sábado, 21 de setembro de 2024

A força como instrumento para a Paz


Em 1983, o tenente-coronel soviético Stanislav Petrov desempenhou um papel crucial em um incidente que poderia ter levado a uma guerra nuclear. Petrov estava de turno no centro de alerta de mísseis soviético em 26 de setembro quando o sistema de alerta detectou o lançamento de mísseis intercontinentais dos Estados Unidos. O sistema indicava que vários mísseis estavam em rota para a União Soviética, o que deveria ter sido tratado como um ataque iminente.

Petrov, no entanto, suspeitou que o alerta era um falso positivo, pois considerou que um ataque verdadeiro provavelmente envolveria um número maior de mísseis, e o sistema de alerta não parecia confiável. Ele decidiu não relatar o incidente às autoridades superiores, o que poderia ter levado a uma resposta militar soviética e potencialmente a uma guerra nuclear.

Mais tarde, descobriu-se que o alerta foi causado por um erro no sistema de detecção de mísseis, que confundiu a luz solar refletida em nuvens com um ataque real. O momento da decisão de Petrov, de não agir precipitadamente, é creditada como o momento mais decisivo da história que esteve na iminência de um conflito nuclear, mas que foi evitado por um julgamento que foi de uma sensatez a toda a prova numa situação crítica de alta pressão.
A força deve ser sempre usada com cautela, embora se saiba que a paz, para ser alcançada depois de ter sido quebrada, dificilmente é reposta sem o uso da força. Isso não significa que também seja preciso o diálogo, e um árduo trabalho de negociações. Se a Europa se não tivesse desarmado nas últimas décadas, talvez Putin não ousasse fazer o que está a fazer na Ucrânia. O desarmamento relativo da Europa nas últimas décadas, em comparação com o período da Guerra Fria, é frequentemente citado como um fator que pode ter encorajado líderes como Vladimir Putin a tomar ações agressivas, como a recente invasão da Ucrânia em 2022, já depois de ter ocupado a Crimeia em 2014. A diminuição dos gastos militares e a redução das forças armadas em muitos países europeus são vistas por alguns como sinais de fraqueza ou falta de preparação, o que poderia ter contribuído para a percepção de que a Europa estava menos disposta ou capaz de responder a ameaças militares.

Durante décadas, muitos países europeus reduziram os seus orçamentos de defesa, focando-se em prioridades internas e sociais. Essa redução foi vista por alguns como um sinal de que a Europa não estava mais disposta a se envolver em conflitos armados. E isso naturalmente terá potenciado a vontade do poder no Kremlin testar que limites os europeus lhe podiam impor. 
As forças armadas de muitos países europeus foram reduzidas em tamanho e capacidade operacional. A Europa tornou-se mais dependente dos Estados Unidos para a sua segurança, especialmente no âmbito da OTAN. Essa dependência pode ter dado a Putin a impressão de que a resposta europeia a uma invasão seria limitada ou atrasada, devido à falta de capacidade militar autónoma.

Após o fim da Guerra Fria, a Europa mudou o seu foco de ameaças militares convencionais para outras questões, como o terrorismo, a crise dos refugiados e a crise económica. A redução das forças convencionais pode ter dado a impressão de que a Europa estava menos preparada para lidar com uma invasão territorial tradicional, como a que ocorreu na Ucrânia. A decisão de Putin foi influenciada por uma série de fatores, incluindo as ambições da Rússia de restaurar a sua influência sobre as antigas repúblicas soviéticas, a expansão da OTAN para o leste e a perceção de ameaças à segurança nacional russa. O desarmamento europeu é apenas um dos muitos fatores a serem considerados.

Embora a Europa tenha reduzido seus gastos militares, ainda assim a resposta ao conflito na Ucrânia foi mais robusta do que muitos previam. A rápida mobilização de ajuda militar e económica para a Ucrânia e a unidade demonstrada pela OTAN desafiaram as expectativas de Putin e mostraram que, apesar de um certo desarmamento, a Europa ainda é capaz de responder de forma significativa. O conflito na Ucrânia também levou a uma reavaliação das políticas de defesa na Europa. Muitos países, incluindo a Alemanha, anunciaram aumentos substanciais nos seus orçamentos de defesa e planos para reforçar as suas capacidades militares, sinalizando uma mudança na abordagem da segurança.

A guerra na Ucrânia, que inicialmente parecia estar inclinada a favor da Rússia devido à sua superioridade militar, revelou-se um conflito prolongado e desgastante, com resultados incertos. A ideia de que uma Ucrânia sob a esfera de influência russa fortaleceria a Rússia e poderia, por consequência, não ser do interesse da China, levanta questões importantes sobre as complexas relações geopolíticas entre os EUA, a Rússia e a China, e o seu impacto no equilíbrio de poder global.

A China vai ser decisiva para a forma como o futuro sistema internacional funcionará, e os USA deviam entender-se com ela, já que com a Rússia parece impossível. A China desempenha um papel cada vez mais central na dinâmica do sistema internacional, e a relação entre os Estados Unidos e a China será fundamental para moldar o futuro da ordem global. A ideia de que os EUA deveriam procurar entender-se com a China, especialmente em contraste com a Rússia, reflete uma visão pragmática das realidades geopolíticas atuais. A China é a segunda maior economia do mundo e um dos maiores parceiros comerciais de muitos países. Seu crescimento económico e sua crescente influência em organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), dão-lhe um peso significativo na formação das regras e normas globais.

A China tem expandido sua influência geopolítica através de iniciativas como a Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), que visa aumentar sua presença global através de investimentos em infraestruturas e projetos de desenvolvimento em diversos continentes. Além disso, a China tem uma postura cada vez mais assertiva em questões regionais, como no Mar do Sul da China e em Taiwan. A China também está a investir pesadamente em inovação, inteligência artificial e outras tecnologias avançadas, o que pode determinar a liderança global em setores-chave no futuro. A competição tecnológica entre os EUA e a China é uma das áreas mais críticas na relação bilateral.

Dada a interdependência económica entre os dois países e a necessidade de cooperação em questões globais como as mudanças climáticas, pandemias e segurança cibernética, os EUA e a China têm um interesse mútuo em manter canais de comunicação abertos e em trabalhar juntos onde for possível. Com as tensões crescendo em áreas como o comércio, direitos humanos e questões militares, existe um risco real de que a rivalidade entre os EUA e a China possa escalar para um conflito mais amplo, o que seria desastroso para ambos os países e para a estabilidade global. Diplomacia cuidadosa e gestão de crises serão essenciais para evitar tal desfecho. A relação entre os EUA e a Rússia está num ponto extremamente baixo, especialmente após a invasão da Ucrânia. A Rússia está cada vez mais isolada internacionalmente, e a possibilidade de uma reaproximação significativa entre os EUA e a Rússia parece remota no curto prazo. Em contraste, a China, embora também um rival estratégico dos EUA, ainda mantém laços económicos e diplomáticos significativos com os EUA, o que oferece uma base mais sólida para o diálogo e a cooperação.

Todavia, as diferenças ideológicas e de governança entre os EUA e a China são profundas, apesar de depois da era Trump a democracia americana já teve melhores dias. O poder instalado na China é o de um sistema de partido único autoritário. Essas diferenças complicam a construção de confiança e a cooperação em áreas sensíveis. Questões como Taiwan, Hong Kong, e os direitos humanos em Xinjiang são fontes de tensões constantes. A postura assertiva da China nessas questões, combinada com a posição de defesa dos direitos humanos dos EUA, torna difícil a reconciliação. A competição pela supremacia tecnológica e económica é intensa. Disputas sobre propriedade intelectual, restrições comerciais e sanções são exemplos de como essa rivalidade pode intensificar-se, prejudicando a cooperação bilateral.

A China tem interesses globais que dependem de um certo grau de estabilidade, especialmente em termos de comércio e acesso a mercados. Uma Rússia fortalecida e mais assertiva na Europa poderia desestabilizar ainda mais a ordem global, algo que a China geralmente procura evitar, dada a sua dependência de rotas comerciais estáveis e mercados internacionais. Embora a China e a Rússia tenham um relacionamento próximo, baseado em interesses estratégicos compartilhados, como a oposição à hegemonia dos EUA, a China tem cuidado para não se envolver diretamente no conflito ucraniano. A China beneficia-se de uma Rússia como parceiro estratégico, mas também vê riscos em uma Rússia excessivamente fortalecida que poderia agir de maneira imprevisível, ou que pudesse arrastar a China para confrontos globais indesejados.

Os EUA e os seus aliados europeus têm interesse em impedir que a Rússia consolide sua influência sobre a Ucrânia, não só para proteger a soberania ucraniana, mas também para evitar que a Rússia ganhe uma posição estratégica vantajosa que possa ameaçar a segurança europeia e global. Isso inclui o fornecimento de apoio militar, económico e diplomático contínuo à Ucrânia, com o objetivo de desgastar a capacidade da Rússia de sustentar sua agressão. A situação na Ucrânia é fluida e complexa, e uma vitória russa não está garantida, mesmo que pareça ganhar terreno em certos aspectos. Para a China, o fortalecimento da Rússia através do controlo sobre a Ucrânia pode não ser vantajoso a longo prazo, especialmente se isso levar a uma maior instabilidade global ou a uma Rússia excessivamente dominante. A China tende a preferir um equilíbrio onde pode maximizar seus interesses sem se envolver diretamente em conflitos que possam prejudicar a sua posição global.

Portanto, enquanto a guerra continua a evoluir, a dinâmica entre China, Rússia e os EUA será crucial para determinar o futuro da ordem internacional e como os poderes globais ajustarão suas estratégias para lidar com uma Rússia potencialmente mais forte, mas também mais isolada.

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