segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A oportunidade do degelo a Norte para as migrações Sul-Norte





Talvez seja necessário convencer as comunidades dos países do Norte a sere amigáveis com a imigração de zonas superpovoadas do Sul onde não vai ser possível viver. Ou seja, vai ter de haver uma grande movimentação de populações para territórios mais a Norte, que ficarão livres com o degelo. A migração em massa será um dos maiores desafios globais nas próximas décadas, especialmente com o agravamento da crise climática em regiões superpovoadas do Sul global. A redistribuição populacional para o Norte — com territórios que se tornarão mais habitáveis devido ao degelo — pode ser uma das únicas soluções viáveis para milhões de pessoas que perderão as suas casas e meios de subsistência.

Essa realidade, no entanto, enfrentará uma série de resistências políticas, culturais e económicas. Os países do Norte, já sob pressões económicas internas por causa das guerras que se adivinham, e as questões de identidade, terão que lidar com o aumento da imigração, o que exigirá novas abordagens e soluções políticas.

Os movimentos migratórios de grande escala enfrentarão resistência por parte de países do Norte. O crescimento do populismo e do nacionalismo em muitas dessas regiões é um indicador de que a aceitação de migrantes não será uma tarefa simples. Líderes políticos que capitalizam o medo da imigração em larga escala já estão em ascensão, como Marine Le Pen na França e Donald Trump nos EUA, refletindo uma resistência crescente às mudanças demográficas. No entanto, com o agravamento da crise climática e humanitária, a pressão para lidar com esse fluxo será inevitável, e governos terão que enfrentar a questão de como integrar milhões de novos migrantes.

Há que encarar com coragem uma nova geopolítica do degelo. À medida que o degelo liberta novas áreas no norte da América, Europa e Rússia, essas regiões podem-se tornar pontos cruciais de atração para populações migrantes. Contudo, isso gerará novas disputas geopolíticas e ecológicas. A questão do uso de novos recursos libertados pelo degelo (como petróleo, gás e terras aráveis) já está gerando tensões entre potências como os EUA, Rússia e Canadá. Essas áreas libertadas podem-se tornar o novo "Eldorado climático, mas a competição por controlo dessas terras e a resistência à imigração em massa podem gerar novos conflitos e tensões globais. Daí que sejam necessárias políticas de migração que sejam globais.




Com uma população envelhecendo, muitos países do Norte podem, eventualmente, perceber a imigração como uma solução para a falta de mão de obra e o colapso de sistemas de bem-estar social. A aceitação de imigrantes poderá transformar-se num imperativo económico em vez de uma mera concessão humanitária. Se bem gerida, essa nova realidade pode levar a uma transformação económica, com novas forças de trabalho ajudando a revitalizar economias estagnadas. No entanto, o sucesso disso dependerá da implementação de políticas de integração eficazes e da superação de tensões sociais.

Mesmo as áreas libertadas pelo degelo terão seus próprios desafios ambientais. A colonização dessas áreas precisará ser feita com cautela para evitar desastres ecológicos, pois as terras libertadas pelo derretimento do permafrost podem ser ambientalmente frágeis e vulneráveis à exploração irresponsável. Além disso, o degelo pode libertar novos problemas, como doenças há muito congeladas e gases de efeito estufa presos no gelo.

Há também um desafio ético em jogo. As populações do Norte global, que em grande parte contribuíram historicamente para a crise climática por meio de seus modelos de consumo, terão a responsabilidade moral de acolher aqueles que sofrem desproporcionalmente por essas crises. Convencer as sociedades do Norte a aceitar essa responsabilidade moral será uma tarefa complexa, mas vital, para a manutenção da justiça global. Em resumo, as resistências à imigração terão de ser superadas por uma combinação de realidades económicas, imperativos éticos e pressão climática. A movimentação de populações será inevitável, e a habilidade das nações de lidar com essa nova realidade definirá o futuro da ordem global.

Dada a grande extensão territorial da Rússia e a baixa demografia, e a grande demografia da China e da Índia, estes países podem entender-se daqui a alguns anos quando pelo menos a Rússia e eventualmente a China mudar para regimes menos bélicos e mais amigáveis. Mas antes disso, vão ter de passar por um período mais bélico. Será essa a dinâmica que mais interessa ao mundo, entre a geopolítica e as questões demográficas e territoriais. A Rússia, com vastas extensões de terra e baixa densidade populacional, pode tornar-se um parceiro estratégico para países como a China e a Índia, que enfrentam desafios opostos, como alta densidade populacional e pressões sobre recursos. No entanto, antes que essa parceria mais amigável e cooperativa aconteça, é provável que enfrentemos um período de maior tensão e militarismo.

O aumento das tensões militares entre a Rússia e o Ocidente, assim como o papel assertivo da China no cenário global, sugere que tanto Moscovo como Pequim ainda estão numa fase de afirmação de poder, especialmente em termos territoriais e de influência. O conflito na Ucrânia e as disputas no Mar do Sul da China são exemplos dessa postura. A combinação de fatores como disputas territoriais, influência regional e competições por recursos naturais pode prolongar um período bélico antes de qualquer reconciliação. Após esse período de tensões, pode haver uma transição para regimes mais cooperativos. As pressões internas — demográficas, económicas e ambientais — podem forçar Rússia e China a buscarem cooperação mais pragmática, especialmente à medida que as mudanças climáticas reconfiguram a geopolítica dos recursos naturais. O degelo na Rússia, por exemplo, pode libertar terras férteis e recursos hídricos que seriam vitais para uma China com escassez de terras agrícolas e água.

Se as coisas não correrem tão mal, e esses países passarem por regimes mais amigáveis e menos bélicos, isso poderá resultar de uma transformação política interna ou do reconhecimento da necessidade de cooperação diante de crises globais, como as mudanças climáticas e a escassez de recursos. A Rússia, com suas vastas terras e recursos naturais, e a China, com sua capacidade de produção e capital humano, podem-se complementar em um cenário futuro de cooperação. A Índia, com sua enorme população e crescimento económico, também terá um papel crucial. Embora atualmente haja tensões entre China e Índia, ambos os países enfrentarão desafios semelhantes no que diz respeito ao uso de recursos naturais e às mudanças climáticas. Eventualmente, a Índia pode se juntar a essa rede de cooperação, especialmente se a necessidade de novos territórios e recursos se tornar um imperativo comum.

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