quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O efeito dos resultados eleitorais nos estados da Turíngia e Saxónia



A extrema-direita ficou pouco aquém da CDU na Saxónia e conquistou o primeiro lugar na Turíngia. Estes resultados só vêm reforçar a ideia de que a vaga de nacionalismo identitário que tem conquistado terreno no país, na Europa e no resto do mundo, está para ficar.

O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) conquistou a sua primeira grande vitória eleitoral, ficando em primeiro lugar na Turíngia, com cerca de 32,8% dos votos, e em segundo na Saxónia, com 30,6%. É a primeira vez desde a II Guerra Mundial que um partido de extrema-direita fica em primeiro lugar em eleições na Alemanha. Mas houve também um fenómeno novo: é a subida de um segundo partido populista, uma aliança com o nome da sua fundadora, que ficou em terceiro lugar nos dois estados e que representa uma oitava modalidade de populismo – um partido que, economicamente, bebe influência na ideologia socialista, mas que em questões como a imigração se aproxima do populismo cultural-identitário da AfD, que é não apenas nacionalista, mas até nativista.

O populismo não é uma só ideologia. Aliança Sahra Wagenknecht - Pela Razão e Justiça (BSW) – é um partido de extrema-esquerda fundado em janeiro de 2024 por uma autodenominada “conservadora de esquerda”, após ter abandonado o Die Linke (partido A Esquerda). É uma curiosidade por causa dos pontos que a aproximam e que a afastam da extrema-direita AfD. Autoproclamada "conservadora de esquerda", Sahra Wagenknecht dá a cara e o nome pela jovem aliança de extrema-esquerda que está a léguas da AfD em termos económicos, mas totalmente alinhada com a extrema-direita na postura nacionalista e anti-imigração.

A vitória da AfD em particular surge revestida de uma simbologia impossível de ignorar. A ida às urnas nos dois estados do Leste, ambos sob domínio da União Soviética durante a Guerra Fria até à queda do Muro de Berlim na viragem para os anos 1990, aconteceu precisamente 85 anos depois de a Alemanha Nazi ter invadido a Polónia a 1 de setembro de 1939, data que marca o início da II Guerra Mundial. E a Turíngia tem especial importância nesse período da História, no contexto da ascensão do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) de Adolf Hitler. Este simbolismo é ainda pior se se considerar que foi na Turíngia que os nazis integraram pela primeira vez um governo alemão, em 1930, e ganharam as suas primeiras eleições estatais em 1932.

A cidade de Erfurt é a capital do estado da Turíngia, onde Goethe e Schiller trabalharam. E Weimar é outra cidade da Turíngia, historicamente também simbólica como toda a gente sabe. Após as eleições de dezembro de 1929, o próprio Hitler deslocou-se à Turíngia para orientar as negociações para a formação de um governo com as forças conservadoras, garantindo a nomeação de Frick – que, entre 1933 e 1934, viria a ser ministro do Interior do Reich, em Berlim, e que, após a II Guerra, foi julgado no Tribunal de Nuremberga e executado em 1946. Quase um século depois das eleições de 1929, é improvável que os conservadores da União Democrata-Cristã (CDU) – que ficaram em primeiro lugar na Saxónia e em segundo na Turíngia – formem coligação com a AfD, o que deixa muitas possibilidades em aberto no que toca à governação nos dois estados.


Em maio deste ano, Björn Hockë, cabeça-de-lista da AfD na Turíngia, foi condenado em tribunal pelo uso da expressão proibida “Alles Für Deutschland”, que remonta à era nazi. A aproximação da AfD à Rússia, e o facto de culpar a NATO e o Ocidente pela guerra em curso na Ucrânia, são um sintoma desta doença de que está a sofrer a Europa. Para agravar, o Deutsche Welle define-se como "um partido populista que combina políticas económicas de esquerda com iniciativas conservadoras em matéria de migrações e de política externa pró-russa". A acompanhar a vitória dos dois extremos que se tocam veio a derrota catastrófica para o SPD, o maior partido da coligação de Scholz, acompanhada de derrotas igualmente duras para os outros dois partidos do atual governo alemão.

O impacto prático dos resultados fora destes estados será limitado, já que é improvável que a AfD integre o governo, mas vai muito provavelmente influenciar e mover o discurso político mais para a direita, porque outros partidos assustados com o sucesso da AfD tentam ser mais duros quanto à imigração. O problema vem a seguir, nas eleições para o Bundestag, porque aí é muito previsível que o SPD volte a ser muito penalizado, que a coligação no poder perca muita capacidade também, mas simultaneamente é crível que a AfD vá subir muito. Ao longo dos últimos 10 anos a AfD foi-se movendo para a direita e conquistando ganhos não apenas na Alemanha de Leste.

A principal questão que se coloca é se a AfD pode formar uma coligação com o partido de extrema-esquerda, Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), ou com a CDU, que já excluiu a possibilidade de colaboração com um partido de extrema-direita. Isto significa que a CDU, como segundo partido mais forte, tem de formar uma nova aliança com Sahra Wagenknecht (BSW) e precisará também do SPD. E mesmo que estes três se juntem, o que já é invulgar, não haverá uma maioria estável, porque só têm 44 votos, mas precisam de 45.

Na Saxónia, a CDU tem de formar uma aliança com o BSW porque os anteriores parceiros de coligação não são suficientes. Embora a AfD não possa formar uma coligação, “a sua principal influência reside na promoção de determinados temas que diferem da posição do governo federal e que podem pressionar os partidos no poder. Mesmo a AfD, da oposição, pode criar mudanças políticas sem estar diretamente no governo. Isto é semelhante ao que acontecia com os Verdes há duas décadas. Não estiveram no governo durante quase 20 anos, mas a sua constante atenção às questões ambientais obrigou os outros partidos a adotar políticas verdes para recuperar votos.


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