quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Os sinais dos tempos para uma nova ordem mundial – 2º andamento



A adaptação é o melhor remédio. Devemos priorizar a resiliência comunitária, o uso da tecnologia para resistência, ou uma mistura das duas abordagens? Como ninguém consegue acertar, o melhor é encontrar mecanismos de adaptação às autocracias e às guerras (as que estão e as que aí vêm). As melhores respostas muitas vezes surgem de forma inesperada a quem se adaptou em redes informais de solidariedade e resiliência comunitária, baseada em valores comuns compartilhados. Isso pode incluir a criação de espaços de resistência silenciosa, ou formas de contestar o poder estabelecido de maneira que não atraia a repressão direta.

A mistura das duas é mais ganhadora, uma vez que esta emergência climática vai obrigar as pessoas, as que queiram respeitar as gerações futuras, a serem mais parcas no seu hedonismo. Combinando resiliência comunitária e o uso estratégico da tecnologia para resistência, oferecemos uma estratégia mais robusta para enfrentar os desafios das autocracias emergentes e da crise climática. A emergência climática, em particular, será um fator determinante, pois obrigará as sociedades a reverem radicalmente seus modos de vida, sobretudo no que se refere ao hedonismo e ao consumismo.

Resiliência Comunitária Sustentável – A crise climática, além das pressões políticas, exigirá uma transformação no modo como as comunidades se organizam. A adaptação vai passar por fortalecer redes locais de apoio, que sejam sustentáveis tanto social quanto ecologicamente. Isso inclui o desenvolvimento de economias locais menos dependentes de cadeias globais, a promoção de práticas agrícolas regenerativas e a criação de formas comunitárias de produção de energia. Essas iniciativas, além de responderem à crise ambiental, também reduzem a dependência de grandes corporações e governos, criando um espaço de autonomia.

Tecnologia a Serviço da Sustentabilidade e da Resistência - Ao mesmo tempo, a tecnologia deve ser usada para impulsionar práticas sustentáveis, como o uso de IA e big data para otimizar a eficiência energética, prever desastres naturais ou melhorar a produção agrícola. No campo da resistência, ferramentas como criptografia e redes descentralizadas podem ser utilizadas para coordenar ações de resistência sem o risco de vigilância governamental ou corporativa. O desenvolvimento de tecnologias open-source para energia renovável, como painéis solares e soluções de armazenamento de energia, pode também democratizar o acesso a recursos, reduzindo o controlo centralizado.

Revisão dos Valores Culturais e Redução do Hedonismo – A emergência climática impõe uma revisão ética dos nossos valores culturais. O hedonismo e o consumismo, que foram pilares do liberalismo económico, estão claramente em contradição com a necessidade de preservar recursos para as gerações futuras. Há um movimento crescente de pessoas que reconhecem essa necessidade de autocontenção. Essas mudanças de valores culturais podem ser promovidas através da educação e de lideranças que ofereçam exemplos de vida simples e conectada com a natureza, inspirando outros a adotar práticas mais sustentáveis e menos voltadas ao consumo. As comunidades que conseguirem alcançar um nível de autossuficiência, tanto em termos ecológicos quanto digitais, terão uma posição mais forte para resistir à pressão de regimes autoritários. A soberania tecnológica, por exemplo, envolve o uso de tecnologias próprias ou independentes que não estão sujeitas a controlo externo. Combinada com uma soberania alimentar, isso cria uma base sólida de resiliência contra regimes que possam tentar controlar populações pelo acesso a recursos essenciais.

As duas crises — a autocrática e a climática — estão interligadas. Regimes autoritários muitas vezes exploram a desordem causada pelas mudanças climáticas para consolidar seu poder, como já vemos em algumas partes do mundo. A luta pela justiça climática, portanto, também é uma luta pela justiça política. Movimentos que combinam os dois aspetos, como o socialismo ecológico, têm surgido como possíveis respostas, propondo uma redistribuição mais equitativa dos recursos e uma relação mais equilibrada com o meio ambiente. A adaptação, nesse sentido, requer uma abordagem que lide tanto com as ameaças políticas quanto com as ambientais. A aceitação de um modo de vida mais austero, focado no essencial e comprometido com o futuro, pode ser uma forma de resistência ao controlo autocrático, que muitas vezes se baseia na manipulação do desejo por consumo e prazeres imediatos.

Para a contenção hedonista, podem contribuir movimentos culturais associados a políticas mais radicais. Sinergias que podem acontecer independentemente de qualquer intencionalidade. Isso reflete uma dinâmica histórica comum, em que mudanças culturais e políticas frequentemente ocorrem de forma interdependente, mas muitas vezes de maneira orgânica, sem planeamento centralizado. Ao longo da história, movimentos culturais têm frequentemente precedido ou acompanhado mudanças políticas. No contexto atual, o crescente movimento em torno da sustentabilidade, minimalismo e economia circular pode representar um afastamento espontâneo do hedonismo, à medida que mais pessoas adotam estilos de vida baseados na moderação, no autocontrolo e no respeito pelos recursos naturais. Esse movimento pode não ser explicitamente político, mas ao ganhar força, influencia políticas públicas e práticas corporativas.

Muitas vezes, grandes mudanças culturais e comportamentais não surgem de um planeamento deliberado, mas de crises inevitáveis. A crise climática, com seus efeitos cada vez mais visíveis, provavelmente desempenhará esse papel de catalisador. A escassez de recursos naturais, eventos climáticos extremos e suas consequências económicas forçarão muitas pessoas e comunidades a se adaptarem, reduzindo o consumismo por necessidade, mesmo que não haja uma intenção inicial de mudança. Essas crises podem fazer com que o comportamento frugal e sustentável seja incorporado como norma cultural. Movimentos culturais podem também pressionar governos a implementar políticas que acelerem essa transformação. Por exemplo, regulamentações ambientais mais rígidas, incentivos para comportamentos sustentáveis e impostos sobre carbono podem ser resultados diretos da pressão de grupos sociais comprometidos com a sustentabilidade. Essas políticas, por sua vez, reforçam a mudança cultural, criando um ciclo em que as atitudes pessoais e as regras públicas se alimentam mutuamente.

A adoção de novas tecnologias pode facilitar essa adaptação cultural e política. Por exemplo, tecnologias que permitem maior eficiência energética, agricultura sustentável e sistemas descentralizados de produção de energia podem surgir e se espalhar, não por uma intencionalidade política direta, mas porque são necessárias e vantajosas. As soluções tecnológicas podem, assim, dar suporte a novas formas de vida, que são menos dependentes do consumo excessivo. Um aspeto interessante dessa sinergia é que a própria noção de prazer e satisfação pode mudar. O hedonismo, como entendido nas últimas décadas, está associado a um consumismo desenfreado e à busca de gratificações imediatas. No entanto, à medida que crises ecológicas e sociais exigirem uma nova mentalidade, o prazer poderá ser redescoberto em formas mais simples de viver, mais conectadas com a natureza e com a comunidade. Isso pode acontecer de forma espontânea, sem que haja uma pressão explícita, como uma resposta às condições materiais e ambientais em mudança.

A convergência de uma crise climática com a ascensão de novas autocracias pode gerar novas formas de liderança e movimentos políticos que reconheçam a interdependência entre justiça social, sustentabilidade ambiental e liberdade política. Esses movimentos podem não nascer de um planeamento deliberado, mas sim de uma necessidade prática de enfrentar crises cada vez mais complexas. No fim, essa mudança cultural e política mista pode ocorrer de forma inevitável, mesmo que parte dela seja inicialmente acidental ou não intencional. A humanidade tem uma capacidade impressionante de adaptação e reorganização quando confrontada com desafios estruturais.

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