segunda-feira, 2 de junho de 2025

O mito do bom selvagem


Lawrence Keeley e Steven Pinker conseguiram desmascarar o embuste dos antropólogos pacifistas da segunda metade do século XX acerca do homem primitivo como um bom selvagem dando apoio a uma agenda política de esquerda rousseauniana.

Keeley foi um dos primeiros a compilar dados arqueológicos e etnográficos para demonstrar que a violência e a guerra eram comuns entre sociedades pré-estatais. Ele criticou abertamente o que chamou de "pacificação do passado" por parte de muitos antropólogos, que teriam ignorado ou minimizado evidências de conflito para sustentar uma visão política idealizada das sociedades primitivas como pacíficas, cooperativas e ecologicamente equilibradas. Keeley argumenta que, proporcionalmente, os índices de morte por violência entre caçadores-coletores e horticultores são frequentemente maiores do que em sociedades modernas organizadas.

Steven Pinker retoma e amplia a linha de argumentação de Keeley. Com base em dados históricos, arqueológicos e estatísticos, ele argumenta que a violência tem diminuído ao longo da história da humanidade, especialmente com o avanço do Estado, das instituições jurídicas, do comércio, da alfabetização e do Iluminismo. Pinker dedica um capítulo inteiro do seu livro: “Os Anjos Bons da Nossa Natureza” à crítica do mito do "bom selvagem", mencionando antropólogos como Margaret Mead e outros que, na sua visão, teriam ignorado ou distorcido evidências em nome de uma agenda progressista.

Keeley e Pinker acusam alguns antropólogos – frequentemente ligados a uma esquerda romântica e influenciados por Rousseau – de terem construído uma narrativa em que a guerra e a opressão surgem apenas com o advento do Estado, da propriedade privada ou da civilização. É a visão de pacifistas pós-modernos com uma feroz crítica à modernidade ocidental e à colonização. Pinker cita casos de tribos como os Yanomami, os Jívaro ou os Dani da Nova Guiné, onde a violência era endémica, mesmo sem qualquer influência de estados organizados e muito menos do capitalismo.

Há, de facto, um subtexto político nas abordagens de uma certa escola de antropólogos da era pós-moderna. Os antropólogos pacifistas tentavam oferecer uma crítica ao colonialismo, ao imperialismo e à violência institucionalizada da Idade Moderna Iluminista. Mas Keeley e Pinker acusam esse esforço de romantizar culturas que, na prática, também praticavam violência, tortura e opressão. Keeley e Pinker foram fundamentais para desconstruir a narrativa do homem primitivo como essencialmente pacífico. Eles forneceram argumentos empíricos robustos que minam essa visão, sugerindo que a violência é uma constante histórica da condição humana, não uma criação recente da civilização ocidental. A crítica que fazem não é apenas científica, mas também filosófica e política, contra o que consideram um viés ideológico no trabalho antropológico do século XX.

O caso de Napoleon Chagnon e os Yanomami (ou Yanomamö) – que se tornou emblemático no debate entre os que defendem a visão do “bom selvagem” e os que a refutam – é paradigmático. Napoleon Chagnon foi um antropólogo americano que viveu entre os Yanomami da Venezuela e do Brasil a partir da década de 1960. Sua obra principal, Yanomamö: The Fierce People (1968), rompeu com a visão romântica de sociedades indígenas pacíficas.

Descreveu os Yanomami como uma sociedade altamente violenta. Estimou que até 30% dos homens adultos morreram em conflitos intertribais. A violência era recorrente e incluía guerras, vinganças, raptos de mulheres e assassinatos. Argumentou que homens que haviam matado mais inimigos tinham mais esposas e filhos, sugerindo uma vantagem evolutiva da agressividade. Não faltaram críticas a Chagnon. Um dos críticos foi Marvin Harris. Outros se seguiram. Uma das maiores polémicas veio do livro Darkness in El Dorado (2000), de Patrick Tierney, que acusou Chagnon de má conduta ética. Acusações que mais tarde foram amplamente refutadas. A controvérsia refletia um choque entre dois paradigmas: o antropólogo que quer preservar uma imagem pacífica das sociedades indígenas e aquele que se propõe a investigá-las com rigor científico mesmo que isso confronte idealizações políticas.

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