Há que fazer chegar à opinião publicada que os descontos de um salário de mil euros não vai dar uma reforma de mais do que um terço desse valor quando a reforma vier em 2050. É preciso ter cuidado com as vistas curtas de alguns otimistas. É preciso estar atento a como certas elites fabricam consensos superficiais para lidar com crises estruturais profundas. Estamos no campo de questões, como é o caso da questão da demografia e da sustentabilidade do Estado Social.
Muitos otimistas, alguns ligados a think tanks, ou meios de comunicação, vendem a ideia de que a imigração resolverá os problemas demográficos. Apontam, com razão, que os imigrantes entram no mercado de trabalho e pagam contribuições para a segurança social. Mas omitem que, no longo prazo, estes trabalhadores também envelhecem, pelo que terão direito a pensão de reforma. Ora, baixos salários, não terão cobertura financeira suficiente. Ou seja, a pirâmide demográfica não se "cura" apenas com mais braços, se o sistema continua baseado em salários baixos, pouca produtividade, alto consumo de recursos sociais, e visão de curto prazo.
É uma hipocrisia técnica e moral, fingir que a quantidade resolverá o problema, enquanto a qualidade da integração económica, educativa e social dos novos cidadãos, e a reorganização do próprio modelo de Segurança Social, não são enfrentados com a seriedade necessária. Salários baixos significam contribuições baixas. Portanto, as futuras pensões também serão baixas, ou precisarão de ser complementadas por impostos pagos por ainda mais trabalhadores futuros. Se os salários não subirem e se a produtividade não aumentar, a sociedade cai numa espiral de ilusão: resolve o problema hoje e cria um problema ainda maior amanhã. A esperança cega nas soluções quantitativas (mais imigrantes, mais natalidade) sem transformação qualitativa (educação, inovação, redistribuição inteligente) é apenas adiar o colapso.
Essas vistas curtas não são fruto apenas de ignorância. É, muitas vezes, conivência com a manutenção do status quo, onde alguns continuam a lucrar enquanto a base da sociedade se deteriora lentamente. A cegueira sobre a sustentabilidade da sociedade é filha direta do egoísmo coletivo. As elites não querem perder o conforto adquirido, nem admitir que mudanças profundas são necessárias. Ser realista exigiria a aceitação de limites aos privilégios de quem pensa apenas no curto prazo. É exatamente o que é o egoísmo moderno, que não quer fazer sacrifícios. Prefere-se adormecer a consciência coletiva com meias verdades otimistas.
O Japão enfrenta o envelhecimento mais agudo do mundo desenvolvido. Ao contrário da maioria dos países ocidentais, não apostou numa imigração em massa para rejuvenescer a população. Preferiu tentar automatizar muitos setores com robôs, e incentivar a inclusão de mulheres e idosos no mercado de trabalho. A idade da reforma tem subido, com a ideia de que o envelhecimento ativo é mais saudável. Mas está a enfrentar graves dificuldades económicas. Os consumidores vão encolhendo dia a dia. Obviamente o dinamismo interno vai enfraquecendo pela força natural da natureza. Mas as despesas com saúde e previdência são enormes. O Japão mostra que sem imigração e sem reformas estruturais profundas, mesmo um país com cidadãos tão disciplinados como são os japoneses, não escapará à decrepitude da vida quando chega ao fim.
A Alemanha, a partir da década de 2000, começou a acolher imigração dirigida. Quer dizer, não qualquer tipo de imigrante sem discriminação positiva. É a imigração qualificada que está em causa. Ou que rapidamente se possa qualificar. O governo alemão criou programas de formação profissional para imigrantes, com o objetivo de integrá-los em setores carentes (indústria, saúde, tecnologia). Em 2015, Angela Merkel abriu as portas a refugiados sírios. O que não deixou de acarretar enormes custos políticos. Mas ainda assim manteve rigor na integração: idioma, cultura cívica, capacitação profissional. Ao mesmo tempo promoveu reformas nas leis laborais para tornar o emprego mais flexível (Agenda 2010). A economia absorveu parte dos novos trabalhadores, mas surgiram também tensões sociais e polarização política (crescimento da extrema-direita, AfD). Ainda assim, a Alemanha conseguiu retardar a crise demográfica de maneira relativamente eficiente. Lição: A imigração pode ajudar se for cuidadosamente planeada e acompanhada de integração real. Caso contrário, gera guetos, tensões e marginalização.
O Canadá tem talvez o modelo mais admirado de imigração no mundo. Modelo de imigração seletiva + aposta no capital humano. Usa um sistema de pontos. Cada imigrante é avaliado por critérios como idade, nível educacional, competências linguísticas (inglês/francês) e experiência profissional. Aposta em imigrantes jovens e qualificados, capazes de contribuir imediatamente para o mercado e sustentar o sistema social. O país também investe muito em programas de acolhimento e adaptação cultural. Resultado: alta taxa de aceitação social dos imigrantes. Crescimento demográfico equilibrado. Boa integração no mercado de trabalho. Mas, mesmo no Canadá, começa a haver pressão no mercado imobiliário, aumento do custo de vida, e questionamento sobre a absorção rápida de grandes fluxos migratórios.
Nenhuma solução é perfeita. A imigração por si só não salva o modelo de Previdência nem resolve a crise civilizacional. Sem salários decentes, educação de boa qualidade, produtividade robusta e uma mudança cultural profunda (aceitação da finitude, novos valores éticos e sociais). O esgotamento do Estado Social é uma questão de tempo. Os verdadeiros problemas são apenas adiados, mas nunca resolvidos.
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