segunda-feira, 23 de junho de 2025

As civilizações corrompem-se por dentro



Assim como o Império Romano, no auge de sua grandiosidade, se entregava a espetáculos de violência e hedonismo -- o Ocidente destes tempos parece, em muitos aspectos, perder-se num ciclo de autoindulgência, desigualdade e descontrolo, onde os interesses corporativos e financeiros (como os de Silicon Valley) se sobrepõem à ética pública e ao bem-estar comum. Trump e Putin, figuras populistas e de forte personalidade, podem ser vistos como líderes carismáticos, mas também como símbolos de uma política baseada em interesses próprios e manipulação da opinião pública, muitas vezes em detrimento da justiça social e do bem coletivo.

Putin e Trump são símbolos da maneira como o poder é exercido sobre as massas, muitas vezes de maneira espetacular, mas vazia e destrutiva. Os "espetáculos" políticos de figuras como Trump e Putin, ou mesmo a cultura da distração promovida por grandes corporações tecnológicas, de que Elon Musk é o arauto, podem ser comparados a lutas de gladiadores que, enquanto entretêm as massas, desviam a atenção dos verdadeiros problemas, como as questões de desigualdade social, crise ambiental e guerra geopolítica.

Além disso, o controlo da narrativa (algo que a tecnologia, particularmente as grandes plataformas, faz com maestria) pode ser uma forma moderna de “brincar com a morte”: não com a violência física explícita, mas com a violência simbólica, manipulando informações e criando divisões ideológicas que podem destruir sociedades internamente. Como o "pão e circo" da Antiga Roma, que serviu para controlar a percepção pública e desviar o olhar da exploração brutal de seres humanos, hoje a política da distração e o desinteresse por valores éticos promovem um caminho semelhante de decadência silenciosa.

Os ricaços da Silicon Valley, tal como os "senadores e imperadores romanos" num império decadente, acumulam riqueza e poder. A falta de escrúpulos e a busca pelo lucro são, assim como em Roma, os alicerces dessa nova classe dominante. Eles são, muitas vezes, tão desconectados da realidade quotidiana das pessoas comuns que se tornam como espectadores da tragédia social, sem perceberem que a fragilidade do sistema em que vivem é algo inevitável e perigoso.

Em Roma, o fim da República foi marcado pela ascensão de imperadores populistas, que corromperam a política para manter o poder. Hoje, vemos um processo semelhante, em que líderes carismáticos e populistas (como Trump e Putin) sabem que manipular as massas e fomentar a divisão pode fortalecer a sua base de apoio, as elites econômicas, beneficiando de um sistema injusto e desigual. O grande perigo dessa dinâmica é que, assim como em Roma, a falta de visão a longo prazo e a decadência interna podem levar à queda de um império, mesmo que a sua grandeza material continue visível. Os bárbaros (que para Trump são os imigrantes vindos do Sul) não precisavam de conquistar Washington com as suas "espadas", porque a própria corrupção interna se encarrega de fazer o trabalho.

O Ocidente, com os seus extravagantes exemplos de riqueza e poder, parece estar a caminho do fim: injustiça social, fragmentação política, agitação populista e desigualdade crescente. Estão criadas as condições para a autossabotagem. O que foi conquistado com tanto esforço ao longo de séculos pode ser desfeito num ápice, com todo o desrespeito dos valores humanos essenciais.

Há uma tensão no discurso político e académico, especialmente entre comentadores que se posicionam moralmente contra determinadas potências: uma retórica altamente normativa, mas com pouco pragmatismo ou visão estratégica. Por exemplo, certos comentadores ao repetirem que Israel “não tem legitimidade para se defender” por violar resoluções da ONU, pode até estar a sustentar uma posição juridicamente coerente dentro de um enquadramento estritamente legalista. No entanto, esse tipo de discurso, quando repetido sem proposta realista de resolução, ou sem considerar os imperativos de segurança dos atores envolvidos, pode resvalar para um moralismo estéril.

Há uma ânsia idealista por justiça total, mas frequentemente descolada das limitações reais do sistema internacional, onde o uso da força, a dissuasão e os interesses de Estado, moldam as decisões mais do que as normas jurídicas. Isto remete-nos para Raymond Aron ou Hans Morgenthau, que alertaram contra a ingenuidade moralista nas relações internacionais. Dizer que Israel não tem legitimidade para se defender do Irão, ignorando o programa nuclear iraniano, e os ataques por parte das suas “forças proxy” (procuradores), como o Hamas, o Hezbollah e os Houthis, que oferecem ao Irão vantagens estratégicas significativas, soa não apenas simplista, mas contraproducente.

Não valorizar suficientemente as razões de Israel após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, reflete uma linha interpretativa que, por vezes, se vê em académicos ou comentadores com posicionamentos ideológicos mais à esquerda ou anti-imperialistas, que tendem a criticar mais o lado ocidental ou os seus aliados tradicionais, e a ver com mais simpatia, ou pelo menos menor reprovação, atores considerados “contestatários” ou “anti hegemónicos”, mesmo que sejam governos autoritários como o da Rússia. O caso de Israel é um tema complexo e carregado de emoções. Muitos analistas -- que procuram desconstruir narrativas oficiais ou evitar discursos “mainstream” -- acabam por enfatizar as ilegalidades ou excessos israelitas, e minimizar ou relativizar a ameaça existencial que o Hamas representa para Israel. Isso pode ser uma escolha consciente para tentar denunciar desequilíbrios de poder, mas corre o risco de passar uma visão enviesada que não reconhece a complexidade da segurança israelita. Essas posições podem ser estruturais, mas também podem ser vistas como uma cegueira seletiva que não reconhece as agressões e crimes cometidos pelo Hamas.

Este é um problema clássico na análise política e académica: o risco do viés ideológico levar a uma análise parcial, onde se perde a imparcialidade e a consideração justa pelos factos e pelo sofrimento humano. Um académico que quer ser realmente rigoroso deve conseguir reconhecer os erros e razões dos vários lados, especialmente quando há uma escalada de violência e drama humano, como no conflito Israel-Hamas. E já agora, a guerra Rússia-Ucrânia. Esse é o problema clássico dos círculos académicos e intelectuais, especialmente quando a teoria se torna um fim em si mesma, uma espécie de jogo retórico onde o discurso é muito coerente dentro da própria lógica ideológica, mas que se desliga completamente da realidade prática e das consequências concretas. A “beleza” ou elegância das teorias pode ser muito sedutora, sobretudo numa esquerda crítica que procura denunciar injustiças e desigualdades, mas quando essas teorias não enfrentam o teste da prática -- a complexidade das situações, os dilemas morais, as dinâmicas reais dos atores envolvidos -- acabam por ser pouco úteis e até contraproducentes.

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