terça-feira, 3 de setembro de 2024

Seria excessivo supor que o homo sapiens africano eliminou todos os outros hominídeos de forma violenta


A extinção de outras espécies de hominídeos, como os Neandertais e os Denisovanos, provavelmente ocorreu devido a uma combinação de fatores, incluindo competição por recursos, mudanças climáticas e talvez uma assimilação genética através de cruzamentos entre as espécies. Além disso, há evidências de que os homo sapiens e os Neandertais, por exemplo, coexistiram em algumas regiões por milhares de anos, o que sugere uma convivência complexa e não necessariamente um confronto direto e violento. A violência pode ter sido uma parte das interações, mas seria simplista atribuir a extinção de outras espécies de hominídeos unicamente a isso.

Concordo que não é necessário seguir uma linha de correção política relativista, como a associada a Franz Boas, para reconhecer a complexidade das interações entre o homo sapiens e outras espécies de hominídeos. Da mesma forma, não há necessidade de nos opormos à teoria evolucionista. A teoria da evolução darwinista fornece uma estrutura poderosa para entender a história da humanidade e a relação entre diferentes espécies de hominídeos. Dentro desse quadro, é possível reconhecer que a extinção de outras espécies pode ter envolvido uma variedade de fatores, sem necessariamente atribuir a culpa a um comportamento predatório ou violento por parte do homo sapiens.

É importante abordar estas questões com uma perspectiva equilibrada, que leve em conta as evidências disponíveis e que não imponha visões ideológicas, seja do relativismo cultural ou de qualquer outra corrente. A ciência deve buscar compreender a realidade de forma objetiva, sem distorções ideológicas. Os nossos antepassados pré-históricos, especialmente durante o Paleolítico, tinham organizações sociais baseadas em pequenos grupos de parentesco, como bandos e, eventualmente, tribos. Essas sociedades eram relativamente igualitárias em termos de distribuição de recursos e poder, pois a sobrevivência dependia da cooperação dentro do grupo.

O bando, geralmente formado por algumas dezenas de indivíduos, era a unidade social básica. A vida nómada de caça e colheita tornava difícil a formação de estruturas sociais mais complexas. A organização social era determinada pela necessidade de compartilhar recursos, tomar decisões coletivas e manter a coesão do grupo. A tribo, que geralmente é formada a partir da união de vários bandos, já representava uma forma ligeiramente mais complexa de organização, mas ainda muito baseada em laços de parentesco. As tribos poderiam ter centenas de membros, mas mantinham a coesão através de tradições culturais e redes de parentesco.

Portanto, é provável que durante a maior parte da pré-história, as sociedades humanas não tenham ultrapassado essas formas de organização social simples e baseadas em parentesco. Foi apenas com a transição para a agricultura e o estabelecimento de assentamentos permanentes que surgiram estruturas sociais mais complexas, como aldeias e cidades, eventualmente levando ao desenvolvimento de hierarquias e desigualdades sociais mais pronunciadas.

Apesar de as organizações em bando se formarem a partir de famílias nucleares, eram tipicamente exógamas e patrilocais. Embora os bandos pré-históricos se formassem a partir de famílias nucleares, eles geralmente eram exógamos e patrilocais, refletindo práticas sociais que ajudavam a fortalecer laços entre diferentes grupos e a manter a coesão social. A exogamia quer dizer que é a prática de buscar parceiros fora do próprio grupo familiar ou bando que garantia a produção da prole para a perpetuação da família. Ela é o oposto da endogamia (casamento dentro do mesmo grupo). Provavelmente de forma intuitiva, portanto uma pulsão inata, tal comportamento percebe-se na medida em que sabemos que a endogamia é a forma de potenciar mais anomalias genéticas. É na diluição das taras genéticas, através da diversidade, que se atenuam as idiossincrasias. 

É muito provável que a rejeição da endogamia tenha raízes em mecanismos instintivos de natureza biológica. Em muitas espécies, incluindo os seres humanos, há evidências de que a seleção natural favoreceu comportamentos que evitam a endogamia devido aos riscos associados a ela, como a depressão endogâmica, que ocorre quando há um aumento da probabilidade de transmissão de genes recessivos prejudiciais dentro de populações fechadas. Além disso, a exogamia permitia que diferentes bandos ou tribos criassem alianças e redes de apoio, o que era crucial para a sobrevivência em ambientes muitas vezes hostis ou adversos.

A patrilocalidade é o termo científico para descrever que quem se move é a mulher, ou seja, após o casamento quem se muda é a mulher, indo viver com a família do marido. Isso significava que os homens permaneciam no bando de seus pais, enquanto as mulheres se integravam num novo grupo. Essa prática ajudava a fortalecer as ligações entre diferentes bandos e facilitava a cooperação entre eles. Essas práticas sociais não eram universais, mas eram bastante difundidas entre grupos de caçadores coletores, e provavelmente terá desempenhado um papel importante na estruturação das sociedades pré-históricas que se manteve na maioria dos casos até aos nossos dias. Elas contribuíram para a troca de recursos, informações e alianças políticas, sendo fundamentais para a sobrevivência e a adaptação a diferentes ambientes.

Muitos estudos mostram que tanto humanos quanto outros animais tendem a evitar acasalamentos com parentes próximos, mesmo quando criados juntos. Em humanos, isso é conhecido como "efeito Westermarck", que sugere que a convivência próxima durante a infância reduz a atração sexual entre indivíduos, funcionando como um mecanismo inconsciente de prevenção da endogamia. Existem indícios de que os seres humanos podem ter uma preferência instintiva por parceiros geneticamente diferentes. Isso é observado, por exemplo, na atração por sinais de diversidade genética, como o odor corporal, que pode refletir diferenças no complexo principal de histocompatibilidade (MHC), um conjunto de genes relacionados ao sistema imunológico. Casais com maior diversidade de MHC tendem a ter filhos com sistemas imunológicos mais robustos.

A longo prazo, as populações que evitam a endogamia têm maior variabilidade genética, o que aumenta a capacidade de adaptação a novas pressões ambientais e doenças. A exogamia, ao promover a mistura entre diferentes grupos, melhora a sobrevivência da espécie ao longo de gerações. Esses mecanismos biológicos de evitação da endogamia provavelmente coexistiram com normas culturais que reforçavam a exogamia, demonstrando a interligação entre biologia e cultura na evolução das práticas sociais humanas. Muitas vezes as condições ecológicas e culturais (espirituais) complementam os ditames das leis biológicas

As pressões do ambiente natural, como a disponibilidade de recursos, o clima e a presença de outros grupos, moldam os comportamentos humanos de forma significativa. Por exemplo, em ambientes onde os recursos são escassos, a cooperação entre grupos por meio de exogamia pode ser essencial para a sobrevivência. A necessidade de alianças e redes de apoio para garantir o acesso a diferentes recursos pode ter incentivado práticas sociais que promovem a troca entre grupos, como a exogamia e o estabelecimento de relações comerciais e matrimoniais. As normas culturais e as crenças espirituais também desempenham um papel crucial na modulação dos comportamentos sociais. Muitas culturas desenvolveram mitos, tabus e regras morais que desencorajam a endogamia e incentivam a exogamia. Esses sistemas de crenças podem ser vistos como extensões culturais dos mecanismos biológicos, ajudando a garantir que os comportamentos benéficos para a sobrevivência e a coesão social sejam mantidos e transmitidos de geração em geração.

Por exemplo, em muitas sociedades tradicionais, a exogamia é reforçada por normas culturais que proíbem o casamento entre parentes próximos e promovem a formação de alianças entre clãs ou tribos diferentes. Essas práticas não apenas evitam os problemas associados à endogamia, mas também fortalecem a coesão social e a integração entre grupos, criando redes de apoio que são fundamentais em contextos ecológicos desafiadores. Assim, a biologia fornece a base instintiva para certos comportamentos, enquanto as condições ecológicas e as normas culturais (incluindo as espirituais) atuam para moldar e orientar esses comportamentos de maneiras que são adaptativas para a sobrevivência e o bem-estar social. Essa interação entre biologia, ecologia e cultura é um dos principais fatores que moldaram a evolução social humana, permitindo que os nossos antepassados se adaptassem a uma vasta gama de ambientes e circunstâncias.

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