domingo, 8 de junho de 2025

Conhecimento ou sabedoria


Há o conhecimento do Big Bang, que eu chamo impessoal; há o conhecimento da emoção de ter sido assaltado, que eu chamo emocional. Mas de onde vem aquele conhecimento que eu chamo intuitivo, sabedoria, que é típico dos poetas, ou do povo. Junto de uma assembleia, nas vésperas de umas eleições, irritado com a campanha eleitoral, um fulano diz: "a política é toda uma merda". E na assembleia, a maior parte das pessoas, abanam com a cabeça em sinal de aprovação. Essa sabedoria imediata, coletiva, quase visceral, tem sido tratado por filósofos de vários modos.

Aristóteles já falava em nous, uma inteligência intuitiva que apreende os primeiros princípios sem raciocínio. Não é conhecimento argumentado, mas uma espécie de visão direta da verdade. Pascal falou do "esprit de finesse" = espírito da fineza: uma capacidade de captar realidades complexas sem precisar de deduções lógicas. As pessoas sentem, antes de obterem provas empíricas, quando uma pessoa está a ser falsa. Nietzsche vai mais longe: ele diz que muito do que é verdade para nós vem de impulsos primordiais, de uma espécie de "instinto de verdade" da vida, anterior a qualquer racionalização. Husserl e Merleau-Ponty também trataram da experiência pré-reflexiva: um conhecimento que se dá antes de começarmos a pensar "sobre" as coisas, e que é muitas vezes mais autêntico.

E em termos antropológicos e sociológicos, essa sabedoria coletiva (como numa assembleia popular) pode ser vista como uma sabedoria prática = phronesis -- uma sedimentação de experiências vividas, passadas de geração em geração, um saber de sobrevivência e de realismo. Esse tipo de conhecimento não vem da emoção pura (como o medo), nem da análise impessoal (como a ciência), mas de um acúmulo de vida, de experiências humanas, que ao longo do tempo são refinadas em intuições sociais. É coletivo, mesmo quando parece brotar das pessoas a título individual.

A sabedoria, mesmo antes da invenção da política como a conhecemos a partir da Grécia Antiga, o século V a.C. ou tempo de Péricles, já existia uma forma de saber prático, vivido, enraizado em experiência comum. Os povos antigos não dispunham de teorias sofisticadas, mas sabiam quem era confiável e quem não era, que líderes tendem para a corrupção, que promessas políticas são frequentemente mentirosas. O povo sabe que a vida humana envolve sofrimento, desilusão, luta. Essas percepções práticas formaram provérbios, dizeres populares, contos de advertência: "Quem muito fala, pouco acerta." "Prometer é fácil, cumprir é difícil." Esse saber nasce não da reflexão teórica, mas da experiência acumulada, e preservada oralmente ao longo de várias gerações. Portanto, quando hoje, numa assembleia popular, alguém diz "a política é toda uma merda" e todos assentem com a cabeça, isso é sabedoria histórica coletiva no seu melhor. 

Quanto à intuição como forma legítima de conhecimento, Aristóteles, em sua obra Ética a Nicómaco, distingue dois tipos de inteligência: Episteme (conhecimento demonstrativo, científico); Phronesis (sabedoria prática, ligada à ação). A phronesis é uma forma de saber intuitivo, que se aprende vivendo, não se ensina em manuais. Um velho camponês, analfabeto, pode ter mais phronesis do que um universitário depois do seu doutoramento.

Quando uma multidão sente no corpo, no olhar, que "todos os políticos são iguais", não é apenas um slogan: é phronesis coletiva, experiência prática destilada. Depois, Pascal em Pensées, dirá que "o coração tem razões que a razão desconhece". Chama a atenção para uma inteligência fina, não racional no sentido lógico, mas absolutamente real. Essa intuição não é emocional puro, nem intelectual ou só teoria. É uma percepção súbita de algo essencial.

Carl Gustav Jung, depois de ter estudado a sabedoria ancestral, formulou o conceito de inconsciente coletivo. Um fundo psíquico humano que guarda experiências universais: medo do desconhecido, desconfiança do poder, intuição da traição, esperança em salvadores. Esses "arquétipos" se expressam em mitos, em lendas, em comportamentos sociais espontâneos. Quando, em tempos eleitorais, um povo inteiro sente um cansaço profundo, uma irritação difusa, uma descrença generalizada, não é apenas um cálculo consciente, é um instinto ancestral a falar, uma memória profunda de séculos de promessas não cumpridas, de opressões, de esperanças traídas. É como se o povo dissesse, não com palavras teóricas, mas com uma sensação: "Sabemos, sem precisar provar, que no fim seremos traídos de novo." Essa é a voz do inconsciente coletivo, da sabedoria ancestral. O conhecimento intuitivo é uma forma de sabedoria enraizada na experiência histórica coletiva, mais antiga do que a filosofia, mais robusta do que a emoção passageira, e mais imediata do que a ciência teórica. Os poetas, os sábios populares, e até certos movimentos espontâneos, em multidão, tocam essa fonte.

Sem comentários:

Enviar um comentário