quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Que secularização para o Médio Oriente?


A Irmandade Muçulmana, fundada em 1928 por Hassan al-Banna, era originalmente um movimento social e religioso que buscava reformar a sociedade egípcia de acordo com os princípios islâmicos. Inicialmente, o movimento concentrava-se em atividades de caridade, educação e assistência social, mas gradualmente evoluiu a sua natureza política no sentido de uma forma de governo baseado na Sharia e na doutrina do movimento do Wahhabismo da Arábia Saudita, que começou no século XVIII, fundado por Muhammad ibn Abd al-Wahhab.

Muhammad ibn Abd al-Wahhab defendia uma interpretação rigorosa e puritana do Islão. Com o apoio da Casa de Saud, o Wahhabismo eventualmente influenciou a criação do Estado moderno da Arábia Saudita e teve um impacto duradouro no mundo islâmico. No final do século XIX e Início do século XX, a queda do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial, e a subsequente colonização de muitas terras muçulmanas pelas potências europeias, levaram a um aumento do ressentimento e a um desejo de renovação islâmica, o que motivou alguns movimentos islâmicos a adotar posições mais radicais.

Sayyid Qutb foi um intelectual e escritor egípcio que se juntou à Irmandade Muçulmana na década de 1950. Originalmente, ele era um crítico literário secular, mas, após uma estadia nos Estados Unidos, onde ficou desiludido com o materialismo ocidental, voltou ao Egito com uma visão mais radical do Islão. Ele acreditava que o mundo islâmico estava corrompido por ideologias ocidentais e precisava ser purificado e restaurado de acordo com os princípios islâmicos. Ele defendia a jihad como um meio para alcançar essa transformação, uma visão que influenciaria profundamente o pensamento jihadista moderno. Qutb foi preso em 1954 durante a repressão de Nasser à Irmandade Muçulmana. Ele foi libertado em 1964, mas preso novamente em 1965 sob acusações de conspiração contra o governo. Em 1966, Qutb foi condenado à morte e executado. Sua execução, no entanto, fez dele um mártir para muitos islamistas e suas ideias continuaram a influenciar movimentos radicais.

As ideias de Sayyid Qutb tiveram um impacto duradouro não só na Irmandade Muçulmana, mas também em movimentos jihadistas globais. Ele é frequentemente citado como uma das figuras intelectuais mais importantes para o desenvolvimento do Islão político radical. Após a morte de Qutb, a Irmandade Muçulmana continuou a ser uma força importante no Egito, apesar da repressão. Embora o movimento tenha passado por períodos de pragmatismo político e moderação, as ideias de Qutb continuaram a influenciar facções mais radicais dentro do grupo e em outros movimentos islâmicos. Em suma, a reabilitação e radicalização da Irmandade Muçulmana sob a influência de Sayyid Qutb durante o período de Nasser foi um desenvolvimento crucial no Islão político, com implicações que se estendem até aos dias de hoje.

Estes são os factos que destacam alguns dos momentos chave na radicalização de certos segmentos do mundo islâmico na contemporaneidade. A partir da década de 1980, grupos islâmicos começaram a ganhar mais influência política, social e cultural em vários países do Médio Oriente. Partidos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito, ganharam destaque. Inclusivamente, e em alguns países do Médio Oriente começou a verificar-se uma regressão no processo de secularização que se vinha verificando depois da Primeira Guerra Mundial, e com a queda do Império Otomano. A legislação, a pouco e pouco começou a introduzir regras enfatizadas pela Sharia (lei islâmica). 

Após o colapso do Império Otomano no final da Primeira Guerra Mundial, várias novas nações foram formadas no Médio Oriente, muitas delas sob a influência ou controlo colonial das potências europeias. Essas nações adotaram, em grande parte, modelos seculares de governo, inspirados nos sistemas europeus. Por exemplo, a Turquia, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, tornou-se um dos principais exemplos de um Estado secular no mundo islâmico. Até cerca de 1980, muitos países do Médio Oriente haviam experimentado um processo de secularização, ou seja, uma diminuição da influência da religião na vida pública com um aumento das instituições políticas seculares. No entanto, a partir da década de 1980, verificou-se um retrocesso nesse processo, com um ressurgimento do Islão político e um aumento da influência religiosa nos assuntos de Estado.

Nasser havia chegado ao poder em 1952, após um golpe militar que derrubou a monarquia egípcia. O período das décadas de 1950 e 1960 viu a ascensão de líderes nacionalistas seculares no Médio Oriente, como Gamal Abdel Nasser no Egito, que defendia o pan-arabismo e o socialismo árabe. 
Nasser, um nacionalista árabe secular, viu a Irmandade Muçulmana como uma ameaça ao seu projeto de modernização e unificação árabe baseado em princípios seculares e socialistas. Em 1954, após uma tentativa de assassinato de Nasser, atribuída à Irmandade Muçulmana, o grupo foi banido e muitos dos seus membros foram presos.

Muitos regimes do Médio Oriente nesse período eram seculares e adotavam políticas que favoreciam a educação secular, a reforma agrária e o desenvolvimento económico, muitas vezes com base em modelos socialistas. Durante a Guerra Fria, muitas nações do Médio Oriente foram influenciadas pelas potências ocidentais que promoviam o secularismo. A secularização era vista como uma forma de modernização e um caminho para o desenvolvimento nacional. Hoje, muitos países do Médio Oriente vivem um ressurgimento do Islão na esfera pública e política, contrastando com as tendências secularistas do passado. No entanto, o nível de secularização varia amplamente de país para país, e em alguns casos, há uma coexistência tensa entre forças seculares e religiosas.

Portanto, novos líderes políticos procuraram modernizar as suas nações e reduzir a influência da religião na política. No entanto, já durante o governo de Nasser, no Egito, a Irmandade Muçulmana, que já existia desde a década de 1920, não lhe deu vida fácil com a persistente reabilitação ideológica, que foi muito significativa sob a liderança de Sayyid Qutb. E foi toda a perseguição de Nasser à Irmandade Muçulmana que levou à sua maior radicalização. Essa radicalização foi crucial para o que se vive hoje na Palestina em que o braço político do Hamas abraçou toda a ideologia que havia sido fixada por Sayyid Qutb.

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