quinta-feira, 5 de junho de 2025

A irracionalidade das multidões mimetizada hoje nas redes sociais da internet


Uma das falácias é a ideia de que as sociedades modernas criaram "simuladores emocionais" para permitir expressar instintos tribais sem violência real. O cérebro não distingue totalmente o real do faz de conta. O cérebro através da caminhada evolutiva humana foi moldado para sobreviver em modo tribal. Mesmo sabendo disto, nós continuamos a reagir aos estímulos da vida quotidiana primeiro com as disposições da "emoção", e só depois se sobrepõe a razão para corrigir ou ajustar os procedimentos na ação. Não conseguimos ser totalmente racionais, nem mesmo sendo muito inteligentes.

O cérebro é hierárquico, e não é uma máquina linear de pensamento. Ele é como um prédio de vários andares. O andar térreo (mais antigo) é o cérebro emocional (límbico, reptiliano). Os andares superiores (mais novos) são o cérebro racional (neocórtex na zona pré-frontal). Quando algo acontece, primeiro o sinal é processado no andar térreo (emoção), e só depois é enviado para o andar de cima (razão). Ou seja: primeiro sentimos, e só depois pensamos. Este é um princípio que hoje é praticamente um consenso entre os neurocientistas.

O sistema emocional é muito mais rápido que o sistema racional, com diferenças em milésimos do segundo. Nos tempos primitivas essa velocidade salvou vidas. Quem ficasse a pensar muito, podia não ter uma segunda oportunidade. O conhecimento racional ("sei que é apenas um jogo" ou "sei que o mundo não vai acabar se meu partido perder") não consegue bloquear a reação emocional. Porque as emoções são automáticas e anteriores ao pensamento. O máximo que conseguimos fazer é modular depois: respirar fundo, relativizar, reinterpretar. O poder da função emocional está na antecipação.

Mesmo o ser humano mais inteligente, educado ou consciente nunca será totalmente racional nas grandes paixões coletivas. Porque não somos "máquinas de raciocínio": somos animais emocionais em primeiro lugar, e só raciocinam depois. Ou, como já dizia António Damásio: "Não somos seres pensantes que sentem. Somos seres emocionais que pensam."

Temos neurónios-espelho que nos fazem sentir o que os outros sentem. Estes neurónios foram cruciais para a evolução: se todo o bando sentia medo e corria, era melhor não pensar e correr também. Quando uma emoção forte (medo, raiva, euforia) começa num grupo, espalha-se como fogo sem precisar passar pela razão. É esse o busílis da questão, quando nos manifestamos em multidão. As pessoas agem por impulso: gritam, choram, abraçam desconhecidos, destroem carros, saqueiam lojas, fazem revoluções. 

As pessoas sozinhas, a título individual, comportam-se de maneira diferente quando agrupadas. Nunca fariam o que fazem numa manifestação de protesto, como incendiar ecopontos ou partir montras. Mas em grupo e sob emoção, sim. A multidão cria uma "mente emocional coletiva". O que emerge é quase como se surgisse uma nova entidade, uma "mente emocional gigante" feita da fusão de muitos cérebros excitados. Esta entidade coletiva não é racional. É puro instinto, pura emoção amplificada. O indivíduo na multidão desce vários degraus na escala da civilização. Movido apenas pelos impulsos inconscientes da espécie. Hoje a neurociência comprova que o cérebro literalmente muda sob o efeito de multidões emocionadas.

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