quarta-feira, 18 de junho de 2025

A orientação política de uma pessoa



A orientação política de uma pessoa resulta quase sempre de uma complexa combinação entre fatores biológicos, educativos, sociais e até circunstanciais. Mas também se pode dizer, que na questão de uma pessoa ser mais conservadora ou mais progressista, ou seja, respetivamente de direita ou de esquerda, há uma combinação entre a biologia e a educação. É certo que numa família conservadora pode haver um filho ou outro que adota uma postura contrária à da família. Mas será sempre uma combinação de fatores. Veja-se o caso de dois irmãos: Miguel Portas -- que foi dirigente do Bloco de Esquerda; e Paulo Portas -- de direita, que foi líder do CDS-PP.

O caso dos irmãos Miguel Portas e Paulo Portas é emblemático. Criados no mesmo meio familiar, com acesso a uma formação cultural e académica semelhante, seguiram trajetórias políticas profundamente diferentes: Miguel à esquerda, no Bloco de Esquerda; e Paulo à direita, no CDS-PP. Esse contraste mostra claramente que a educação familiar não determina por completo a ideologia política de um indivíduo, embora possa ter um papel relevante.

A ciência tem avançado bastante no estudo das bases biológicas e psicológicas das orientações políticas. Algumas investigações indicam que traços de personalidade com alguma base hereditária, como a abertura à experiência ou a aversão ao risco, podem ter alguma correlação com posturas mais progressistas ou conservadoras, respetivamente. Por outro lado, as experiências de vida, a leitura do mundo, os contactos sociais, as influências escolares e culturais, bem como os momentos históricos vividos moldam significativamente a visão política de cada um. A ideologia política é uma emergência de múltiplas camadas de influência -- biológicas, emocionais, familiares, sociais, educativas, culturais e até acidentais. E é isso que explica, entre outras coisas, que dois irmãos possam discordar profundamente e, mesmo assim, partilhar laços afetivos e uma origem comum.

Nos últimos anos, com o interesse mais generalizado pela Neurociência -- a que António Damásio não se eximiu com a larga divulgação dos seus livros, não apenas em Portugal, mas em muitos países -- de parceria com a psicologia evolutiva e genética comportamental várias linhas de investigação científica têm procurado explicar por que razão algumas pessoas tendem a ser mais conservadoras e outras mais progressistas.

Estudos de neuroimagem com a utilização da Ressonância Magnética funcional, têm mostrado algumas diferenças consistentes na estrutura e funcionamento do cérebro entre pessoas com diferentes orientações políticas. A amígdala (associada ao medo e à resposta emocional a ameaças) tende a ser maior ou mais reativa em pessoas conservadoras. Isso sugere uma maior sensibilidade à ameaça, à insegurança e ao desconhecido. O córtex cingulado anterior (associado à deteção de conflito e flexibilidade cognitiva) é, por vezes, mais ativo em pessoas progressistas, sugerindo maior tolerância à ambiguidade, mudança e complexidade. No entanto, é importante salientar que o significado destes estudos apenas mostra tendências estatísticas e não determinismos. São correlações, não causas diretas.

Estudos com gémeos idênticos e fraternos (como os conduzidos por Alford, Funk e Hibbing) mostram que há uma hereditariedade parcial da orientação política, estimada em cerca de 40-50%. Essa hereditariedade não está associada a uma "mão invisível política" no ADN, mas sim a traços de personalidade herdáveis. Por exemplo, a abertura à experiência tende a estar mais propensa a aderir a ideias progressistas ou de esquerda. E que o ensimesmamento da consciência é mais comum em pessoas conservadoras ou de direita. Não deve surpreender que uma possa se incline mais para um lado ou mais para o outro conforme o seu traço de personalidade seja do tipo introvertido ou do tipo extrovertido. 

Jonathan Haidt, no seu famoso livro The Righteous Mind, propõe que as pessoas de esquerda operam com bases morais diferentes dos de direita. Progressistas enfatizam mais valores como justiça, igualdade e cuidado com os vulneráveis; Conservadores valorizam também esses princípios, mas acrescentam outros como lealdade ao grupo, respeito à autoridade e purismo na tradição. Haidt argumenta que não se trata de afirmar que uma dessas orientações é melhor que a outra, mas que refletem respostas adaptativas a contextos históricos e sociais distintos.

Fatores como: classe social; traumas pessoais; educação; eventos históricos (ex.: revoluções, guerras, crises) -- podem levar alguém a adotar uma visão política que difere radicalmente daquela que seria de esperar atendendo ao seu contexto biológico e familiar. Por exemplo, alguém que cresceu em meio conservador, mas estudou em meio universitário progressista, e viveu em cidades multiculturais, pode reorientar-se ideologicamente para a esquerda. Por outro lado, uma pessoa inicialmente progressista pode tornar-se mais conservadora em resposta a experiências traumáticas, sensação de ameaça, ou desilusão com certas utopias.

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