quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Uma pequena história da Turíngia





A Turíngia é uma região com uma história rica e complexa, que reflete as várias mudanças políticas, sociais e culturais que ocorreram na Alemanha ao longo dos séculos. A Turíngia começou como um ducado no século V, após a queda do Império Romano, ocupada por uma tribo germânica conhecida como os Turingos. O Reino da Turíngia existiu até ao século VI, quando foi conquistado pelos Francos. Durante a Idade Média, a Turíngia foi fragmentada em vários pequenos estados e territórios governados por nobres locais, como o Landgraviato da Turíngia. Um dos eventos históricos mais importantes da região foi a Batalha de Wahlstatt em 1241, durante a qual os polacos e seus aliados alemães derrotaram os invasores mongóis.

No século XVI, a Turíngia teve um papel significativo na Reforma Protestante. Martinho Lutero passou um tempo em Wartburg, um castelo em Eisenach, onde traduziu a Bíblia para o alemão, um marco importante na disseminação do Protestantismo. Durante o período entre o século XVII e XIX, a Turíngia permaneceu dividida em muitos pequenos estados governados por várias casas nobres, como os Wettin, que governaram áreas como Saxe-Weimar e Saxe-Eisenach. Esses pequenos estados se uniram ao Sacro Império Romano-Germânico e, mais tarde, à Confederação do Reno sob Napoleão.

Após as Guerras Napoleónicas e o Congresso de Viena (1814-1815), a Turíngia passou por algumas reorganizações territoriais, mas manteve a sua divisão em múltiplos ducados e principados, cada um com seu próprio governo e leis. Com a unificação da Alemanha em 1871 sob a liderança prussiana Império Alemão 1871-1918, os estados da Turíngia se tornaram parte do Império Alemão. No entanto, a região manteve uma certa autonomia interna, com os estados menores sendo governados por suas próprias casas reais.

Durante o período nazi, a Turíngia, como o resto da Alemanha, foi governada pelo regime de Hitler. Houve resistência local, mas também uma significativa colaboração com o regime nazi. A cidade de Buchenwald, perto de Weimar, abrigava um dos maiores campos de concentração nazis, onde milhares de prisioneiros foram mortos. Após a Segunda Guerra Mundial, a Turíngia foi incluída na zona de ocupação soviética, tornando-se parte da República Democrática Alemã (RDA) em 1949. Sob o regime comunista, a Turíngia passou por nacionalizações e coletivizações forçadas, o que alterou significativamente a economia e a sociedade locais. A RDA era um estado policial, e muitas pessoas na Turíngia, como em outras partes da Alemanha Oriental, experimentaram repressão política. No entanto, também houve resistência, tanto passiva quanto ativa, contra o regime comunista. A cidade de Jena, por exemplo, foi um centro de oposição intelectual.

Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o colapso do regime comunista, a Turíngia passou por uma rápida transformação. A região foi integrada à Alemanha Ocidental como parte do processo de reunificação em 1990, tornando-se um estado federal da Alemanha reunificada. A transição para uma economia de mercado foi difícil para muitas pessoas na Turíngia, com altos índices de desemprego e uma migração significativa de jovens para o oeste da Alemanha. Esses desafios económicos e sociais ainda moldam a política e a sociedade da Turíngia hoje.

Hoje, a Turíngia é conhecida por sua economia baseada em indústrias como engenharia mecânica, ótica e automobilística. No entanto, ainda enfrenta desafios como o envelhecimento da população e a fuga de cérebros. Na política contemporânea, a Turíngia tem sido um campo de batalha para diferentes forças políticas, incluindo o crescimento do partido de extrema-direita AfD, que tem encontrado apoio significativo na região devido a fatores económicos, sociais e demográficos.

Em relação às cidades, apenas deixo aqui uma nota sobre a cidade de Weimar e a cidade de Erfurt que é a capital da Turíngia.



Erfurt

A cidade de Weimar, na Turíngia, tornou-se um centro cultural importante na Alemanha durante os séculos XVIII e XIX, sendo associada a figuras como Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller. Mais tarde, a cidade também foi o berço da República de Weimar após a Primeira Guerra Mundial. A cidade de Weimar é um dos berços da cultura clássica alemã, que vive até hoje nas casas e locais de trabalho dos antigos pensadores, como Goethe e Schiller. Por consequência disso, e de sua importância como centro intelectual entre os séculos XVIII e XIX, é Património Mundial da UNESCO. O local reúne dezenas de museus, alguns dedicados aos seus personagens mais famosos, além dos castelos de Belvedere, Ettersburg e Tiefurt, que abrigavam, em seus jardins, os nomes proeminentes deste período cultural. Além disso, Weimar foi onde começou o movimento da Bauhaus, uma das mais expressivas manifestações da arquitetura e design mundial no século 20. A escola que se tornou expressão artístico-cultural dispõe de um museu na cidade, com mais de mil objetos dispostos em um espaço de 2,2 mil metros quadrados.

Erfurt, destaca-se por suas 25 igrejas, 15 mosteiros e 142 pontes que se dispõem no percurso do rio Gera. A cidade, que integra o charme medieval aos centros de inovações, teve passado importante por estar geograficamente localizada no cruzamento de rotas comerciais. Entre os seus atrativos mais famosos estão: a Catedral de Mariendom, a Igreja Severikische e o Mosteiro Agostiniano, que tiveram grande relevância na história de Lutero com a cidade; a Fortaleza de Petersberg, um dos exemplos mais preservados da arquitetura medieval; a sinagoga, uma das mais antigas conservadas na Europa, que hoje abriga o museu judaico; e a ponte Krämerbrücke, a mais extensa habitada da Europa, que conta lojas, cafés e restaurantes.

A Turíngia, uma das regiões da antiga Alemanha Oriental, tem se destacado como uma das áreas onde a AfD (Alternativa para a Alemanha) possui mais apoio. Vários fatores ajudam a explicar por que o partido tem encontrado um terreno fértil nessa região:

Descontentamento Pós-Reunificação: Após a reunificação da Alemanha em 1990, muitas áreas da antiga Alemanha Oriental, incluindo a Turíngia, enfrentaram desafios económicos e sociais significativos. O colapso da economia socialista e a transição para uma economia de mercado resultaram em altas taxas de desemprego, desindustrialização e êxodo populacional, com muitos jovens e profissionais qualificados emigrando para o oeste. Esse legado criou um sentimento de marginalização e descontentamento em relação ao governo central e às promessas da reunificação.

Muitos residentes da Turíngia e de outras partes da antiga Alemanha Oriental sentem uma forte identidade regional e um certo grau de nostalgia pelo passado, conhecido como "Ostalgie" (nostalgia pelo Leste). A AfD tem explorado esses sentimentos, apresentando-se como defensora dos interesses dos "alemães comuns" contra as elites políticas e económicas do Oeste. A Turíngia, como outras partes da ex-Alemanha Oriental, apresenta uma maior desconfiança em relação às instituições políticas tradicionais e à imprensa, que são frequentemente vistas como dominadas pelo Oeste. Essa desconfiança facilita o apelo da AfD, que se posiciona como um partido anti-establishment, disposto a desafiar as normas políticas convencionais.

Questões de Imigração e Identidade Cultural: A Turíngia, apesar de ser uma região relativamente homogénea em termos étnicos, experimentou mudanças sociais devido à chegada de imigrantes e refugiados, especialmente após a crise migratória de 2015. A AfD tem explorado temores relacionados à imigração e à preservação da identidade cultural alemã, ganhando apoio entre aqueles que se sentem ameaçados por essas mudanças. Os partidos tradicionais, como a CDU (União Democrata-Cristã) e o SPD (Partido Social-Democrata), têm tido dificuldades em reconquistar o apoio da população na Turíngia, especialmente entre os eleitores que se sentem abandonados ou mal representados pelas políticas centristas. A AfD, ao se posicionar como uma alternativa radical e nacionalista, tem conseguido capitalizar essa insatisfação.

História de Movimentos Extremistas: A Turíngia tem uma história de movimentos extremistas, tanto de esquerda como de direita. Nos últimos anos, a extrema-direita tem-se mostrado particularmente ativa na região, com grupos neonazis e outros movimentos radicais encontrando apoio local. A AfD, apesar de se distanciar oficialmente desses grupos, é vista por muitos como uma expressão política legítima dessas ideias extremistas, o que aumenta seu apelo entre certos segmentos da população.

Esses fatores combinados ajudam a explicar porque a AfD encontrou um forte apoio na Turíngia, tornando-se uma força política significativa na região. A situação reflete tanto as dificuldades persistentes na integração plena das ex-regiões da Alemanha Oriental como o ressurgimento de sentimentos nacionalistas e de protesto na Alemanha contemporânea.

Acresce que na Turíngia não querem apoiar a Ucrânia na guerra com a Rússia. Esse é um ponto importante que contribui para o apoio à AfD na Turíngia. A posição da AfD em relação à guerra na Ucrânia, especialmente no que diz respeito à política externa alemã e à relação com a Rússia, ressoa com uma parte significativa da população na Turíngia e em outras regiões do leste da Alemanha. Muitas regiões da antiga Alemanha Oriental, incluindo a Turíngia, têm uma história de laços culturais, económicos e políticos mais estreitos com a Rússia. Durante o período da RDA (República Democrática Alemã), a Rússia (então União Soviética) era vista como um aliado próximo. Esse legado histórico pode influenciar as atitudes contemporâneas, levando a uma maior simpatia pela Rússia e uma visão mais crítica das políticas ocidentais em relação a Moscovo. A AfD e muitos de seus apoiantes expressam ceticismo em relação à política externa ocidental, especialmente a postura dos EUA e da União Europeia em relação à Rússia. Esse ceticismo é reforçado por uma desconfiança generalizada em relação à NATO e a perceção de que as sanções e o apoio militar à Ucrânia podem estar prejudicando os interesses económicos da Alemanha, especialmente no que diz respeito ao fornecimento de energia e à segurança económica.

A guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia têm tido impactos económicos na Alemanha, incluindo aumentos nos preços da energia e interrupções no comércio. Na Turíngia, onde a economia já enfrenta desafios, há uma preocupação de que o apoio contínuo à Ucrânia possa agravar ainda mais as dificuldades económicas. A AfD tem explorado essas preocupações, argumentando que as sanções prejudicam mais a Alemanha do que a Rússia e que os interesses nacionais deveriam ser priorizados. A AfD tem adotado uma postura que poderia ser descrita como isolacionista em termos de política externa, defendendo que a Alemanha deve evitar se envolver em conflitos estrangeiros e focar em seus próprios problemas internos. Isso se traduz em uma oposição ao apoio militar e económico à Ucrânia, com o argumento de que esse apoio não serve aos interesses diretos da Alemanha. Alguns segmentos da AfD, e mesmo da população na Turíngia, têm sido recetivos a narrativas pró-Rússia, muitas vezes propagandeada pela administração russa e por canais alternativos na internet. Essas narrativas tendem a descrever a guerra na Ucrânia como provocada pelo Ocidente e sugerem que a Alemanha deveria adotar uma posição mais neutra ou até mesmo amigável em relação à Rússia.

Parece paradoxal que numa região como a Turíngia, onde as pessoas viveram sob um regime comunista repressivo (a República Democrática Alemã, RDA), haja simpatia ou pelo menos uma postura menos crítica em relação à Rússia atual, que é percebida por muitos como um regime autocrático para além de herdeira da União Soviética. No entanto, existem várias razões que podem ajudar a explicar esse aparente paradoxo. Embora a RDA tenha sido um estado repressivo, algumas pessoas, especialmente as gerações mais velhas, sentem uma certa nostalgia por aspetos da vida sob o comunismo, como a estabilidade económica, o pleno emprego e os serviços sociais garantidos. Essa "Ostalgie" (nostalgia pelo Leste) não reflete necessariamente um desejo de retorno ao comunismo, mas sim um saudosismo por uma época em que, apesar das liberdades limitadas, havia uma sensação de segurança social que eles percebem como ausente na Alemanha reunificada, especialmente nas regiões que não se beneficiaram plenamente da transição para uma economia de mercado.

Após a queda do Muro de Berlim, muitas pessoas na Turíngia e em outras partes da ex-Alemanha Oriental sentiram que a reunificação não atendeu às expectativas que lhes foram prometidas. A transição económica foi difícil, com altos níveis de desemprego, fechamento de indústrias e a perceção de que a infraestrutura do Leste foi negligenciada em comparação com o Oeste. Essa desilusão com os resultados da reunificação pode levar a um sentimento de traição pelos partidos políticos ocidentais tradicionais e uma abertura a alternativas que prometem um retorno à estabilidade.

Apesar de tudo, para muitos na Turíngia, a Rússia de hoje não é vista da mesma forma que a União Soviética foi vista durante a Guerra Fria. Sob Vladimir Putin, a Rússia é percebida por alguns como um baluarte contra o que consideram ser a decadência moral e cultural do Ocidente, e como um defensor dos valores tradicionais. Isso contrasta com a União Soviética, que foi vista como um poder imperialista na RDA. A AfD, em particular, tem cultivado uma visão da Rússia como um aliado potencial contra o que eles descrevem como a hegemonia liberal ocidental. A desconfiança em relação ao Ocidente e suas políticas não é exclusiva da Turíngia, mas pode ser mais acentuada na ex-Alemanha Oriental devido à história de dominação por potências estrangeiras. A RDA foi um estado satélite da União Soviética, mas o sentimento de que a Alemanha Oriental foi "colonizada" pelo Ocidente após a reunificação também é forte. Este ceticismo pode-se traduzir numa postura menos crítica em relação à Rússia e mais crítica em relação às políticas ocidentais, incluindo o apoio à Ucrânia.

Na era digital, as pessoas têm acesso a uma ampla variedade de fontes de informação, incluindo aquelas que promovem narrativas pró-Rússia ou anti-Ocidente. Na Turíngia, como em outras partes da Alemanha, algumas pessoas podem ser mais suscetíveis a essas narrativas, que frequentemente descrevem a Rússia como uma vítima de agressão ocidental e a guerra na Ucrânia como uma consequência das políticas expansionistas da NATO. A AfD tem capitalizado essas perceções, adotando uma postura crítica em relação ao envolvimento da Alemanha no conflito. Em partes da antiga Alemanha Oriental, há um forte sentimento de identidade regional e um certo distanciamento do resto da Alemanha. Esse sentimento de desconexão pode fazer com que os residentes da Turíngia se identifiquem menos com as posições pró-Ucrânia do governo federal e mais com uma posição que percebem como mais alinhada com seus próprios interesses regionais e económicos, mesmo que isso signifique uma postura mais branda em relação à Rússia.

A Turíngia tem uma demografia envelhecida, e isso é um fator significativo que influencia a dinâmica política e social da região. Após a reunificação da Alemanha em 1990, muitas pessoas, especialmente jovens e profissionais qualificados, migraram da Turíngia e de outras partes da antiga Alemanha Oriental para o oeste, em busca de melhores oportunidades de emprego e condições de vida. Isso deixou a região com uma população desproporcionalmente mais velha. A Turíngia, como muitas outras regiões da Alemanha, tem enfrentado baixas taxas de natalidade ao longo das últimas décadas. Isso contribuiu para uma população em envelhecimento, com menos jovens para equilibrar a estrutura etária. A combinação de emigração de jovens e baixa natalidade criou um desequilíbrio demográfico. A população envelhecida na Turíngia enfrenta desafios específicos, como a dependência de pensões e assistência social, o que aumenta a pressão sobre os serviços públicos e reduz o dinamismo económico da região. A falta de jovens também significa menos inovação e menos força de trabalho, o que dificulta o desenvolvimento económico e a atração de novos investimentos. As pessoas mais velhas, especialmente aquelas que viveram as turbulências da reunificação e as mudanças drásticas na sociedade e na economia, podem sentir um maior temor em relação à imigração e à globalização, vendo-as como ameaças à estabilidade que desejam manter.

O aumento dos crimes violentos, particularmente aqueles envolvendo facas, tem contribuído significativamente para o medo da imigração e a islamofobia na Alemanha, incluindo na Turíngia. Esses incidentes têm sido explorados por partidos como a AfD para alimentar preocupações sobre segurança pública e para justificar suas posições contra a imigração e a integração de refugiados, especialmente aqueles de países muçulmanos. Embora nem todos os crimes com faca sejam cometidos por muçulmanos ou imigrantes, a AfD e outros grupos extremistas têm frequentemente ligado esses incidentes ao Islão, perpetuando estereótipos negativos e aumentando a islamofobia. Esse tipo de retórica ignora as complexidades das causas da criminalidade e tende a atribuir coletivamente a culpa a todos os imigrantes ou muçulmanos. A crescente islamofobia e as reações negativas à imigração também têm um impacto profundo nas comunidades imigrantes, que podem enfrentar discriminação, marginalização e violência como resultado do medo e preconceito exacerbados. Isso cria um círculo vicioso, onde a marginalização pode levar a maiores tensões sociais e, em alguns casos, ao aumento da criminalidade, que por sua vez é usado para justificar mais exclusão e repressão.

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