quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O Rigveda


O Rigveda é o mais antigo dos quatro Vedas, que são os textos sagrados da antiga religião védica, precursora do hinduísmo. O Rigveda é uma coleção de hinos em sânscrito, composta entre 1500 e 1000 a.C., e é considerado um dos textos religiosos mais antigos do mundo.

O Rigveda, ao contrário do que se pensava, não é exatamente um "poema que inicia o ethos heróico dos Arianos". Embora contenha hinos que celebram deuses, guerreiros e líderes, o foco principal do Rigveda é o culto aos deuses (como Indra, Agni, Varuna), a realização de rituais, e a cosmologia, além de reflexões filosóficas e espirituais. Há certamente hinos que exaltam as qualidades dos guerreiros, especialmente dos kshatriyas (a casta dos guerreiros e governantes), mas o texto não se restringe a glorificar um ethos heróico.

O período védico, que abrange tanto a composição do Rigveda como os outros Vedas, é anterior ao período védico tardio. No período védico tardio, que começa por volta de 1000 a.C., a sociedade indiana se torna mais complexa, e o sistema de castas, incluindo a supremacia dos kshatriyas, se torna mais claramente delineado. O Rigveda tem elementos que exaltam os guerreiros kshatriyas, mas ele não se limita a isso e também não deve ser visto como um texto exclusivamente dedicado à formação de um ethos heróico. Ele é muito mais amplo em sua abrangência, cobrindo uma vasta gama de aspectos religiosos, sociais e culturais da antiga civilização indo-ariana. É importante esclarecer alguns pontos sobre o hino a Purusha e o papel dos rishis (sábios ou videntes) no desenvolvimento da religião védica.

O hino a Purusha, ou Purusha Sukta - é um dos hinos mais famosos do Rigveda (Rigveda 10.90). Esse hino descreve o sacrifício cósmico do gigante primordial Purusha, de cujo corpo surgem as quatro varnas (as principais divisões sociais): os brâmanes (sacerdotes), kshatriyas (guerreiros), vaishyas (comerciantes e agricultores) e shudras (trabalhadores e servos). Esse hino é significativo porque oferece uma explicação mítica para a origem da sociedade e da ordem cósmica, fundamentando a hierarquia social que se tornaria uma parte essencial da cultura indiana. No entanto, o Purusha Sukta provavelmente foi composto por volta de 1000 a.C. ou um pouco depois. Este hino reflete uma visão religiosa que já se estava formando, mas que ainda se desenvolveria muito mais nos séculos seguintes.

O papel dos rishis na composição dos hinos védicos é essencial. Eles eram considerados videntes que "ouviam" os hinos divinamente revelados e os transmitiam oralmente. Entretanto, o hino a Purusha não é sobre um rishi meditando sobre a história dos arianos, mas sim um hino de caráter cosmológico e social que reflete as crenças e práticas religiosas do período védico.

O Rigveda descreve uma cultura móvel de um povo nómada, com carroças movidas a cavalo e armas de metal (bronze). A geografia descrita é consistente com a do Punjabe (Gandara): Rios fluem de norte a sul, as montanhas são relativamente remotas, mas ainda alcançáveis.

Contudo, os hinos foram certamente compostos em um longo período, com os mais antigos elementos possivelmente alcançando os tempos indo-iranianos, ou o segundo milénio a.C. Existe algum debate sobre se ostentações da destruição de fortes de pedra por arianos védicos e particularmente por Indra referem-se a cidades da civilização do Vale do Indo ou se eles se reportam a embates entre os primitivos Indo-Arianos e a cultura Complexo Arqueológico Bactria-Margiana ocorrida séculos mais tarde, no que é agora o norte do Afeganistão e o sul do Turquemenistão (separado do alto Indo pela cadeia montanhosa Indo cuche, e uns 400 km de distância).

Não existe menção de tigres ou de arroz no Rigveda (em oposição aos Vedas posteriores), sugerindo que a cultura védica somente penetrou nas planícies da Índia após ser completado. Similarmente, assume-se que não existe menção ao ferro. A Idade do Ferro no norte da Índia começa no século XII a.C. com a cultura Black and Red Ware (BRW). A composição dos Vedas mais recentes provavelmente coincide com o reino Kuru, mudando o centro da cultura védica de Punjab para o que é agora Utar Pradexe.


A partir de 900 a.C. há uma evolução na maneira como a religião védica é praticada e pensada, eventualmente levando ao desenvolvimento dos Upanishads e de outras filosofias que questionavam e expandiam a espiritualidade védica. No entanto, essa mudança foi gradual e não pode ser atribuída a um único hino ou rishi, mas sim a uma confluência de influências filosóficas, religiosas e culturais ao longo do tempo.

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