O povo ocidental chegou a um ponto de saturação. Já não acredita nos partidos políticos do mainstream, ou sistema, nem confia nas elites. Tendo deixado para trás a religião, agora sente que a sua alma está sedenta de espiritualidade no momento que pressente que a habitabilidade da Terra está ameaçada pelo descontrolo climático provocado por mão humana. E sente-se impotente diante de desafios tão ameaçadores à continuidade deste tipo de civilização tecnológica.
Este é o terreno fértil para fanatismos violentos e autoritarismos populistas. Mas o que se quer é um novo humanismo ético e espiritual, sem as ilusões do passado. Neste momento os Estados Unidos estão a entrar em convulsão no meio das medidas de deportação de imigrantes decretadas por Donald Trump. Imigração como catalisador de uma viragem autoritária. Los Angeles, como outras grandes cidades do Ocidente, está no olho do furacão. O que ali está a acontecer, aumento da violência, percepções de caos urbano, protestos, conflitos raciais e socioeconómicos, é mais que um caso local, é um espelho da falência civilizacional que estamos a viver.
Porque é que a imigração se tornou o nó górdio do Ocidente na deriva autoritária? Porque é que a extrema-direita se alimenta disso? O que a História nos diz sobre momentos semelhantes? Em muitas cidades (Los Angeles, Paris, Nova Iorque, Lisboa, Londres, Marselha), populações locais sentem-se “invadidas” ou “substituídas”. É uma percepção, muitas vezes inflamada por discursos populistas, mas tem raízes reais.
Este ressentimento social é um terreno fértil para narrativas de medo, como a “Grande Substituição” (de Renaud Camus, difundida por políticos de extrema-direita), que apontam a imigração como ameaça existencial. As esquerdas abandonaram as antigas classes trabalhadoras para se tornarem forças morais urbanas e identitárias, focadas em minorias, linguagem inclusiva e bandeiras culturais. Muitos dos imigrantes vêm de regiões devastadas por guerras, pilhagens ou crises climáticas provocadas ou agravadas por potências ocidentais. O Sul global move-se para o Norte, e este já não tem como manter muralhas morais ou físicas.
O caos urbano percebido -- em especial o aumento da violência, da toxicodependência e dos sem abrigo -- leva as populações a clamar por ordem, autoridade e fronteiras rígidas. É uma reação clássica: o medo abre o caminho ao autoritarismo. Los Angeles torna-se exemplo disto. Tolerância progressista vista como permissividade. Cidadãos comuns sentem-se abandonados. Cresce a pressão por políticas duras: policiamento reforçado, deportações, encerramento de abrigos, câmaras de vigilância. O colapso da confiança nas instituições. As instituições democráticas são percebidas como fracas ou capturadas pela elite financeira e pelas Big Techs.
A própria ideia de Estado de Direito passa a ser vista como obstáculo. Exige-se ação rápida, limpeza social, e muitas vezes com apelo direto à força bruta. Aqui começa o verdadeiro risco: prisões sem julgamento; suspensão de direitos fundamentais; militarização da polícia; Estado de exceção normalizado; Tecnologias de controlo -- IA, reconhecimento facial, big data como “solução mágica”. A democracia continua no papel, mas o espírito liberal morre por dentro. A História está farta de nos fazer advertências. O caos convida o tirano. Este tipo de cenário já foi vivido. E há paralelos: Roma imperial tardia; Weimar; América Latina anos 80-90.
Na Roma imperial tardia foram as migrações bárbaras, ou a invasão pacífica dos bárbaros. As fronteiras colapsaram. As elites era corruptas. As cidades ficavam pejadas de marginais empobrecidos. Surgiram líderes mais fortes e autoritários, prometendo restaurar a ordem. O Estado militarizou-se. Militarização da política e morte lenta da república. Em Weimar (Alemanha pós-I Guerra) -- a imigração do Leste europeu trouxe por arrasto mais um êxodo de judeus. Crise económica profunda + ressentimento nacional, levou ao crescimento da violência urbana por milícias armadas. Sociedade saturada de liberdade sem segurança. E então veio Hitler como “curandeiro do caos”. América Latina anos 80–90 -- Megacidades, insegurança e desorganização social. Populações exaustas da corrupção e da criminalidade. Ascensão de “homens fortes” e militarização do quotidiano com Fujimori, Chávez e Bolsonaro.
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