quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Os altos conhecimentos científicos no mundo islâmico dos começos



A afirmação de que os altos conhecimentos científicos disponíveis durante o Império Omíada (661-750 d.C.) não eram um mérito exclusivamente árabe, mas sim derivados das culturas persa, bizantina e helenística anteriores, é, em grande parte, verdadeira. A expansão do Império Omíada resultou na absorção de vastos territórios que incluíam centros de conhecimento altamente desenvolvidos, como as cidades do antigo Império Sassânida (persa) e as regiões controladas pelo Império Bizantino.

Os omíadas, e posteriormente os abássidas, foram capazes de aproveitar as tradições científicas e filosóficas dessas culturas, traduzindo textos persas, gregos e indianos para o árabe. Isto permitiu que preservassem e ampliassem o conhecimento pré-existente. Os sábios muçulmanos, ao assimilarem esses saberes, também fizeram contribuições originais significativas, especialmente em áreas como a medicina, astronomia, matemática e química. Portanto, o florescimento científico do período islâmico foi um processo de sinergia cultural, onde o mérito não é atribuído apenas a uma civilização, mas à capacidade dos omíadas e seus sucessores de integrar, expandir e transmitir o conhecimento de múltiplas fontes. Atenas, Antioquia, Alexandria, Harran, Bactriana, Laodiceia, Edessa ou Apameia, eram centros de excelência e referência.

Atenas era famosa por ser o berço da filosofia ocidental, com figuras como Sócrates, Platão e Aristóteles. A Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles foram centros de ensino que influenciaram profundamente o pensamento ocidental. Antioquia era uma das grandes cidades do Império Romano, um centro intelectual e religioso, com influência em teologia, filosofia e estudos bíblicos, além de ser um importante ponto de encontro de várias culturas. Alexandria era conhecida pelo seu famoso farol e pela Biblioteca de Alexandria. Foi um dos maiores centros de cultura do mundo antigo. Era um importante núcleo de ciência, matemática, astronomia, medicina e filosofia. Harran, localizada na Mesopotâmia, era um centro de estudos astronómicos e religiosos, com uma longa tradição académica, especialmente após a queda da Academia de Atenas. Bactriana, na Ásia Central, foi um ponto de confluência de culturas gregas, persas e indianas, influenciando a troca de ideias e conhecimentos, especialmente após as conquistas de Alexandre, o Grande. Laodiceia, cidade na Ásia Menor, é conhecida por ter sido um centro comercial e cultural,com importância em estudos de medicina e filosofia. Edessa, localizada na Mesopotâmia, era um importante centro cristão e intelectual, conhecido por suas escolas teológicas e pelo papel que desempenhou na transmissão do conhecimento grego ao mundo árabe. Apameia, outra cidade na Síria, era conhecida por sua importância militar, mas também como centro cultural e educacional, especialmente durante o período helenístico e romano.

Estas cidades serviram como importantes centros de preservação, desenvolvimento e transmissão do conhecimento. Muitas delas desempenharam um papel crucial na época do Império Omíada, funcionando como pontes entre as tradições antigas e o florescimento científico e cultural do mundo islâmico. A Universidade de Gundishapur (ou Jundishapur), recolheu os melhores intelectuais vindos de Atenas, depois de 529, à conta do encerramento por ordem de Justiniano. Estava localizada no Império Sassânida, e foi de facto um dos mais importantes centros de estudos do mundo antigo. Após o fechamento da Academia de Atenas em 529 d.C. por ordem do imperador bizantino Justiniano I, muitos intelectuais gregos, incluindo filósofos neoplatónicos, procuraram refúgio em outras partes do mundo, e acredita-se que alguns deles tenham migrado para o Império Sassânida, onde encontraram um ambiente favorável para o estudo e a prática das ciências. Gundishapur tornou-se um ponto de encontro de várias tradições intelectuais, incluindo a grega, a persa, a indiana e a siríaca. A universidade era conhecida por suas contribuições significativas nas áreas de medicina, filosofia, matemática e astronomia. O centro combinava o conhecimento de várias culturas, o que foi fundamental para a preservação e a transmissão do conhecimento clássico durante a Idade Média.

Cosroes I (Khosrow I), também conhecido como Cosroes Anushirvan ("o de alma imortal"), que governou o Império Sassânida de 531 a 579 d.C., é amplamente considerado um dos maiores impulsionadores do conhecimento e da cultura de sua época. Durante o seu reinado, Cosroes I promoveu ativamente a ciência, a filosofia e a medicina. Ele foi responsável por transformar a Universidade de Gundishapur em um dos centros de transmissão de conheecimento mais avançados do mundo. Sob o seu patrocínio, Gundishapur não apenas continuou a tradição de estudos médicos, mas também se tornou um lugar de encontro para sábios de várias culturas — gregos, indianos, persas e outros — que contribuíram para o florescimento do conhecimento.

Cosroes I também é conhecido por ter incentivado a tradução de textos filosóficos e científicos, particularmente do grego e do sânscrito, para o pálavi. Ele valorizava o conhecimento como uma ferramenta para a boa governação e o progresso do seu império. O apoio de Cosroes I ao conhecimento e à educação foi essencial para a preservação e o desenvolvimento das tradições intelectuais que, mais tarde, seriam transmitidas ao mundo islâmico e, eventualmente, ao Ocidente. Portanto, ele pode ser considerado um dos grandes patronos do saber na sua época, contribuindo significativamente para a continuidade e o avanço do conhecimento antigo.

A bem dizer, o retrocesso intelectual no mundo muçulmano deu-se depois de os otomanos terem tomado Constantinopla, e a elite do conhecimento ter fugido para ocidente, dando origem à Renascença Europeia, ou época do Renascimento. A tomada de Constantinopla pelos otomanos em 1453, sob o comando de Mehmed II, é frequentemente vista como um marco significativo na história mundial, tanto para o Império Otomano quanto para a Europa Ocidental. No entanto, a ideia de que o retrocesso intelectual no mundo muçulmano foi diretamente causado por essa conquista, e que a fuga da elite do conhecimento para o Ocidente deu origem à Renascença, é uma simplificação que requer uma análise mais detalhada.

É claro que as regressões civilizacionais não se dão de um dia para o outro. E do mesmo modo, o retrocesso intelectual no mundo islâmico não foi abrupto sob a ação direta da tomada de Constantinopla, que depois passou a ser Istambul. A ciência e a cultura islâmicas continuaram em vários centros ao longo do período otomano. O período de estagnação em algumas áreas do conhecimento no mundo islâmico pode ser atribuído a vários fatores internos e externos, como a instabilidade política, mudanças económicas e o enfraquecimento das instituições científicas e educacionais tradicionais.

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