quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Não é fácil saber a fundo o Médio Oriente

 


O Médio Oriente é muito confuso quando queremos saber quem apoia quem, quem são os inimigos, as fações de conveniência, as famílias árabes. Por exemplo, quem foi Abdul-Aziz Al Saud [1875 – 1953], também conhecido como Ibn Saud? Ele foi o fundador e primeiro rei da Arábia Saudita, uma figura central na história moderna do Médio Oriente, responsável pela unificação das várias tribos e regiões da Península Arábica no início do século XX, estabelecendo o Reino da Arábia Saudita em 1932.

Abdul-Aziz Al Saud pertencia à dinastia Al Saud, que teve várias fases de poder e declínio antes de sua ascensão. A família Saud já havia governado partes da Arábia no século XVIII e XIX, mas havia sido expulsa pelos rivais. Abdul-Aziz conseguiu unificar a região do Négede (sua terra natal) com o Hejaz (onde ficam as cidades sagradas de Meca e Medina) e outras áreas adjacentes, consolidando um reino vasto e rico em petróleo. 

O Négede, literalmente "serra", "terra alta", é a região central da Península Arábica. Corresponde a um planalto com elevações entre 762 e 1525 m acima do nível do mar. A porção oriental da região é habitada por beduínos. A cidade mais importante da região do Négede é Riade, capital da Arábia Saudita.


Região do Négede

Abdul-Aziz Al Saud construiu a sua base de poder em torno de alianças com tribos locais e, decididamente, com a seita ultraconservadora do islamismo wahhabita. Essa aliança entre a família Saud e os wahhabitas continua bem consolidada na Arábia Saudita de hoje. Durante e após a Primeira Guerra Mundial, Abdul-Aziz manteve relações pragmáticas com o Império Britânico. Embora a Grã-Bretanha inicialmente apoiasse a família Hashemita, seus rivais em Meca, Abdul-Aziz acabou por obter apoio e reconhecimento britânico em troca de garantia da estabilidade na região e o acesso ao petróleo. 



Hussein bin Ali al-Hashimi, 1917

Segundo a Casa Real da Jordânia, Hashem (Hashim ibn Abd Manaf), avô do profeta Maomé, é o grande ancestral dos Hashemitas, que posteriormente viriam a dar origem a uma dinastia de líderes na região do Hejaz, na costa do mar Vermelho. Ali bin Hussein bin Ali al-Hashimi [1879 – 1935], foi rei do Hejaz e Grande Sharif de Meca de outubro de 1924 até ser deposto por Ibn Saud em dezembro de 1925. Ele era o filho mais velho do rei Hussein bin Ali. Com a passagem da realeza do seu pai, ele também se tornou o herdeiro do título de califa, mas não adotou o cargo e o estilo de califa.



Abdul-Aziz Al Saud teve muitos filhos, e sua linhagem continua a governar a Arábia Saudita. A crise financeira, causada pelos gastos extravagantes de Saud, levou a tensões com seu meio-irmão, o príncipe herdeiro Faiçal [1906-1975]. Isso culminou numa transferência pacífica de poder em 1964, quando Faiçal foi apoiado pela família real e pelos líderes religiosos para depor Saud, estabelecendo um precedente importante de transição sem violência. Faiçal é amplamente reconhecido como um dos monarcas mais habilidosos da Arábia Saudita. Assim, o seu reinado durou de 1964 a 1975.

Faiçal conseguiu equilibrar as pressões internas e externas de maneira eficaz. Internamente, ele modernizou a economia, construiu a infraestrutura e consolidou o Estado saudita. Ele fortaleceu a posição da Arábia Saudita no mundo árabe, especialmente durante o embargo do petróleo de 1973, que aumentou a influência saudita no cenário global. Apesar de ter sido assassinado em 1975 por um sobrinho, a sucessão para o seu meio-irmão, o rei Khalid, ocorreu de maneira pacífica e ordenada, refletindo a capacidade da família real manter o controlo.



Faiçal

O Rei Khalid (1975–1982) foi uma figura mais passiva em termos de política interna, mas ele teve sucesso em manter a estabilidade e continuidade do governo saudita. Ele manteve a aliança fundamental entre a família Saud e os líderes religiosos wahhabitas. Durante o seu reinado, ocorreram eventos importantes como a ocupação da Grande Mesquita de Meca por extremistas islâmicos em 1979, que abalou o reino. A crise foi resolvida, e Khalid, juntamente com outros líderes, conseguiu preservar a legitimidade do regime. Sua morte em 1982 levou à ascensão pacífica de Fahd, seu meio-irmão.

O Rei Fahd, que reinou entre 1982 e 2005, é lembrado por promover a modernização do reino e por fortalecer laços com o Ocidente, particularmente com os Estados Unidos. Ele adotou o título de Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, reforçando a importância da Arábia Saudita no mundo islâmico. O seu reinado viu a Guerra do Golfo de 1991, quando a Arábia Saudita permitiu que tropas americanas se estacionassem no país para repelir a invasão iraquiana do Kuwait. Isso provocou críticas de setores islamitas radicais, mas Fahd conseguiu manter o controlo. Nos últimos anos de seu reinado, devido a problemas de saúde, Fahd transferiu muitas de suas competências para seu meio-irmão Abdullah, preparando uma sucessão suave e sem conflitos.

O Rei Abdullah, que reinou de 2005 a 2015, embora conservador, introduziu reformas importantes no sistema económico e social saudita, tentando equilibrar a modernização com as expectativas tradicionais. Ele foi responsável por iniciativas como a criação da Universidade Rei Abdullah de Ciência e Tecnologia (KAUST) e algumas reformas limitadas em áreas como a educação e o papel das mulheres na sociedade. Durante a Primavera Árabe (2011), Abdullah conseguiu manter a Arábia Saudita estável ao lançar um grande pacote de subsídios e benefícios económicos para acalmar possíveis descontentamentos internos. Após a sua morte em 2015, a transição para Salman ocorreu de maneira tranquila, refletindo a eficácia do sistema de sucessão saudita.

A estabilidade da Arábia tem sido bem gerida com estratégias que se prendem com a sucessão e com alianças com os líderes religiosos Wahhabitas. Desde o reinado de Abdul-Aziz, a família Saud tem mantido uma aliança estratégica com os líderes religiosos wahhabitas, que dão legitimidade ao regime em troca de manter uma política interna conservadora. Isso ajudou a neutralizar muitos desafios de legitimidade religiosa. A Arábia Saudita estabeleceu uma tradição de compartilhar poder entre diferentes ramos da família Al Saud, mantendo um equilíbrio entre os filhos de Abdul-Aziz e seus descendentes. Isso foi fundamental para evitar conflitos internos significativos. Por outro lado, a abundância de recursos petrolíferos tem permitido que os monarcas sauditas comprem lealdades internas e externas, assegurando o apoio das tribos, elites políticas e militares, além de oferecer benefícios à população, especialmente durante as crises. Os monarcas sauditas sempre foram cuidadosos em manter boas relações com potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos, enquanto vão tentando ao mesmo tempo não antagonizar demais os vizinhos regionais.



Salman bin Abdulaziz

Em suma, o atual rei da Arábia - Salman bin Abdulaziz, e o príncipe herdeiro - Mohammed bin Salman, são descendentes diretos da primeira figura que entrou neste pequeno ensaio - Abdul-Aziz. Como se pode ver, a sucessão neste reino da Arábia tem sido decidida sempre dentro desta extensa família - família Al Saud - não destituída, contudo, de uma perspicaz habilidade no meio de uma série de príncipes todos eles sedentos de fortuna e influência política. Daí que não seja fácil para qualquer um decifrar esta malha de famílias e tribos em pleno Médio Oriente século XXI. Em parte porque as alianças são fluidas, e muitas vezes baseadas em interesses de curto prazo, cujos termos escapam ao entendimento de gente de fora. Sejam eles termos de uma cultura ancestral muito anterior a Maomé, sejam os termos de dissidências religiosas numa religião que ao fim e ao cabo já leva 15 séculos de existência. E já me estava a esquecer do petróleo. Por isso, já a fundação do reino por Abdul-Aziz refletia essas complexidades, com acordos pragmáticos e alianças mutáveis tanto internas como externas.



Mohammed bin Salman

Recapitulando, Salman bin Abdulaziz Al Saud é o atual rei da Arábia Saudita, desde 2015, guardião dos Lugares Santos e chefe da Casa de Saud. Foi vice-governador de Riade e mais tarde, governador de Riade, de 1963 a 2011. Foi então nomeado ministro da Defesa. Ele também foi nomeado príncipe herdeiro em 2012, após a morte de seu irmão Nayef bin Abdulaziz. Salman sucedeu a seu meio-irmão, Abdullah. Suas principais iniciativas como rei incluem a intervenção saudita na Guerra Civil do Iémen. Um decreto de 2017 permite que as mulheres sauditas conduzam automóveis. Seu filho, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, é considerado o governante de facto da Arábia Saudita, e liderou muitas reformas no país, além de se ter envolvido em várias controvérsias, incluindo a prisão de membros da família real saudita, em 2017, e o assassinato de Jamal Khashoggi.

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