quarta-feira, 18 de junho de 2025

O medo


O medo é, ao mesmo tempo, o motor da nossa sobrevivência e o veneno das nossas tragédias. Ele nasce para proteger a vida. Mas, como tudo que é muito poderoso, pode ser facilmente desviado ou exagerado, transformando-se em agressão, paranoia, ódio e guerras. Sem medo, não evitaríamos predadores, doenças, desastres naturais. Não nos precaveríamos contra ameaças invisíveis (inimigos, traições, riscos). Não cuidaríamos de quem amamos: proteger uma criança, um amigo. Pelo medo da perda. Portanto, o medo tem como principal função proteger, em absoluto, a vida de todos os perigos, ou potenciais perigos, venham eles de onde vierem, em que a nossa vida está constantemente em perigo. Sem medo, os seres humanos seriam extremamente vulneráveis a ameaças naturais e sociais. Já a raiva é uma espécie de sucedâneo complementar do medo que ajuda a proteger o indivíduo ou o grupo a ameaças ou injustiças produzidas por outros seres humanos.

Quando o medo é exagerado ou mal dirigido, vira ódio. Medo do que é diferente, medo do outro. Violência: ataque como forma de "defesa preventiva". Guerras: sociedades inteiras mobilizadas pelo medo do "inimigo". Opressão: controlo de grupos para evitar "ameaças internas". Desumanização: para não sentir culpa ao atacar, transforma-se o outro em algo "inferior". É ao mesmo tempo paradoxal: o medo protege a vida e, quando cresce demais, mata a vida. É quase como se o medo fosse um medicamento essencial, mas que, em doses erradas, se transforma em veneno letal. 
Em termos evolutivos, o excesso de medo foi, por muito tempo, mais "útil" do que a falta dele. Era melhor fugir de um ruído inofensivo do que ignorá-lo, uma vez que no caso de ser o rugido de um predador, a fuga evitaria o que se diz com humor: "já foste". O problema é que no mundo moderno, os medos continuam, mas os perigos reais são diferentes. E nós ainda carregamos no corpo e na mente um "sistema de alarme" muito primitivo.

Desde as primeiras organizações humanas, quem conseguiu dominar o medo coletivo conseguiu dominar o grupo. Nas sociedades antigas, os fenómenos naturais (relâmpagos, secas, doenças) eram vistos como ira divina. Sacerdotes e xamãs surgiram como intermediários: "Só nós sabemos como apaziguar os deuses". No Egito Antigo, o faraó era considerado filho dos deuses; desobedecê-lo era ofender as forças da natureza. Reis, imperadores e chefes de tribo justificaram a sua autoridade dizendo proteger o povo de invasores bárbaros, hereges, estrangeiros. O Império Romano justificava guerras preventivas alegando que os povos germânicos eram ameaças existenciais. No século XX, regimes totalitários criaram a figura do "inimigo interno e externo" (judeus, comunistas, estrangeiros).

A religião cristã medieval explorava intensamente o medo existencial ou escatológico - medo do Inferno e do Juízo Final - para manter a disciplina social. Indulgências vendidas: "Pague agora e evite o fogo eterno." Em muitos impérios asiáticos, também havia a noção de karma usado como instrumento de controlo social: "obedeça agora para ter boa sorte na próxima vida". O medo é, ainda hoje, talvez o "recurso natural" mais poderoso para governar.

Em suma: o medo é apenas uma das 12 emoções fundamentais do ser humano para a sobrevivência. 
Fazem parte de um programa evolutivo que começou a formar-se há dezenas de milhões de anos, quando os mamíferos começaram a depender cada vez mais uns dos outros para sobreviver. São elas: medo; raiva; amor; alegria; tristeza; nojo; surpresa; esperança; culpa; gratidão; vergonha; empatia. Sem estas emoções, o organismo morre antes de poder reproduzir-se ou contribuir para o grupo. Os mamíferos que cuidavam melhor uns dos outros tinham mais hipóteses de sobreviver em ambientes perigosos. Grupos de indivíduos mais cooperativos e menos conflituosos tiveram mais sucesso evolutivo. Não basta reagir; é preciso prever e preparar-se para o que pode vir. A seleção natural favoreceu os indivíduos que eram mais protetores de si mesmos, mais conectados com os outros, mais capazes de regular os seus comportamentos sociais, prevendo e planeando. Resultado: surgiu um ser vivo com uma arquitetura emocional muito sofisticada. Mas que ainda carrega traços ancestrais, muitas vezes em conflito com as necessidades modernas.

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