a compreensão mútua, valores que ainda hoje são muito válidos para ajudar a resolver muitos desses conflitos.

Muitas tradições da Era Axial incorporam uma visão de harmonia com a natureza e uma vida sustentável, que são cruciais para enfrentar as atuais crises ambientais. O aumento de problemas de saúde mental nos ocidentais tem despertado um interesse crescente por práticas e toda a parafernália importada aos orientais, desde a Meditação até ao Pilates. Em suma, todos os métodos alternativos aos métodos convencionais da modernidade cartesiana. Dizem que as tradições, como o budismo, o zen e o taoísmo, oferecem recursos valiosos para o bem-estar pessoal. Fontes que fornecem insights e práticas que ajudam a enfrentar os desafios contemporâneos de forma mais equilibrada e reflexiva. Claro, adaptar esses ensinamentos ao contexto moderno é crucial, pois o mundo de hoje é muito diferente daquele da Era Axial. Contudo, a sabedoria atemporal dessas tradições pode servir como uma bússola moral e espiritual em tempos de crise.




Karen Armstrong, uma renomada historiadora das religiões, tem contribuído significativamente para o entendimento de temas complexos e a importância das tradições religiosas. Ela é conhecida por sua capacidade de contextualizar eventos contemporâneos dentro de uma ampla perspectiva histórica e religiosa. Armstrong escreveu extensivamente sobre as grandes religiões do mundo e suas histórias, ajudando a esclarecer como essas tradições se desenvolveram e influenciaram o comportamento humano e as sociedades. Seus livros, como "Uma História de Deus" e "A Grande Transformação", exploram as origens e evoluções das tradições religiosas.

Em "A Grande Transformação", Armstrong discute a Era Axial, examinando figuras como Sócrates, Buda, Confúcio e os profetas hebreus que surgiram em um período relativamente curto e transformaram a espiritualidade e a filosofia de suas culturas. Ela argumenta que os ensinamentos dessa era podem oferecer insights valiosos para os problemas modernos. Armstrong é uma defensora da "Carta pela Compaixão", um movimento global que ela fundou para promover a compreensão mútua e a compaixão entre diferentes culturas e religiões. Ela acredita que a compaixão é uma resposta crucial aos conflitos contemporâneos e às divisões. "Em Nome de Deus", Armstrong analisa o surgimento do fundamentalismo em várias religiões, incluindo o Islão, o Cristianismo e o Judaísmo. Ela argumenta que o fundamentalismo é uma resposta às crises modernas e que o entendimento histórico e empático das religiões pode ajudar a mitigar o seu impacto.

Armstrong tem escrito sobre as complexidades históricas e religiosas do conflito na Faixa de Gaza e no Médio Oriente em geral. Ela enfatiza a necessidade de reconhecer as narrativas e sofrimentos de todas as partes envolvidas para buscar uma resolução pacífica. Abordagem baseada na empatia, no conhecimento histórico e na valorização da compaixão pode oferecer uma perspectiva construtiva para entender e abordar conflitos contemporâneos, incluindo a crise na Faixa de Gaza. Sua obra nos convida a olhar para o passado para encontrar sabedoria e soluções que possam ajudar a construir um futuro mais pacífico.

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