sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Os sinais dos tempos para uma nova ordem mundial – 3º andamento



A adaptação cultural e política, como um processo inevitável à medida que as crises se intensificam, é mais ganhadora do que a resistência pela resistência. Resistência de vários setores da sociedade há sempre, mas no fim a acomodação, sempre em tensão, vai ter de se impor. A resistência é um componente natural de qualquer processo de mudança, especialmente quando se trata de transformações profundas que afetam diretamente os estilos de vida e os valores culturais. Diferentes setores da sociedade — elites económicas, grupos conservadores ou aqueles mais atrelados aos modos de vida tradicionais — resistirão, seja por interesses materiais ou por apego ao status quo. No entanto, a acomodação tende a se impor, embora seja sempre acompanhada de tensão.

Esse processo de acomodação é, na verdade, uma característica constante das mudanças históricas. A resistência, mesmo que intensa, muitas vezes cede quando a pressão das circunstâncias se torna insustentável. A crise climática, por exemplo, impõe uma pressão que transcende a vontade política ou os interesses particulares. A degradação ambiental, a escassez de recursos e as catástrofes naturais obrigam sociedades inteiras a se ajustarem, mesmo que isso vá contra as inclinações iniciais de muitos setores. Eventualmente, mesmo os que resistem acabam cedendo à realidade imposta pela natureza.

A acomodação não significa a eliminação completa da resistência, mas sim um processo contínuo de negociação e tensão. Grupos resistentes vão tentar preservar o máximo possível de suas posições e interesses, mas acabam cedendo em certas áreas, à medida que percebem a necessidade de adaptação. A transição tende a ser mais lenta e conflituosa, mas a acomodação acontece de forma gradual, por meio de concessões e ajustes. Um aspeto interessante é que muitos setores resistentes acabam por cooptar os ideais da mudança para preservar o seu próprio poder ou relevância. Elites económicas podem resistir à transição para uma economia mais sustentável, mas ao perceberem que essa mudança é inevitável, podem tentar moldá-la de forma que continue a beneficiar seus interesses. Assim, a acomodação não elimina a tensão, mas redefine as regras do jogo.

A adaptação de tecnologias sustentáveis e a transição para economias verdes, por exemplo, também será um processo de acomodação. Mesmo que inicialmente haja resistência de setores ligados a indústrias poluentes ou ao consumo desenfreado, a pressão económica e a inovação tecnológica podem criar incentivos para a mudança. O lucro potencial em novas tecnologias sustentáveis pode eventualmente vencer a resistência inicial. Outro fator importante na acomodação é a transição entre gerações. As novas gerações tendem a ser mais recetivas às mudanças que seus predecessores resistem, especialmente em áreas como sustentabilidade, direitos sociais e justiça climática.

Em alguns casos, o colapso total de sistemas insustentáveis se torna o catalisador final da acomodação. Quando estruturas políticas, económicas ou ambientais entram em colapso, os setores resistentes são forçados a se adaptar ou correm o risco de perder tudo. Esse é um processo doloroso, mas que, historicamente, tem sido uma forma final de imposição da mudança. Isto é o que historicamente acontece quando mudanças inevitáveis encontram resistência: não há aceitação tranquila, mas sim um processo de disputa, ajustes e rearranjos.


Espera-se que essa acomodação seja suficiente para mitigar as crises que enfrentamos, sem que se dê um colapso mais profundo antes que a adaptação plena ocorra. Embora as crises que enfrentamos — como a emergência climática, a ascensão de autocracias e as desigualdades crescentes — sejam graves, é provável que a transição seja tensa, mas gradual, marcada por tensões e adaptações, sem um colapso total. Esta visão pode ser sustentada por vários fatores que diferenciam o nosso tempo dos períodos dos colapsos históricos mais conhecidos.

A interdependência global em termos económicos, políticos e tecnológicos cria uma rede de apoio que, embora frágil em alguns pontos, pode amortecer choques significativos. As sociedades atuais estão mais interligadas do que as do passado, e os sistemas globais podem se ajustar para prevenir um colapso catastrófico. Por exemplo, crises económicas globais podem ser aliviadas por políticas coordenadas entre grandes blocos, como vimos após a crise de 2008. A tecnologia moderna oferece soluções que não estavam disponíveis em crises passadas. Mesmo com os desafios climáticos, há inovações em energias renováveis, agricultura sustentável e inteligência artificial que podem, em parte, mitigar os impactos mais destrutivos das mudanças climáticas ou de crises económicas. Além disso, a capacidade de comunicação instantânea entre países permite respostas mais rápidas e coordenadas.

Embora haja críticas justas à eficácia de instituições globais como a ONU, a União Europeia ou o FMI, essas instituições ainda desempenham um papel importante em estabilizar crises. Diferente da queda de Roma, onde não havia sistemas de governança que pudessem lidar com o colapso de um império, hoje temos redes institucionais que tentam, ao menos em parte, coordenar respostas a crises transnacionais. Por outro lado, as sociedades contemporâneas, com suas economias de conhecimento, têm uma resiliência maior do que as sociedades agrícolas e industriais do passado. Setores como a tecnologia da informação, serviços e a economia do conhecimento, embora vulneráveis, podem se ajustar mais rapidamente do que as economias que dependiam exclusivamente de recursos naturais ou produção industrial. Isso não elimina os riscos, mas cria uma flexibilidade que pode prevenir colapsos totais.

A memória do cataclismo da Segunda Guerra Mundial e a destruição que ele trouxe para a Europa e o mundo em geral criou, ao longo do tempo, uma aversão coletiva a conflitos dessa magnitude. O equilíbrio de poder nuclear, o desenvolvimento de diplomacia e a prevalência de tratados internacionais de paz são elementos que reduzem a probabilidade de uma guerra total nos moldes da Segunda Guerra. Embora ainda existam conflitos, como o da Ucrânia, o medo de um colapso global total tem, até agora, mantido as maiores potências numa tensão controlada. O que podemos ver é uma série de pequenas crises e colapsos localizados que forçam adaptações graduais. Desastres climáticos em uma região, colapsos económicos em outra, ascensão de regimes autoritários em certos países — tudo isso pode se somar a uma grande tensão global, mas sem levar ao colapso total. Essas crises locais podem servir como lições para outras sociedades, incentivando mudanças adaptativas antes que o colapso total se torne inevitável.

Entretanto, essa transição gradual não significa que não enfrentaremos desafios profundos. A acomodação pode ser lenta e dolorosa, e o caminho para uma sociedade mais resiliente e adaptada pode estar repleto de tensão, desigualdades e conflitos. Mas talvez o nosso tempo tenha mais mecanismos para evitar uma catástrofe total, como as que a história já testemunhou. Pelo menos para os próximos 50 anos, arrisco dizer que as sociedades dos países mais desenvolvidos conseguem superar as crises. Temo, contudo, que durante os próximos 50 anos infelizmente grandes populações vão sofrer coisas terríveis, por exemplo em África, com as secas e o aumento da temperatura climática. Enquanto as sociedades dos países mais desenvolvidos possuem maior capacidade de adaptação e resiliência, com infraestruturas mais robustas e recursos tecnológicos, é provável que as regiões menos desenvolvidas sofram de forma desproporcional. As secas severas, a desertificação e o aumento das temperaturas, somados a uma infraestrutura econômica e política frágil, criam condições muito difíceis para a sobrevivência e o bem-estar de milhões de pessoas. O impacto nas regiões africanas pode ser devastador.

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