sábado, 14 de setembro de 2024

No tempo da Casa da Sabedoria em Bagdade



Depois da era Sassânida [224 - 651 d.C.] e da queda do Califado Omíada [661 - 750 d.C.], a Casa da Sabedoria em Bagdade, sob o domínio da dinastia Abássida, tornou-se um centro de cultura dos mais auspiciosos da história. 
Fundada em 762 d.C. pelo califa Al-Mansur, Bagdade foi projetada para ser a capital do Império Abássida e rapidamente se tornou o coração cultural, intelectual e económico do mundo islâmico. Durante os séculos VIII e IX, Bagdade atingiu o auge do seu esplendor, especialmente durante o reinado do califa Harun al-Rashid e de seu filho, Al-Ma'mun.

O Império Sassânida foi o último Império Persa pré-islâmico, governado pela dinastia sassânida. O Império Sassânida, que sucedeu ao Império Parta, foi reconhecido como uma das principais potências da Ásia Ocidental e Central, juntamente com o Império Romano/Bizantino, por um período de mais de 400 anos.

O Califado Omíada foi o segundo dos quatro principais califados islâmicos, estabelecidos após a morte de Maomé. A dinastia Omíada era originária de Meca, atualmente na Arábia Saudita. A família omíada havia chegado ao poder durante o governo do terceiro califa, Otomão (r. 644–656), mas o regime omíada foi fundado por Moáuia I, governador de longa data da Síria, após o fim da Primeira Guerra Civil Islâmica em 661 (41 Ano da Hégira).

O Califado Abássida foi fundado pelos descendentes de Abas ibne Abedal Mutalibe, o tio mais jovem de Maomé, em Harã, em 750 e mudou a sua capital em 762 para Bagdade. Prosperou por dois séculos, mas vagarosamente entrou em declínio com a ascensão do exército turco que eles mesmos haviam criado, os mamelucos. Menos de 150 anos após terem tomado o poder da Pérsia, os califas foram forçados a cedê-lo para emires dinásticos locais, que aceitavam a sua autoridade de forma apenas nominal. O califado também perdeu as províncias ocidentais do Andaluz, Magrebe e Ifríquia para um príncipe omíada, para os Aglábidas e para o Califado Fatímida, respetivamente. Assim, as capitais foram mudando consoante as realidades políticas de cada momento: Cufa (750–762); Bagdade (762–796, 809–836, 892–1258); Raca (796–809); Samarra (836–892); Cairo (1261–1517)

Bagdade abrigava a Casa da Sabedoria (Bayt al-Hikma), um renomado centro de tradução e estudo onde estudiosos de diversas partes do mundo se reuniam para traduzir, preservar e expandir o conhecimento das culturas grega, persa, indiana e outras. Matemáticos, astrónomos, médicos, filósofos e outros intelectuais trabalharam lado a lado em Bagdade, contribuindo para o florescimento de áreas como a álgebra, a medicina, a química e a filosofia. Conhecida como a Era de Ouro do Islão, viu Bagdade emergir como uma cidade cosmopolita e multicultural, onde as ideias eram valorizadas e incentivadas. O intercâmbio de conhecimento não apenas preservou a herança das civilizações anteriores, mas também resultou em inovações significativas que impactaram profundamente a ciência e a cultura em todo o mundo.

Portanto, a Bagdade Abássida tornou-se, de facto, o centro de uma grande civilização, cujos avanços moldaram o futuro do conhecimento humano e deixaram um legado duradouro na história mundial. As traduções para o árabe dos grandes clássicos foram, sem dúvida, um dos empreendimentos intelectuais mais notáveis da Era de Ouro do Islão, especialmente durante o período abássida.

Esse movimento de tradução, que ocorreu principalmente entre os séculos VIII e X, foi um esforço massivo para preservar, estudar e expandir o conhecimento das civilizações antigas, incluindo a grega, persa e indiana. A Casa da Sabedoria em Bagdade foi o centro deste movimento, onde tradutores, muitas vezes poliglotas e profundamente conhecedores das matérias que traduziam, trabalhavam na conversão de textos clássicos para o árabe. Entre os textos traduzidos estavam as obras de Aristóteles, Platão, Hipócrates, Galeno, Euclides, Ptolomeu e muitos outros. Além de preservar o conhecimento existente, os estudiosos muçulmanos comentaram, criticaram e ampliaram esses textos, fazendo contribuições significativas em várias disciplinas.

Textos gregos sobre geometria e álgebra foram traduzidos e desenvolvidos. Al-Khwarizmi, por exemplo, fez importantes avanços na álgebra, que derivam de estudos tanto gregos quanto indianos. As obras de Hipócrates e Galeno foram amplamente estudadas e expandidas por médicos muçulmanos como Al-Razi e Ibn Sina (Avicena), cujos próprios trabalhos se tornaram referência na Europa medieval. A filosofia grega foi profundamente estudada e integrada no pensamento islâmico. Filósofos como Al-Farabi, Avicena e Averróis (Ibn Rushd) desempenharam papéis cruciais na transmissão e desenvolvimento das ideias aristotélicas e platónicas. Este movimento de tradução teve um impacto profundo e duradouro. Ele não apenas garantiu que o conhecimento antigo fosse preservado durante uma época de instabilidade na Europa, mas também serviu como base para o Renascimento europeu, quando muitos desses textos árabes foram posteriormente traduzidos para o latim. O empreendimento de tradução para o árabe foi um marco notável na história da ciência e da cultura, que permitiu a transmissão e a transformação do conhecimento clássico para novas gerações.

Portanto, é correto afirmar que, em termos de erudição e desenvolvimento intelectual, o Império Carolíngio de Carlos Magno não podia ser comparado ao que ocorria simultaneamente no mundo islâmico sob o califado abássida, especialmente durante o reinado de Al-Mansur e seus sucessores. Carlos Magno, que governou de 768 a 814 d.C., esforçou-se para revitalizar a cultura e a educação na Europa Ocidental, dando início ao chamado Renascimento Carolíngio. Este período viu a criação de escolas em mosteiros e catedrais, a promoção do estudo do latim, e a cópia e preservação de manuscritos clássicos. No entanto, esse renascimento cultural foi modesto em comparação com o que estava acontecendo em Bagdade e outras partes do mundo islâmico.

Por outro lado, o Califado Abássida, especialmente sob Al-Mansur e seus sucessores, era o centro de um florescimento intelectual muito mais amplo e sofisticado. Bagdade tornou-se a capital cultural e científica do mundo islâmico, abrigando a Casa da Sabedoria, onde eruditos de várias partes do mundo se reuniam para traduzir, estudar e expandir o conhecimento em matemática, medicina, filosofia, astronomia e outras ciências. Enquanto o Renascimento Carolíngio foi um esforço importante para elevar o nível de educação e cultura na Europa medieval, ele não tinha a mesma amplitude ou profundidade do que estava ocorrendo no Império Abássida. A Europa ainda estava em uma fase de recuperação e reconstrução após os séculos de declínio que se seguiram à queda do Império Romano do Ocidente. Em contraste, o mundo islâmico, em particular Bagdade, estava na vanguarda da erudição global.

Certamente que o desenvolvimento da matemática no mundo islâmico durante a Era de Ouro foi significativamente enriquecido pelo conhecimento matemático indiano, transmitido e expandido por grandes matemáticos persas, sendo Alcuarismi (ou Al-Khwarizmi) uma das figuras mais proeminentes. Al-Khwarizmi, cujo nome completo era Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, viveu no século IX e trabalhou na Casa da Sabedoria em Bagdade. Ele é amplamente reconhecido como um dos fundadores da álgebra e uma figura central na introdução do sistema numérico hindu-arábico ao mundo islâmico e, posteriormente, à Europa.

Al-Khwarizmi foi influenciado pelos textos matemáticos indianos, que já eram bastante avançados, especialmente em termos de aritmética e álgebra. O sistema de numeração decimal, incluindo o conceito de zero, foi transmitido ao mundo islâmico através de intercâmbios culturais e comerciais com a Índia. Al-Khwarizmi estudou esses sistemas e escreveu tratados que sistematizavam esse conhecimento, tornando-o acessível aos estudiosos islâmicos e, mais tarde, aos europeus.

A obra mais famosa de Al-Khwarizmi, o "Kitab al-Jabr wa-l-Muqabala" (traduzido como "Livro de Restauração e Balanceamento"), deu origem ao termo "álgebra" e foi um marco na história da matemática. Neste livro, ele apresentou métodos sistemáticos para a resolução de equações lineares e quadráticas, utilizando uma abordagem que permitiu a aplicação prática da matemática a problemas cotidianos, como heranças e distribuições comerciais. Além disso, Al-Khwarizmi também escreveu sobre astronomia, geografia e outras ciências, e suas obras foram amplamente traduzidas para o latim durante a Idade Média, influenciando profundamente o desenvolvimento científico na Europa.

Sem comentários:

Enviar um comentário