Nas democracias, a lógica darwinista aplica-se perfeitamente ao ecossistema político: sobrevivem os partidos que melhor se adaptam à realidade mutável do mundo, do eleitorado, e da sociedade. Os que se fossilizam, por mais ideologicamente convictos que estejam, acabam marginalizados ou extintos. O caso do Partido Comunista Português (PCP) é paradigmático. Continua a defender um discurso enraizado num século XX que já passou, como se a Guerra Fria ainda estivesse em curso. Há uma recusa sistemática em mudar conceitos, símbolos, métodos. Internamente, cultivam uma disciplina rígida, quase estalinista, que repele o pensamento divergente. E isso, numa sociedade democrática pluralista e em transformação, funciona como uma sentença de morte lenta. No caso do PCP, apesar de ainda ter alguma influência sindical, mas até o movimento sindical clássico está em declínio.
Um parido político acaba por ser um fóssil quando se recusa adaptar no seu programa ao mundo pós-industrial, multicultural e globalizado. Manter um anticapitalismo de manual, ou um antiamericanismo instintivo primário só pode levar à irrelevância. É toda uma desconfiança de cariz paranoico que corta com toda a matéria que é mais candente na atualidade: sejam as alterações climáticas, sejam os movimentos migratórios. Seja a tecnologia da robótica e da inteligência artificial, seja a globalização digital ou mesmo o feminismo contemporâneo. Todos esses temas estão arredados do seu léxico político. Daí resulta a perda do eleitorado mais jovem, mas também dos seus bastiões tradicionais mais envelhecidos de toda a malha rural alentejana. Um nicho desertificado que de 5 deputados em1999 apenas restam 3 em 2025.
Há uma inversão quase tragicómica do discurso comunista, com a persistência na sua doutrina, como se dissessem: "Nós estamos certos, o mundo é que está errado". Como se fosse o último bastião da verdade e da justiça. Mas o eleitorado responde com um silêncio retumbante nas urnas. Isso mostra que ter razão nos próprios termos não é o mesmo que ter razão no tempo histórico. Darwinismo puro: não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o mais adaptável. E o PCP está claramente na cauda desse processo evolutivo. Já mais cedo tinha acontecido com o Partido Comunista Italiano, um dos maiores partidos comunistas do Ocidente.
O Bloco de Esquerda começou como um partido dinâmico, urbano, combativo, pós-moderno. Mas ao crescer, entrou no sistema, sobretudo em 2015 quando viabilizou um governo do Partido Socialista, que para além de não ter a maioria dos deputados, não havia ficado em primeiro nessas eleições. Nessa ocasião o BE assumiu uma postura mais institucional, mas também não se reformou por dentro para acompanhar com coerência as novas posturas. As causas que defende, como os direitos LGBTQIA+, a ecologia, e a justiça social, são relevantes, mas ficaram encapsuladas num discurso identitário e universitário, pouco acessível às massas populares. O BE tornou-se o “clube dos justos”, mas desconectou-se da angústia concreta do cidadão inseguro, do trabalhador rural, do desempregado sem formação digital. Resultado: perdeu os seus pequenos nichos urbanos para a Iniciativa Liberal.
O Partido Socialista (PS) foi durante muito tempo o partido da estabilidade ao centro do espetro democrático e do arco da governação. Mas António Costa, embora eficaz taticamente, abandonou qualquer projeto mobilizador, governando muitas vezes com cinismo, o que acabou por esvaziar qualquer virtuosismo do pragmatismo político que se impunha para a realização de reformas prementes. E por fim, foram os escândalos de corrupção que quebraram a ligação com o eleitor comum das classes médias, que concluiu que afinal “são corruptos como os outros”. Os mais pobres dizem: “nada muda”. Os mais jovens dizem: “não temos futuro aqui”. O PS deixou vago o espaço da esperança social, e também não se regenerou por dentro.
Tudo isso deu espaço a que uma espécie invasora (parafraseando Darwin) ocupasse o espaço abandonado que se tornou baldio. O Chega (CH) não propôs soluções novas, limitou-se a ocupar o espaço abandonado pelos outros. O CH fala para os que têm medo, ressentidos ou raivosos que perderam a fé. E fala para esse povo com eficácia emocional, em estilo direto e sem pudor. Captou os desencantados com "os do costume". E passou a receber o voto dos antigos eleitores do PCP e BE das zonas rurais ou industrializadas, que se sentem traídos pela esquerda "académica". E muitos abstencionistas finalmente apareceram porque acabou de chegar alguém que se dispõe a ouvir as suas angústias. O Chega pode colapsar futuramente, se se mostrar ineficaz ou ridículo no poder. Mas isso só acontece se os outros partidos ocuparem novamente o espaço emocional do povo.
O PSD pode beneficiar disso por agora, como Montenegro está a fazer, mas precisa de resultados concretos. A esquerda precisará de uma refundação séria, com ligação aos novos tempos, ou ficará a falar sozinha em congressos ideológicos. Há exemplos de partidos -- à esquerda, à direita e ao centro --que não conseguiram adaptar-se ao seu tempo e foram empurrados para a irrelevância ou para um estado fantasma. Mas também há casos de reinvenção bem-sucedida. Na Grécia o SYRIZA teve uma ascensão meteórica em 2015, num contexto específico que tinha a ver com a austeridade depois da crise financeira de 2008. O fracasso na governação, ao ceder às imposições da Troika, foi fatal. Perdeu legitimidade perante os próprios apoiantes. Hoje está em declínio profundo, fragmentado. O Partido Socialista Francês, que foi hegemónico na era Mitterrand e Hollande, patinou ao tentar conciliar socialismo clássico com liberalismo económico. Perdeu a sua base operária e progressista. Hoje o Parido Socialista francês está a extinguir-se em estado agónico. Foi substituído por forças mais radicais com Mélenchon à cabeça. E Macron, por quanto mais tempo se aguentará antes que os herdeiros de Le Pen venham tomar conta do negócio? Ninguém sabe!
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