quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Um novo tipo de autocracia, e os estudos de Shoshana Zuboff e Yuval Harari



Shoshana Zuboff, com sua obra A Era do Capitalismo de Vigilância, descreve como as grandes corporações tecnológicas utilizam nossos dados pessoais para criar previsões e moldar comportamentos, transformando nossa privacidade em mercadoria. Ela argumenta que as empresas de tecnologia — Google, Facebook, Amazon, entre outras —, não apenas comercializam nossos dados, mas também conseguem, através de algoritmos de IA, prever e influenciar nossas ações. Isso cria um ciclo de poder que coloca esses gigantes tecnológicos em posição de controlo social. Zuboff vê essa estrutura como uma nova forma de totalitarismo, onde a vigilância e manipulação da informação são ferramentas de dominação.

Yuval Harari, por sua vez, em obras como Homo Deus e 21 Lições para o Século 21, argumenta que a IA e a biotecnologia irão transformar profundamente as sociedades, potencialmente criando uma elite tecnocrática que concentra poder ao controlar as informações e a vida humana em nível biológico. Ele alerta para o facto de que, ao mesmo tempo em que a IA tem o potencial de melhorar a vida humana, também pode ser usada para fortalecer regimes autoritários, já que os governos e empresas que controlam os dados podem não apenas prever comportamentos, mas também tomar decisões que moldam a própria vontade e liberdade humanas.

A visão de Harari e Zuboff converge em alguns pontos centrais. A Morte da Privacidade – A privacidade está cada vez mais sendo destruída pelas ferramentas de vigilância em massa, e o controlo sobre dados pessoais torna-se uma forma de controlo sobre as pessoas. Como Zuboff coloca, o capitalismo de vigilância não é apenas sobre nos observar, mas sobre moldar nossos comportamentos. Centralização do Poder em uma Nova Elite – Harari prevê que a desigualdade entre aqueles que possuem controlo sobre a IA e dados (as elites tecnocráticas) e o resto da população se tornará imensa. Esse controlo dá à elite um poder sem precedentes de manipular populações inteiras, muitas vezes de forma quase invisível. Autocracias Digitais – Ambos concordam que estamos vendo o surgimento de uma nova forma de autoritarismo, facilitada por redes sociais e IA. Esses sistemas podem ser usados por governos ou empresas para monitorizar e suprimir dissidências, criando uma nova espécie de autocracia digital, onde o controlo não vem por meio da força bruta, mas pela manipulação invisível e constante.

A questão central que surge a partir desses estudos é: como proteger a democracia e a liberdade individual em um mundo onde o controlo de dados e o uso de IA estão nas mãos de poucos? Este parece ser o grande desafio do século XXI. Pelo que sabemos, como tem sido o passado, ninguém consegue acertar na solução, pelo que a nossa estratégia deve ser encontrar os melhores mecanismos de adaptação às autocracias que aí vêm, eventualmente com guerras. A história mostra que as respostas muitas vezes surgem de forma inesperada e, muitas vezes, os sistemas de poder acabam se adaptando de maneira que poucos previram.

Se de fato estamos a caminho de uma era dominada por novas autocracias, possivelmente alimentadas por tecnologias digitais e conflitos geopolíticos, alguns mecanismos de adaptação podem passar por resiliência individual e comunitária. Em regimes autoritários, a sobrevivência e a manutenção de um mínimo de liberdade dependem frequentemente de redes de solidariedade e resiliência comunitária. Estas redes podem ser formais ou informais, baseadas em valores comuns, como cultura, religião, ou simplesmente interesses compartilhados. Fortalecer essas redes de apoio pode ser uma forma de manter pelo menos uma sensação de autonomia e proteção contra as intervenções do Estado ou de corporações tecnocráticas.

Uma das formas mais eficazes de adaptação pode ser aumentar a consciência e o entendimento sobre como os mecanismos de vigilância e controlo digital funcionam. A literacia digital, que envolve não apenas a habilidade de usar tecnologia, mas de entender como ela pode ser usada para manipulação, é fundamental para resistir à dominação total por regimes autoritários. Quanto mais as pessoas estiverem cientes dos perigos, mais capazes serão de proteger os seus dados e a sua privacidade.

A preparação para conflitos futuros pode ser vista como uma forma de adaptação. Isso não significa apenas preparação militar ou física, mas também o desenvolvimento de mecanismos psicológicos e sociais para lidar com a instabilidade. A história mostrou que, durante tempos de guerra, sociedades resilientes conseguem reorganizar os seus meios de defesa e ao mesmo tempo aprender a navegar dentro do próprio sistema autoritário. Historicamente, pessoas e grupos que souberam se ajustar às regras dos regimes conseguiram manter certo nível de influência ou autonomia. Isso pode incluir a criação de espaços de resistência silenciosa ou formas de contestar o poder de maneira que não atraia a repressão direta.

A tecnologia, que é usada para controlo por parte de quem detém o poder, também pode ser usada para subversão. Ferramentas como criptografia, redes descentralizadas e blockchain oferecem possibilidades de criar espaços digitais mais difíceis de serem monitorizados ou controlados por regimes autoritários. O desenvolvimento de novas tecnologias que protejam a privacidade e permitam a comunicação segura entre dissidentes pode ser uma forma importante de adaptação. Adaptar-se pode também significar, em alguns casos, uma aceitação pragmática das novas realidades. Em vez de resistir frontalmente às mudanças políticas, pode ser mais eficaz encontrar formas de sobreviver dentro do sistema, minimizando danos pessoais e comunitários. Isso não implica em conivência, mas sim numa estratégia de sobrevivência. Em vez de uma atitude fatalista, pode ser mais ganhadora a atitude focada na preparação e na adaptação, em vez da fuga a algo que talvez já esteja em movimento.

Sem comentários:

Enviar um comentário