Um dos mistérios da vida é como a natureza faz a passagem dos códigos de ADN para a fenomenologia do fenótipo. Mistério? Essa questão toca num dos grandes enigmas da biologia e da filosofia da ciência: como o genótipo (ADN) se traduz no fenótipo = a expressão visível, funcional e comportamental do organismo. É um processo chamado de expressão génica, mas por trás dessa aparente clareza técnica, há um abismo de complexidade que muitos pensadores e cientistas reconhecem como um verdadeiro "mistério".
O percurso do ADN até ao fenótipo envolve várias etapas bem descritas, mas ainda não completamente compreendidas em sua totalidade. Transcrição: o ADN é transcrito em ARN (RNA). Tradução: o ARN é traduzido em proteínas, que são os "blocos de construção" das células. Depois as proteínas interagem entre si e com o ambiente celular para construir tecidos, órgãos, funções fisiológicas. Mas esse esquema linear é enganadoramente simples. O verdadeiro mistério está na coordenação e regulação, isto é, quem “decide” o quê, quando e onde. Hoje sabemos que o ADN por si só não determina tudo. Entra aí a epigenética, que estuda os marcadores químicos que ativam ou desativam genes sem mudar a sequência do ADN.
O fenótipo emerge de um diálogo entre o ADN e o mundo. E isso remete à velha ideia aristotélica da forma e da matéria: a forma não está completamente "dada" no código genético, mas se atualiza num processo complexo. É a fenomenologia do organismo. Francisco Varela, Maurice Merleau-Ponty, ou mais recentemente Evan Thompson, defendem que a vida não pode ser totalmente explicada por instruções codificadas no ADN. O organismo é um potentado de auto-organização. Responde ao ambiente de forma criativa. Constrói significado corporalmente. Isso leva à noção de que o fenótipo não é simplesmente "causado" pelo ADN, mas emerge de um sistema dinâmico, histórico e relacional. É aquela síntese que diz que o todo é mais do que a soma das partes.
Mesmo com toda a informação genética conhecida pela codificação do genoma humano, não se consegue prever com previsão como vai ser o fenótipo. Isto é, não se consegue dizer exatamente como será um ser vivo só com base no seu ADN. Isso é comparável à música escrita numa partitura: saber ler a partitura não é o mesmo que ouvir a interpretação ao vivo, que depende do instrumento, do ambiente e da subjetividade do intérprete. Em última análise, a construção do ser vivo através da leitura do código genético -- qual cozinheira que lê a receita para cozinhar um bolo -- e ainda por cima uma presença viva, continua a ser um dos pontos onde a ciência tropeça no mistério.
Para Francisco Varela (1946–2001), "A biologia não pode ser reduzida a um jogo de instruções genéticas. O organismo é uma unidade autopoiética, que se produz a si mesmo em constante interação com o seu meio." E segundo Stuart Kauffman "A vida emerge da ordem auto-organizada. O ADN é uma condição, não uma causa suficiente." A vida tem propriedades emergentes. As proteínas, por exemplo, dobram-se em formas complexas que não são codificadas diretamente pelos genes. São as próprias proteínas que se mexem e “descobrem” a sua forma. Já Jacques Monod (1910–1976) - Prémio Nobel da biologia, e autor de O Acaso e a Necessidade - dizia que "O código genético é como uma linguagem: uma estrutura arbitrária e sem significado em si próprio, fora do contexto celular. Haverá ou não um intérprete, eis a questão". É a Natureza. Mesmo na biologia molecular, reconhece-se que há uma semântica, um contexto próprio, que transcende o código.
O que estes pensadores, cada um à sua maneira, afirmam é que não existe uma correspondência linear entre os genes e o fenótipo. O ADN é uma condição de possibilidade, mas não um programa determinista. É como se a Natureza operasse com uma gramática viva, na qual a mensagem final só ganha forma no corpo encarnado, em interação com o meio. É a História ou o Acaso. O percurso do genótipo ao fenótipo é um processo. Quem escreveu a receita? A Natureza! Quem lê a receita? A Natureza! Quem constrói o organismo? A Natureza! Não é uma transcrição, mas uma transformação. A biologia contemporânea e a filosofia do corpo caminham juntas para mostrar que a vida é um campo de significados emergentes, onde o ADN é apenas uma das vozes num canto coral de relações. Tal como uma partitura não produz por si uma sinfonia, o código genético precisa de um palco (o mundo). De um tempo. Um corpo que se torna vivo. É o mundo da vida. Neste sentido, o mistério não é um sinal de ignorância, mas de profundidade. É aquilo que não se esgota em explicações, mas que convida à contemplação e ao respeito pelo que é vivo.
O fenótipo emerge de um diálogo entre o ADN e o mundo. E isso remete à velha ideia aristotélica da forma e da matéria: a forma não está completamente "dada" no código genético, mas se atualiza num processo complexo. É a fenomenologia do organismo. Francisco Varela, Maurice Merleau-Ponty, ou mais recentemente Evan Thompson, defendem que a vida não pode ser totalmente explicada por instruções codificadas no ADN. O organismo é um potentado de auto-organização. Responde ao ambiente de forma criativa. Constrói significado corporalmente. Isso leva à noção de que o fenótipo não é simplesmente "causado" pelo ADN, mas emerge de um sistema dinâmico, histórico e relacional. É aquela síntese que diz que o todo é mais do que a soma das partes.
Mesmo com toda a informação genética conhecida pela codificação do genoma humano, não se consegue prever com previsão como vai ser o fenótipo. Isto é, não se consegue dizer exatamente como será um ser vivo só com base no seu ADN. Isso é comparável à música escrita numa partitura: saber ler a partitura não é o mesmo que ouvir a interpretação ao vivo, que depende do instrumento, do ambiente e da subjetividade do intérprete. Em última análise, a construção do ser vivo através da leitura do código genético -- qual cozinheira que lê a receita para cozinhar um bolo -- e ainda por cima uma presença viva, continua a ser um dos pontos onde a ciência tropeça no mistério.
Para Francisco Varela (1946–2001), "A biologia não pode ser reduzida a um jogo de instruções genéticas. O organismo é uma unidade autopoiética, que se produz a si mesmo em constante interação com o seu meio." E segundo Stuart Kauffman "A vida emerge da ordem auto-organizada. O ADN é uma condição, não uma causa suficiente." A vida tem propriedades emergentes. As proteínas, por exemplo, dobram-se em formas complexas que não são codificadas diretamente pelos genes. São as próprias proteínas que se mexem e “descobrem” a sua forma. Já Jacques Monod (1910–1976) - Prémio Nobel da biologia, e autor de O Acaso e a Necessidade - dizia que "O código genético é como uma linguagem: uma estrutura arbitrária e sem significado em si próprio, fora do contexto celular. Haverá ou não um intérprete, eis a questão". É a Natureza. Mesmo na biologia molecular, reconhece-se que há uma semântica, um contexto próprio, que transcende o código.
O que estes pensadores, cada um à sua maneira, afirmam é que não existe uma correspondência linear entre os genes e o fenótipo. O ADN é uma condição de possibilidade, mas não um programa determinista. É como se a Natureza operasse com uma gramática viva, na qual a mensagem final só ganha forma no corpo encarnado, em interação com o meio. É a História ou o Acaso. O percurso do genótipo ao fenótipo é um processo. Quem escreveu a receita? A Natureza! Quem lê a receita? A Natureza! Quem constrói o organismo? A Natureza! Não é uma transcrição, mas uma transformação. A biologia contemporânea e a filosofia do corpo caminham juntas para mostrar que a vida é um campo de significados emergentes, onde o ADN é apenas uma das vozes num canto coral de relações. Tal como uma partitura não produz por si uma sinfonia, o código genético precisa de um palco (o mundo). De um tempo. Um corpo que se torna vivo. É o mundo da vida. Neste sentido, o mistério não é um sinal de ignorância, mas de profundidade. É aquilo que não se esgota em explicações, mas que convida à contemplação e ao respeito pelo que é vivo.
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