sábado, 7 de setembro de 2024

Contexto Histórico da Síria



Hafez al-Assad assumiu o poder na Síria em 1970 após um período de intensa instabilidade política e conflito interno. A ascensão de Assad ao poder marcou o início de uma longa ditadura que durou até à  sua morte em 2000, com o poder sendo posteriormente transmitido ao seu filho, Bashar al-Assad o qual ainda hoje detém o poder.

A Síria conquistou a independência da França em 1946, mas os primeiros anos como nação independente foram marcados por grande instabilidade política. Houve uma série de golpes militares e mudanças de governo, com vários líderes tentando consolidar o poder em meio a uma luta entre ideologias seculares e islamistas, bem como entre diferentes facções políticas e militares. Em 1963, o Partido Ba'ath, uma organização política secular e socialista com raízes panárabes, assumiu o poder na Síria através de um golpe militar. No entanto, mesmo dentro do Partido Ba'ath, havia divisões internas profundas entre várias facções, o que resultou em mais lutas pelo poder. Entre 1963 e 1970, a Síria foi marcada por uma série de conflitos internos entre diferentes facções do Partido Ba'ath, bem como entre o governo e grupos opositores, incluindo a Irmandade Muçulmana, que tinha uma forte presença no país e se opunha à visão secular do Ba'ath.

Hafez al-Assad, que era ministro da Defesa durante a Guerra dos Seis Dias em 1967, desempenhou um papel central no golpe de 1970, conhecido como Movimento Corretivo. Este golpe foi um ajuste dentro do próprio Partido Ba'ath, onde Assad, representando a ala mais pragmática e militarista, conseguiu derrubar o então líder Salah Jadid, que pertencia a uma facção mais radical e ideológica do Ba'ath. Após o golpe, Hafez al-Assad tornou-se primeiro-ministro e, em seguida, presidente da Síria em 1971. Ele rapidamente consolidou o poder, centralizando a autoridade e estabelecendo um regime autoritário. O seu governo foi caracterizado por um forte dispositivo de segurança e repressão brutal contra a oposição.


Hafez al-Assad com Arafat

A Irmandade Muçulmana, que se opunha fortemente ao regime secular de Assad, tornou-se o principal foco da repressão. A oposição islâmica aumentou durante a década de 1970, culminando em uma insurreição armada na cidade de Hama em 1982. Assad respondeu com extrema violência, ordenando um cerco e bombardeamento da cidade, que resultou na morte de milhares de pessoas. Este evento, conhecido como o Massacre de Hama, foi um ponto decisivo na repressão da oposição islamista na Síria.

Hafez al-Assad estabeleceu um estado altamente centralizado e autoritário. Ele usou a combinação de repressão, cooptando elites, e controlando as forças armadas e serviços de segurança para manter seu poder. Assad também promoveu uma política de estabilidade e ordem interna, muitas vezes à custa de direitos humanos e liberdades políticas. No cenário internacional, Assad alinhou-se com a União Soviética durante a Guerra Fria, recebendo apoio militar e económico, o que fortaleceu ainda mais o regime. Ele também envolveu a Síria em vários conflitos regionais, incluindo a Guerra do Líbano.

Hafez al-Assad governou a Síria com mão de ferro por três décadas, deixando um legado de estabilidade autoritária, mas também de repressão brutal e falta de liberdade política. Quando ele morreu em 2000, o filho, Bashar al-Assad, assumiu o poder, continuando o regime autoritário da família Assad até aos dias de hoje. A liderança de Hafez al-Assad é frequentemente vista como um período de "estabilidade pela força", onde a unidade do país foi mantida através da repressão, mas também como uma época de profundas divisões internas e sofrimento para aqueles que se opunham ao seu governo. As tensões com a Irmandade Muçulmana agravaram-se significativamente devido, entre outros fatores, ao privilégio e crescente influência dos alauítas, a minoria religiosa à qual Assad pertencia.


Bashar al-Assad com Vladimir Putin


Os alauítas são uma minoria religiosa xiita que compõe cerca de 12% da população síria, comunidade marginalizada e desfavorecida na Síria que é maioritariamente sunita. No entanto, com a ascensão de Hafez al-Assad a situação dos alauítas mudou drasticamente. Assad, um alauíta, promoveu muitos membros de sua comunidade a posições de poder dentro do governo, das forças armadas e dos serviços de segurança. A Irmandade Muçulmana, predominantemente sunita, via a ascensão dos alauítas ao poder com grande desconfiança e ressentimento. Para muitos sunitas na Síria, os alauítas eram vistos como heréticos devido às suas crenças religiosas que diferem significativamente do Islão sunita ortodoxo. A Irmandade, que defendia um governo baseado na lei islâmica sunita, via o domínio alauíta como uma afronta à sua visão de uma Síria muçulmana tradicional. O governo de Assad adotou políticas seculares que iam contra a visão da Irmandade Muçulmana de uma sociedade governada pela Sharia. A marginalização da religião na esfera pública sob o regime de Assad foi um ponto de conflito contínuo. Um dos episódios mais significativos foi a insurreição em Hama em 1982, onde a Irmandade Muçulmana liderou uma rebelião contra o regime. Em resposta, Hafez al-Assad ordenou uma repressão brutal, que resultou no Massacre de Hama, com a morte de milhares de pessoas e a destruição de grande parte da cidade.

Em 1979, militantes islamistas, associados à Irmandade Muçulmana na Síria, realizaram um ataque brutal contra a Academia Militar de Alepo, resultando na morte de 83 cadetes alauítas. Este ataque foi um dos eventos mais significativos na escalada do conflito entre a Irmandade Muçulmana e o regime de Hafez al-Assad. A tensão entre os islamistas sunitas e o governo alauíta estava em alta, que culminou numa série de atos de violência e assassinatos seletivos. Em 16 de junho de 1979, um oficial da Irmandade Muçulmana infiltrado na Academia Militar de Alepo, junto com cúmplices, abriu fogo contra os cadetes alauítas enquanto eles dormiam em seus dormitórios. O ataque foi cuidadosamente planeado e teve como alvo específico os cadetes pertencentes à comunidade alauíta, resultando na morte de 83 deles. O massacre de Alepo marcou um ponto de viragem na resposta do governo de Assad à insurgência islamista. O regime já estava em guerra com a Irmandade Muçulmana, mas após o ataque, intensificou ainda mais as suas ações repressivas. As forças de segurança responderam com uma repressão feroz, que incluiu prisões em massa, tortura e execuções sumárias de suspeitos de envolvimento com a Irmandade Muçulmana.

Entre 1979 e 1982, a Síria foi palco de uma série de atentados perpetrados pela Irmandade Muçulmana. Estes incluíam bombardeios, ataques a instalações militares e assassinatos de altos funcionários do governo. A violência levou o governo de Assad a tomar medidas drásticas para eliminar a ameaça representada pela Irmandade. Hama, uma cidade com forte presença da Irmandade Muçulmana e um centro de oposição ao governo, tornou-se o foco de uma revolta contra o regime de Assad no início de 1982. Em fevereiro desse ano, a Irmandade Muçulmana lançou uma insurreição armada na cidade, assumindo o controlo de várias áreas e matando membros das forças de segurança. A resposta do governo foi brutal e decisiva. Hafez al-Assad ordenou uma repressão massiva, enviando o exército sírio, incluindo unidades da força aérea e artilharia pesada, para esmagar a revolta. Durante o ataque, as forças governamentais cercaram Hama e realizaram bombardeios intensos, seguidos por uma operação terrestre que resultou em um grande número de mortos.

Após o massacre, a Irmandade Muçulmana foi praticamente destruída como uma força organizada dentro da Síria. A repressão em Hama marcou o fim efetivo da insurgência islamista no país por muitos anos. A Irmandade foi banida, e a afiliação ao grupo passou a ser punida com a morte. O massacre de Hama reforçou o controlo de Hafez al-Assad sobre a Síria, enviando uma mensagem clara de que qualquer oposição seria esmagada sem piedade. Este evento consolidou o regime de Assad como um dos mais autoritários e repressivos do Médio Oriente. O massacre de Hama deixou cicatrizes profundas na sociedade síria, alimentando ressentimentos que, décadas depois, contribuiriam para a eclosão da guerra civil síria em 2011. A brutalidade da repressão em Hama tornou-se um símbolo da disposição do regime Assad de usar força extrema para manter o poder.

Na mesma época [1975-1990] em que a Irmandade Muçulmana era reprimida de forma brutal na Síria, o Líbano estava passando pelo levantamento de grupos islâmicos com atentados que iriam dar lugar a um período de guerra de incomensurável mortandade: a Guerra Civil Libanesa.

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