A memória emocional de uma vitória ou derrota em grupo fica gravada como uma experiência pessoal intensa porque a memória emocional é mais forte do que a memória racional. Quando vivemos experiências emocionais intensas, o nosso cérebro não só grava essas memórias como as torna mais duradouras e intensas. A amígdala do cérebro é uma espécie de "central de memórias emocionais". A amígdala está ligada ao hipocampo, que é responsável por armazenar as memórias de longo prazo. Quando vivemos algo com alta carga emocional, sejam vitórias ou derrotas, seja na política, seja no desporto, a amígdala ativa a gravação dessa memória. O hipocampo então fixa essas memórias com mais intensidade. Quando um adepto vê a sua equipa perder a final de um campeonato, junto de milhares de pessoas no estádio, o cérebro relaciona a emoção da derrota ao evento em si. A memória da derrota será muito mais intensa do que se o adepto tivesse assistido sozinho em casa. Porque o cérebro faz isso? É a lógica evolutiva.
A razão de o cérebro valorizar emocionalmente uma memória tem a ver com a sobrevivência. Não tanto a sobrevivência pessoal, mas a sobrevivência da espécie. Ainda estão na memória da espécie as vitórias ancestrais, porque das derrotas de batalhas passadas ninguém ficou para contar. Vencer significa vida. Perder significa morte. A dopamina, o neurotransmissor do prazer, entra em cena quando estamos imersos em experiências emocionais. Quando ganhamos, há uma libertação de dopamina. Quando perdemos, ou passamos por momentos de angústia, a dopamina ainda está presente, mas associada ao stress e à frustração. A dopamina modula a memória emocional, tornando a experiência mais vívida. E não importa se a vitória ou a derrota foi vivida sozinha ou em grupo. O impacto emocional é sentido na mesma intensidade.
O efeito da experiência compartilhada (o contágio emocional coletivo) é uma experiência emocional muito intensa. Quando se compartilha a emoção com outros, o cérebro interpreta isso como algo mais relevante para a identidade e a sobrevivência. Em grupo, a memória fica mais viva e duradoura, como se o cérebro fosse "marcado" pela emoção coletiva. Gritar de alegria após a nossa equipa ganhar o jogo, é a coisa mais natural do mundo. Mais ainda olhar à volta e ver outras pessoas igualmente emocionadas. O cérebro sente essa experiência como uma experiência social, que é muito mais impactante do que se estivesse sozinho.
Mas não nos devemos deixar enganar pela nossa memória emocional. Quando perguntam a alguém onde estava durante um grande evento emocional, a memória parece super vívida, mas o cérebro, na verdade, mistura os detalhes da emoção com a narrativa que contamos a nós mesmos ao longo do tempo. No entanto, a emoção da experiência nunca se apaga. Essa memória é registrada na amígdala e não se desfaz com o tempo como outras memórias. Mesmo que racionalmente saibamos que o futebol não define a nossa vida, ou que uma eleição não coloca a nossa sobrevivência em risco, a memória emocional associada a esses momentos, ao lado do impacto coletivo, não desaparece facilmente.
António Damásio é uma referência brilhante quando se trata de compreender a complexidade do cérebro, especialmente no que diz respeito às emoções, razão e tomada de decisões. O trabalho dele é fascinante porque une neurociência, filosofia e psicologia, e mostra como as emoções são essenciais para a racionalidade e não algo que apenas nos desvia dela, como tradicionalmente se pensava. Ele refuta a ideia de que razão e emoção são opostos, propondo que, em vez disso, são interdependentes e que as emoções desempenham um papel crucial na nossa capacidade de tomar decisões racionais.
Damásio lança o segundo livro -- "O Sentimento de Si" -- no ano dois mil. É uma obra profunda e transformadora. Neste livro, Damásio explora de forma brilhante a construção do "eu" e como o sentimento de identidade é gerado no cérebro. Ele propõe que a consciência de si mesmo -- o que chamamos de "sentimento de ser" -- não surge de um ponto fixo, mas é o produto dinâmico da interação entre corpo e cérebro. Damásio descreve que o "eu" não é algo fixo ou imutável, mas antes uma construção contínua que se desenvolve ao longo do tempo, mediada pela integração entre o cérebro e o corpo. O sentimento de ser nasce da capacidade do cérebro de integrar as informações do corpo e de todos os seus órgãos a funcionar para uma identidade que é algo mais do que a soma do corpo e do cérebro. Porque muita coisa do mundo a que pertence também lhe pertence: um nome, uma idade, e toda a relação interpessoal. E tudo isso sob a batuta de um sistema a que chamamos "emocional".
Esse processo acontece de forma automática, de que apenas uma pequena parte chega ao nível da consciência. A cada segundo, nosso cérebro está recebendo informações: umas circulam a partir de dentro, dos órgãos e sistemas circulatório mais o endócrino e imunológico; e a partir do exterior que entram através dos vários órgãos dos sentidos. Tudo isso é atualizado ao segundo sem parar, constantemente, condicionando o estado físico e emocional por forma a dar as respostas mais adequadas, momento a momento.
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