Dizer-se que se é de direita ou de esquerda é um tipo de identificação que diz muito pouco hoje em dia, na medida em que são um tipo de balizas classificativas já fora do seu tempo. Durante a última metade do século XX, ser de esquerda, para muitos, era uma vaidade intrínseca, sinónimo de consciência crítica, monopólio simbólico da virtude no campo cultural. Representava a virtude transformadora. Como os esquerdistas se acostumaram ao título de salvadores da História, riram-se quando Francis Fukuyama anunciou em 1992 o "Fim da História".
Mas agora os eleitorados de todo o mundo estão a terraplanar toda a esquerda e a faze-la desaparecer do mapa. Agora quem está na mó de cima é a extrema-direita. Em cima da direita, a comer-lhe as papas na cabeça. Por isso, ser hoje de direita, também já não tem nada a ver com a direita clássica dos conservadores. É a nova direita e os novos populismos que, ao contrário da esquerda, tende a desafiar as utopias com desdém, valorizando mais a ordem, o sacrifício, o dever, a autoridade. Ou seja, valores morais que não brilham facilmente nos palcos das elites intelectualizadas.
O contrário da utopia perfeccionista de esquerda é o pragmatismo da imperfeição humana. Não procurem salvar o mundo. Procurem conservar a ordem natural das coisas. Não esperem dos líderes a redenção Histórica. Vão mais pelo carisma. A direita acredita que representa a virtude conservadora. A tradição da direita é a salvação da Pátria, não a salvação da humanidade. Isso não significa que não possuam figuras sólidas, com virtudes de sobriedade, responsabilidade e prudência institucional. Não esperem da direita os grandes gestos a apontar utopias.
A esquerda tende a exaltar mais os gestos épicos, idealistas, redentores, mesmo com altos custos. A direita valoriza mais a ordem, sobriedade, realismo institucional, mesmo que com menos apelo. Ambas as tradições têm figuras com luz e sombra, dados ao culto de santos civis. Simone Veil (1927–2017) -- francesa, sobrevivente de Auschwitz, e mais tarde ministra de saúde de um governo conservador, presidente do Parlamento Europeu -- lutou pela legalização do aborto na França, apesar de a rotularem como uma mulher de centro-direita. Enfrentou tanto a esquerda como a extrema-direita católica. É de apreciar, em suma, a sua coragem, equilíbrio e dignidade moral. Václav Havel (1936–2011) -- Checoslováquia, acabou por ser um símbolo da transição comunista. Foi um crítico tanto do comunismo como do nacionalismo populista. Promoveu a democracia liberal com profundidade moral e humanismo, propagando a ética da responsabilidade com linguagem elevada. Tinha uma profunda aversão pelo cinismo. José Mujica morre em 13 de maio de 2025, com quase 90 anos. Mujica foi sem dúvida uma figura ética rara no mundo político, e um símbolo de integridade. Mas a sua trajetória não está isenta de contradições, como todos os humanos inseridos na história. É compreensível admirá-lo como homem, mas é saudável manter a crítica quanto à sua ação política. Mujica também fica pela metade: guerrilheiro, participou de ações violentas, e a sua governação, embora simbólica, não transformou estruturalmente o Uruguai. Guerrilheiro do Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros. Participou de ações armadas na década de 60 e 70, incluindo assaltos, sequestros e atentados. Foi preso e torturado, mas há quem o critique por não ter feito uma autocrítica mais profunda dessa fase.
A sensibilidade crítica é rara, especialmente num tempo em que as emoções mediáticas tendem a aplanar a complexidade das figuras históricas. É um sentido de um maniqueísmo muito antigo, que consiste no enaltecimento de mitos pela metade. Esquerda e direita são duas faces sucedâneas desse maniqueísmo. Naturalmente os de esquerda, tal como os de direita, gostam de se rever em “santos laicos” como um espelho de pureza moral, esquecendo as sombras que fazem parte de qualquer ser histórico. Por exemplo Gorbachev, é precisamente o tipo de figura que escapa à mitificação fácil, talvez porque os seus feitos beneficiaram mais o mundo do que o seu próprio povo. E porque ele é profundamente "humano, demasiado humano": cheio de contradições, hesitações e consequências imprevistas. Arquiteto da Perestroika e da Glasnost. Perestroika (reestruturação) -- tentou reformar a economia soviética, introduzindo elementos de mercado. Glasnost (transparência) -- permitiu liberdade de expressão e informação inéditas no mundo soviético. Essas reformas não foram apenas administrativas, mas abriram as comportas do colapso do regime. Gorbachev foi essencial para encerrar a Guerra Fria, de forma pacífica. Aceitou a reunificação da Alemanha, retirou apoio a ditaduras comunistas no Leste Europeu e negociou tratados de desarmamento nuclear com os EUA. Em suma: recusou usar a força militar para manter o império soviético. Foi o primeiro líder soviético a sorrir, dar entrevistas livres, aparecer com a mulher ao lado, falar de maneira acessível. Aproximou-se do Ocidente como um parceiro, não como rival ideológico. O lado negativo da Perestroika foi ter gerado mais desorganização numa economia sempre a decrescer. A escassez aumentou, o PIB caiu e o país entrou num vórtice de crise económica. Isso abriu caminho para o ressentimento popular e a ascensão de figuras como Yeltsin e, depois, Putin. Gorbachev perdeu o controlo do processo reformador que havia iniciado. Foi ultrapassado pelos acontecimentos. A URSS colapsou em 1991, não por sua vontade, mas por forças centrífugas que ele libertou sem conseguir dominar. Foi, e continua a ser, malvisto na Rússia e pelos comunistas um pouco por todo o mundo. Talvez, Gorbachev, tenha sido um homem trágico -- cujo maior legado foi a ponte que deixou entre os dois mundos, vendo ruir o seu próprio mundo.
A sensibilidade crítica é rara, especialmente num tempo em que as emoções mediáticas tendem a aplanar a complexidade das figuras históricas. É um sentido de um maniqueísmo muito antigo, que consiste no enaltecimento de mitos pela metade. Esquerda e direita são duas faces sucedâneas desse maniqueísmo. Naturalmente os de esquerda, tal como os de direita, gostam de se rever em “santos laicos” como um espelho de pureza moral, esquecendo as sombras que fazem parte de qualquer ser histórico. Por exemplo Gorbachev, é precisamente o tipo de figura que escapa à mitificação fácil, talvez porque os seus feitos beneficiaram mais o mundo do que o seu próprio povo. E porque ele é profundamente "humano, demasiado humano": cheio de contradições, hesitações e consequências imprevistas. Arquiteto da Perestroika e da Glasnost. Perestroika (reestruturação) -- tentou reformar a economia soviética, introduzindo elementos de mercado. Glasnost (transparência) -- permitiu liberdade de expressão e informação inéditas no mundo soviético. Essas reformas não foram apenas administrativas, mas abriram as comportas do colapso do regime. Gorbachev foi essencial para encerrar a Guerra Fria, de forma pacífica. Aceitou a reunificação da Alemanha, retirou apoio a ditaduras comunistas no Leste Europeu e negociou tratados de desarmamento nuclear com os EUA. Em suma: recusou usar a força militar para manter o império soviético. Foi o primeiro líder soviético a sorrir, dar entrevistas livres, aparecer com a mulher ao lado, falar de maneira acessível. Aproximou-se do Ocidente como um parceiro, não como rival ideológico. O lado negativo da Perestroika foi ter gerado mais desorganização numa economia sempre a decrescer. A escassez aumentou, o PIB caiu e o país entrou num vórtice de crise económica. Isso abriu caminho para o ressentimento popular e a ascensão de figuras como Yeltsin e, depois, Putin. Gorbachev perdeu o controlo do processo reformador que havia iniciado. Foi ultrapassado pelos acontecimentos. A URSS colapsou em 1991, não por sua vontade, mas por forças centrífugas que ele libertou sem conseguir dominar. Foi, e continua a ser, malvisto na Rússia e pelos comunistas um pouco por todo o mundo. Talvez, Gorbachev, tenha sido um homem trágico -- cujo maior legado foi a ponte que deixou entre os dois mundos, vendo ruir o seu próprio mundo.
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