domingo, 8 de setembro de 2024

Contexto da Guerra Civil Libanesa



Um conflito complexo que envolveu várias facções religiosas e políticas, incluindo cristãos maronitas, muçulmanos sunitas e xiitas, drusos, e palestinos. A guerra foi caracterizada por lutas internas entre estas facções, além de interferências de potências estrangeiras como a Síria, Israel, e organizações como a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

O crescimento do islamismo militante no Líbano durante este período foi em parte influenciado por eventos regionais. A Revolução Islâmica no Irão em 1979, que levou ao estabelecimento de um estado teocrático xiita, inspirou movimentos islâmicos em todo o Médio Oriente, incluindo o Líbano. Além disso, a repressão brutal na Síria fez com que alguns militantes islâmicos procurassem refúgio ou apoio no Líbano, contribuindo para a radicalização local. Um dos grupos islâmicos mais significativos a emergir durante este período foi o Hezbollah, um movimento xiita fundado em 1982 com o apoio do Irão. O Hezbollah nasceu em resposta à invasão israelita do Líbano em 1982 e tornou-se uma força poderosa não apenas do ponto de vista político, mas também militar. O grupo foi inspirado pelo modelo iraniano de governo islâmico e defendia a criação de uma república islâmica no Líbano.

Enquanto o Hezbollah representava os interesses xiitas, grupos sunitas também começaram a se mobilizar. A Irmandade Muçulmana e grupos associados tinham uma presença no Líbano, especialmente nas cidades de Trípoli e Sidon. Embora menos influentes do que no Egito ou na Síria, esses grupos começaram a desempenhar um papel na resistência sunita ao domínio xiita e à presença de forças estrangeiras no país. No contexto da Guerra Civil Libanesa, a rivalidade entre facções sectárias levou a uma escalada de violência. Os militantes islâmicos - sunitas e  xiitas - engajaram-se em combates não apenas contra forças estrangeiras, mas também entre si e contra outras facções religiosas e políticas.

A Síria, sob o comando de Hafez al-Assad, desempenhou um papel crucial na Guerra Civil Libanesa. Assad enviou tropas sírias para o Líbano em 1976 com o pretexto de restaurar a paz, mas a presença síria foi vista por muitos como uma ocupação e um meio de controlar a política libanesa. A Síria apoiava diferentes facções ao longo do conflito, mas o seu papel foi frequentemente motivado pela necessidade de manter a influência sobre o Líbano e neutralizar ameaças internas, como a Irmandade Muçulmana.

O período de 1979 a 1982 foi crítico para a consolidação de grupos islâmicos militantes no Líbano. O Hezbollah, em particular, emergiu como um ator importante no cenário libanês, transformando-se numa das forças mais influentes do país. A Guerra Civil Libanesa também radicalizou outras facções, aprofundando as divisões sectárias que continuariam a marcar a política libanesa. A criação do Hezbollah e o fortalecimento de grupos xiitas no Líbano foram facilitados pelo apoio iraniano, o que resultou num aumento da influência iraniana na região. Este alinhamento xiita transnacional entre o Irão e os seus aliados no Líbano e Síria marcou uma característica duradoura da geopolítica do Médio Oriente.



Raghib Harb [1952 - 1984]

Raghib Harb, o líder xiita libanês e mentor do Hezbollah, foi alvo de um atentado em 1985. No entanto, o Sheikh Fadlallah, um importante líder xiita libanês, e uma figura influente no Hezbollah, também sofreu um atentado em 8 de março de 1985. Ele estava dentro de um automóvel quando uma bomba explodiu nas proximidades da sede do Hezbollah em Beirute. O ataque foi claramente direcionado a Fadlallah visando provavelmente desestabilizar o Hezbollah ou eliminar uma liderança crítica do grupo. Apesar da magnitude do ataque e das consequências devastadoras para os outros ao seu redor, Sheikh Fadlallah sobreviveu ileso. O atentado resultou na morte de várias pessoas e causou ferimentos a muitas outras, mas Fadlallah escapou sem ferimentos. O atentado foi atribuído a grupos adversários e inimigos políticos de Fadlallah e do Hezbollah. Embora não tenha sido confirmada a identidade dos perpetradores, muitos acreditam que grupos apoiados por Israel, como as Forças Libanesas (Falangistas), poderiam estar por trás do ataque. O período durante o qual o atentado ocorreu era um momento de intensa violência e instabilidade no Líbano. 

A sobrevivência de Fadlallah ao atentado consolidou ainda mais a sua posição como uma figura central no Hezbollah e no movimento xiita. Ele continuou a exercer uma influência significativa sobre o grupo e a política libanesa nos anos seguintes. Fadlallah permaneceu uma figura respeitada entre muitos xiitas e seguidores do Hezbollah. Sua sobrevivência ao atentado e o seu contínuo papel de liderança foram vistos como uma demonstração de resiliência frente à violência e às tentativas de silenciamento da sua voz. 



Fadlallah [1935 - 2010]

Khomeini e a liderança iraniana adotaram a política de exportar a revolução islâmica, especialmente para países com grandes populações xiitas. O Irão procurou expandir a sua influência no Líbano, no Iraque e em outras partes do mundo islâmico, promovendo a ideia de que as comunidades xiitas deveriam seguir o exemplo iraniano e estabelecer governos islâmicos.

No Líbano, a Revolução Islâmica teve um impacto direto na criação e no fortalecimento do Hezbollah. Este grupo xiita, fundado em 1982 com o apoio financeiro e militar do Irão, tornou-se uma extensão da revolução iraniana no Líbano. O Hezbollah adotou a ideologia de Khomeini e lutou contra a presença israelita no Líbano, ao mesmo tempo que promovia a criação de um estado islâmico. Embora a revolução fosse principalmente um movimento xiita, ela também teve um impacto sobre grupos sunitas. Por exemplo, a Irmandade Muçulmana e outros grupos islamistas sunitas no Médio Oriente viram a revolução como um modelo para desafiar regimes seculares ocidentais em seus próprios países, embora com diferenças teológicas significativas. A revolução exacerbou as tensões sectárias entre sunitas e xiitas na região. No contexto da Guerra Civil Libanesa, por exemplo, o apoio iraniano ao Hezbollah xiita aumentou as divisões com os grupos sunitas e cristãos no Líbano. Além disso, a Síria e seu regime alauíta (uma ramificação do xiismo), manteve uma aliança estratégica com o Irão, o que aprofundou a divisão sectária na região. Muitos estados árabes sunitas, como a Arábia Saudita, viram a Revolução Iraniana como uma ameaça existencial. O Irão revolucionário passou a ser percebido como um adversário regional que buscava exportar a sua revolução e minar os regimes árabes sunitas. Esta rivalidade entre o Irão xiita e as monarquias sunitas árabes tornou-se o pano de fundo central da política do Médio Oriente.

A Revolução Islâmica de 1979 no Irão foi um evento transformador que não só alterou a estrutura política interna do Irão, mas também teve um impacto duradouro em todo o Médio Oriente. A revolução inspirou e fortaleceu movimentos islâmicos, tanto xiitas quanto sunitas, e contribuiu para a escalada de tensões sectárias e geopolíticas na região. No Líbano e na Síria, o efeito da revolução iraniana foi particularmente pronunciado, com o surgimento de grupos como o Hezbollah e o aumento da polarização sectária que continua a influenciar a dinâmica regional até hoje. Durante a Guerra Civil Libanesa, Israel aliou-se aos falangistas libaneses, uma milícia cristã maronita liderada pela família Gemayel. Essa aliança foi uma parte importante da intervenção de Israel no Líbano, culminando na invasão do país em 1982.

A Falange Libanesa, conhecida oficialmente como o Partido Kataeb, foi fundada por Pierre Gemayel, e representava os interesses da comunidade cristã maronita no Líbano. Durante a Guerra Civil, a Falange se tornou uma das principais forças maronitas, defendendo um Líbano cristão em oposição a vários grupos islamistas onde se incluíam também os palestinos. Tanto falangistas como israelitas tinham a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) como uma ameaça. Os falangistas se opunham à presença da OLP no Líbano, que eles viam como um fator desestabilizador. Israel via a OLP como um inimigo direto que usava o sul do Líbano como base para ataques contra Israel. Em junho de 1982, Israel lançou a operação Paz para a Galileia, e invadiu o sul do Líbano em grande escala. O objetivo declarado era eliminar as bases da OLP que estavam a ser usadas para lançar ataques contra o norte de Israel. No entanto, a operação se expandiu rapidamente ao ponto de cercar Beirute. 

Um dos acontecimentos mais infames, associado à aliança entre Israel e os falangistas, foi o massacre dos palestinos em Sabra e Shatila. Em setembro de 1982, após a retirada das forças da OLP de Beirute, sob um acordo de cessar-fogo, as milícias falangistas entraram nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, localizados em Beirute Ocidental, e perpetraram um massacre que resultou na morte de centenas de civis palestinos (algumas estimativas colocam o número em milhares). As forças israelitas, que estavam cercando a área, permitiram a entrada das milícias e foram acusadas de cumplicidade por não terem intervindo para impedir o massacre. Ariel Sharon era o Ministro da Defesa de Israel, e o principal responsável por não ter feito nada para evitar o massacre. A principal justificação dada para a invasão de Israel foi a necessidade de lidar com os ataques transfronteiriços da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) contra o norte de Israel. A OLP, liderada por Yasser Arafat, havia estabelecido bases no sul do Líbano e utilizava o território libanês como base para ataques contra Israel.

Uma das principais funções da força multinacional foi supervisionar e garantir a retirada segura das forças da OLP e dos seus aliados de Beirute. Sob um acordo mediado por Estados Unidos, França e Itália, a OLP concordou em se retirar da cidade, e a força multinacional ajudou a garantir que a evacuação ocorresse sem maiores incidentes. A força de interposição também tinha o objetivo de estabilizar a situação em Beirute, garantindo segurança e ordem em um ambiente caótico e de alta tensão. Eles desempenharam um papel na proteção de civis e na manutenção de uma relativa paz durante o período de transição. A presença da força multinacional foi marcada por desafios e riscos. Em outubro de 1983, um ataque suicida devastador contra a sede dos fuzileiros navais americanos em Beirute resultou na morte de 241 soldados americanos. Outro ataque suicida contra o quartel francês resultou na morte de 58 soldados franceses. Esses ataques foram perpetrados pelo grupo extremista xiita Hezbollah. Após os ataques, a pressão para a retirada das forças internacionais aumentou. Em fevereiro de 1984, as forças multinacionais começaram a se retirar do Líbano, e a missão foi oficialmente encerrada. A retirada foi uma medida para evitar mais baixas e reduzir o risco para as tropas estrangeiras.

A intervenção internacional, apesar de ter ajudado a facilitar a saída da OLP e a estabilizar a situação em um curto prazo, não conseguiu resolver as causas subjacentes da Guerra Civil Libanesa. O Líbano continuou a enfrentar uma profunda instabilidade e violência sectária, e a presença de Hezbollah e outros grupos armados persistiu. Israel foi amplamente criticado por sua responsabilidade indireta no massacre, pois as forças israelitas cercaram a área e permitiram a entrada das milícias falangistas. Uma comissão em Israel, a Comissão Kahan, concluiu que Sharon, como Ministro da Defesa, era parcialmente responsável pelo massacre. As recomendações da Comissão foram a sua demissão. 

Apesar de todo aquele aparato, Israel não conseguiu alcançar os objetivos de longo prazo no Líbano. A tentativa de instalar Bashir Gemayel, líder dos falangistas e presidente eleito do Líbano, como um aliado pró-Israel foi frustrada, pois ele acabaria por ser assassinado já em setembro de 1982. Israel retirou-se da maior parte do Líbano em 1985, mantendo uma "zona de segurança" no sul do Líbano até 2000. A ocupação prolongada alimentou a resistência, particularmente do Hezbollah, que emergiu como uma força significativa no Líbano com o apoio do Irão e da Síria.

Além de neutralizar a ameaça da OLP, Israel tinha o objetivo estratégico de influenciar o equilíbrio de poder no Líbano. O plano incluía apoiar as milícias cristãs maronitas, como a Falange Libanesa liderada pelos Gemayel, e estabelecer um governo pró-Israel em Beirute. A aliança entre Israel e os falangistas de Gemayel foi um episódio lamentável durante a Guerra Civil Libanesa, refletindo as complexas alianças e hostilidades de um conflito sem solução. Embora tenha sido uma tentativa de alterar o equilíbrio de poder no Líbano, a aliança não conseguiu estabilizar o país ou garantir uma paz duradoura, resultando em consequências tanto para o Líbano como para Israel que se arrastam ainda nos dias de hoje.

Após a invasão, Israel retirou suas tropas da maior parte do Líbano, mas manteve uma "zona de segurança" no sul do país até 2000. A presença israelita no Líbano tornou-se um ponto de intensa resistência, particularmente por parte do Hezbollah, que se formou em grande parte como uma resposta à ocupação israelita. A invasão e o massacre exacerbaram as divisões sectárias e o sofrimento no Líbano, agravando a guerra civil e levando a uma maior radicalização dos diversos grupos em conflito. A intervenção de Israel deixou um legado de animosidade e desconfiança que persiste.

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