domingo, 1 de junho de 2025

Dos povos pastoralistas


Um tema rico e multidimensional. Os povos pastoralistas – comunidades que baseiam a sua subsistência na criação de gado – têm, em muitos contextos históricos e antropológicos, uma forte correlação com estruturas patriarcais, poligâmicas e belicistas, com implicações na organização social, religiosa e moral.

Quem são os povos pastoralistas? São grupos humanos cuja economia gira predominantemente em torno da pecuária nómada ou semi-nómada. Exemplos clássicos incluem: Os massais da África Oriental; Os tuaregues e berberes do Saara; Os mongóis e outros povos das estepes da Ásia Central.

Eram também certos grupos semíticos antigos, como os hebreus antes da sedentarização, e tribos turcas e turcomanas pré-islâmicas. Alguns povos indo-europeus nas suas fases de expansão. A poligamia entre os pastoralistas está geralmente relacionada a acumulação de riqueza em gado, que permite ao homem manter múltiplas esposas. Um sistema em que mulheres são vistas como parte da riqueza reprodutiva: mais esposas significa mais filhos, mais mãos para trabalhar, mais prestígio. Em sociedades pastorais, reprodução numerosa é vista como segurança, tanto para o clã quanto para a sobrevivência do grupo.

Entre os massais, é comum que líderes e guerreiros de prestígio tenham várias esposas. Entre os mongóis, os chefes tribais muitas vezes tinham haréns. O controlo sobre as mulheres e a sua sexualidade é uma constante nos sistemas pastorais mais tradicionais. A transmissão patrilinear de riqueza (gado, terra, prestígio) depende do controlo da linhagem. A virgindade pré-nupcial e o controlo sobre o corpo feminino tornam-se essenciais para garantir a paternidade. A autoridade masculina é muitas vezes vertical e indiscutível, com papéis de género rígidos. Em muitos contextos, o estatuto das mulheres é subalterno, e o seu valor é medido em termos de fertilidade e obediência. Este modelo favorece o surgimento de culturas autoritárias e hierárquicas, com tendência a venerar o "chefe", o "pai", o "patriarca", e mais tarde, figuras como reis e deuses masculinos de guerra.

A guerra entre clãs e tribos é quase sempre uma realidade entre povos pastoralistas, por vários motivos: Disputas por terras de pasto e fontes de água; Roubo de gado como forma de afirmação de masculinidade e prestígio; Rituais de iniciação guerreira associados à maturidade masculina. Daí surge uma cultura da glória guerreira e da vida após a morte como recompensa para os bravos. A morte em combate pode ser romantizada, e o guerreiro passa a ser quase uma figura sagrada. Isso se observa entre os mongóis, onde a morte em batalha levava o guerreiro ao "Eternal Blue Sky". E entre os vikings, descendentes de povos indo-europeus com tradições pastorais, onde a morte no campo de batalha levava ao Valhalla. No islamismo primitivo, sobretudo entre árabes beduínos (também pastoralistas), o martírio na guerra santa levava ao paraíso com recompensas concretas e sexuais. Mesmo entre os hebreus antigos, as narrativas de guerra (ex. Josué) exaltam o herói masculino e o destino glorioso dos justos combatentes.


Muitos dos valores herdados desses sistemas persistem até hoje em certas formas culturais, inclusive em estruturas religiosas patriarcais. É o caso da sua ligação com as religiões monoteístas, especialmente no que respeita ao papel dos povos semíticos pastorais na origem do judaísmo, cristianismo e islamismo. Isso moldou o imaginário coletivo ocidental sobre guerra, autoridade masculina e sexualidade.

Ainda hoje certos traços culturais sublimados e incorporados nas grandes religiões abraâmicas – guerra, patriarcado, misoginia, poligamia e a glorificação da vida após a morte – denotam o seu enraizamento nos povos pastorais semíticos. A Bíblia apresenta os patriarcas hebreus (Abraão, Isaac, Jacó) como criadores de gado, nómadas, vivendo em tendas e deslocando-se com seus rebanhos, um estilo de vida pastoralista clássico.

A rivalidade entre Caim (agricultor) e Abel (pastor de ovelhas) simboliza desde cedo a valorização do pastor aos olhos do agricultor. A poligamia é amplamente presente entre os patriarcas — Abraão (Sara e Agar), Jacó (Raquel, Lia e servas), David e Salomão (com haréns vastos). A tradição pastoralista contribui fortemente para a concepção de um além heroico e recompensador, sobretudo para os homens combatentes. O Antigo Testamento exalta batalhas: Josué, Sansão, David. A guerra era justificada como missão divina, ligada à posse da terra prometida. Embora o judaísmo atual não tenha uma escatologia guerreira tão desenvolvida, o messianismo antigo continha traços de um reino terreno conquistado pela espada.

Essas tradições pastorais foram moldadas em textos religiosos com grande pendor para a misoginia. A Lei Mosaica (Torá) protege parcialmente a mulher, mas reforça o controlo masculino. A mulher é propriedade do pai ou do marido. O adultério da mulher é crime grave, mas o do homem tem mais tolerância. O sacerdócio e a autoridade religiosa são exclusivamente masculinos.

Apesar de Jesus ter tido uma atitude relativamente aberta às mulheres (Maria Madalena, samaritana etc.), Paulo de Tarso, de formação farisaica, reintroduz a misoginia pastoral. “A mulher cale-se na igreja.” (1 Coríntios 14:34). “O homem é a cabeça da mulher.” (Efésios 5:23). O celibato valorizado pelos padres não nega a misoginia: apenas desvia a sexualidade para a sublimação. O Cristianismo primitivo foi originalmente pacifista, devido à condição de minoria perseguida. Mas com a institucionalização imperial (Constantino), absorve ideais militares: a guerra contra os infiéis, as cruzadas, a glória dos mártires. O martírio substitui simbolicamente a morte em combate, mas com recompensa no paraíso.

O Islamismo surge entre os árabes beduínos, que são nómadas e pastorais. O modelo tribal e patriarcal é evidente: poligamia permitida (até quatro esposas); a mulher herda metade do que herda o homem; uso do véu e reclusão feminina refletem o desejo de controlar a fertilidade e a honra do clã. A mulher é, muitas vezes, simbolicamente associada à “fitna” (tentação, desordem). O Islamismo é claramente herdeiro do ethos tribal e guerreiro. O jihad maior (esforço espiritual) é destacado na tradição, mas o jihad menor (guerra física) tem destaque histórico. A morte em batalha contra infiéis é caminho direto ao Paraíso. As recompensas são de prazeres sensuais concretos: banquetes, rios, virgens (huris), ausência de sofrimento físico.

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