terça-feira, 10 de setembro de 2024

Os sinais dos tempos para uma nova ordem mundial - 1º andamento



No dinamismo das ideologias dominantes do último século, o comunismo, o fascismo, e o liberalismo representaram respostas a crises políticas, económicas e sociais de seus tempos, mas o declínio destas ideologias ou a sua transformação em algo menos visível é um tema de primordial interesse nestes anos 20 do século XXI. Se considerarmos que o liberalismo está em declínio, poderíamos especular o que vem a seguir.

Neonacionalismo e Populismo – : Estamos a ver o ressurgimento de movimentos que misturam elementos de nacionalismo exacerbado com desconfiança nas instituições liberais. Estes movimentos, presentes tanto em democracias ocidentais como em regimes autoritários, parecem uma reação à globalização, à imigração e à desigualdade económica. No entanto, ainda não formam uma ideologia robusta que poderia ser considerada sucessora do liberalismo.

Com o avanço da inteligência artificial, da biotecnologia e das grandes corporações tecnológicas, há uma crescente confiança na tecnocracia, ou seja, no governo baseado em conhecimento técnico-científico. A integração do transumanismo, que busca transcender as limitações humanas através da tecnologia, também pode formar uma ideologia que foca no aperfeiçoamento humano por meios tecnológicos. As crises ambientais podem também dar origem a novas ideologias focadas na sustentabilidade radical. O socialismo ecológico, que une preocupações ambientais com justiça social, poderia ganhar força. Alternativamente, o autoritarismo ecológico, onde os governos justificam medidas restritivas em nome da sobrevivência planetária, pode emergir.

Por outro lado, haverá uma crescente fragmentação ideológica, em vez de uma ideologia dominante. Mas isso também acarretará uma maior dispersão e não uma aproximação para consensos. O ambiente ficará propício para o aprofundamento da anomia, onde as normas sociais se tornam menos claras e o sentido de coesão social diminui. As autocracias que já existem, e as que ameaçam vencer como Marine Le Pen em França, e Trump nos USA, tudo indica que se aproximam tempos das autocracias.

Sim, a ascensão de líderes como Marine Le Pen na França e Donald Trump nos EUA, além de muitos outros movimentos populistas em diferentes partes do mundo, sugere um possível retorno ou intensificação das autocracias, especialmente nas democracias ocidentais. Esse fenómeno pode ser visto como uma reação às falhas percebidas do liberalismo global, que, aos olhos de muitos, não conseguiu lidar com a crescente desigualdade, a erosão da identidade nacional e a crise económica.

A democracia liberal tem enfrentado uma crise de legitimidade em várias partes do mundo. Muitos cidadãos sentem que os sistemas democráticos, tal como existem, falharam em fornecer segurança económica e justiça social. Isso tem levado ao crescimento do populismo, que se apresenta como uma resposta rápida e "fácil" aos problemas complexos, muitas vezes utilizando uma retórica autoritária. Com a globalização, muitos países confrontaram-se com fluxos migratórios intensos e mudanças culturais rápidas. Isso gerou um aumento do nacionalismo com tiques autocráticos, com a ideia de que era preciso recuperar a soberania e a identidade nacional. A vigilância em massa, as redes sociais manipuladas e a propaganda digital fornecem ferramentas poderosas para regimes autoritários consolidarem o seu poder e controlarem a narrativa política. Em suma, principalmente nos EUA, e em partes da Europa, há uma erosão das instituições democráticas. Quando líderes populistas desrespeitam as normas tradicionais ou desafiam o estado de direito, isso pode enfraquecer as fundações democráticas e abrir espaço para um governo mais autoritário. Durante períodos de crise em todas as frentes, o desejo por estabilidade e ordem leva as pessoas a aceitar ou mesmo buscar líderes fortes, mesmo que isso signifique abrir mão de certas liberdades.

Há semelhança na raiz fenomenológica, com outras crises da História, o que difere é a roupagem. Com as redes sociais e a inteligência artificial, são os magnatas dessas indústrias os verdadeiros ditadores. Esse é o ponto crucial da mudança que estamos a presenciar: enquanto a raiz fenomenológica das novas autocracias parece semelhante à de regimes autoritários do passado, a "roupagem" moderna dessas autocracias é tecnologicamente mais sofisticada. As redes sociais e a inteligência artificial não apenas facilitam, mas também remodelam a forma como o poder é exercido, colocando os magnatas da tecnologia em uma posição central.

As redes sociais e algoritmos de IA permitem uma manipulação quase instantânea da opinião pública. Os "magnatas" da tecnologia — que controlam as grandes plataformas digitais —, muitas vezes, possuem mais poder para moldar perceções do que líderes políticos tradicionais. Através da personalização de conteúdo, as pessoas são expostas a bolhas informativas, criando divisões sociais profundas e alimentando a polarização, o que facilita o crescimento de movimentos autocráticos.

As grandes corporações tecnológicas utilizam nossos dados pessoais para prever e influenciar comportamentos. Essa capacidade de vigilância em massa, associada a IA, pode ser utilizada por governos autocráticos para controlar a população de formas que seriam impossíveis nas autocracias do século XX. Não são apenas os governos que entram em casa dos cidadãos. É também a Nova Elite Tecnocrática. Os verdadeiros detentores do poder parecem estar mudando de políticos tradicionais para uma elite tecnocrática composta pelos unicórnios da tecnologia digital. Eles têm o poder de influenciar eleições, controlar discursos e até de "cancelar" ou banir vozes dissidentes em plataformas que atingem milhões de pessoas. Isso cria uma nova forma de autoritarismo, mais subtil, mas não menos perigosa.

Regimes autocráticos modernos podem utilizar IA e sistemas automatizados para monitorizar e suprimir dissidências. Na China, por exemplo, o sistema de crédito social e a vigilância digital são exemplos concretos de como a tecnologia é usada para controlar os cidadãos em tempo real. Esse modelo pode servir de inspiração para outros regimes, que veem a eficiência tecnológica como uma forma de manter o poder de maneira quase invisível. A grande diferença entre o passado e o presente é que, embora os ditadores tradicionais controlassem os meios de comunicação e a propaganda, hoje a máquina de controlo é muito mais ampla, eficiente e global, e os seus operadores são, muitas vezes, invisíveis.

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