A erosão do apoio popular à social-democracia na Europa, apesar de seus inegáveis êxitos históricos -- como o Estado de bem-estar, os serviços públicos universais e a redistribuição da riqueza -- pode ser explicada por uma combinação de fatores estruturais, culturais, económicos e psicológicos. A social-democracia foi construída sobre alianças sólidas com a classe operária industrial organizada, que hoje está em declínio. E em sindicatos fortes, cuja influência caiu drasticamente.
A globalização e a automação dissolveram boa parte da classe operária tradicional. A nova "classe trabalhadora" é muito mais fragmentada: precária, informal, freelancer, migrante ou desempregada, menos propensa a se organizar politicamente como antes. A social-democracia tornou-se vítima do seu próprio sucesso. Elevou o nível de vida, mas não renovou a sua narrativa com o mesmo vigor. A retórica da solidariedade e da igualdade perdeu força num mundo em que o ideal dominante passou a ser o do mérito individual, da performance e do consumo.
Muitos passaram a associar a social-democracia à burocracia estatal, à estagnação e à acomodação, em vez de progresso e justiça. Com a ascensão do neoliberalismo e da terceira via, a partir dos anos 1980, os partidos social-democratas começaram a aceitar as regras do mercado global. Políticas como as de Tony Blair (Reino Unido) ou Gerhard Schröder (Alemanha) aproximaram-se do centro-direita.
O discurso igualitário e multicultural da social-democracia passou a ser associado a uma elite progressista urbana, desligada dos valores das "pessoas comuns". Hoje são questões como imigração, identidade nacional e segurança que dominam o debate. A direita populista -- capitalizando esse ressentimento com uma mensagem mais emocional, simples e nacionalista, em contraste com a linguagem técnica e racional dos social-democratas -- é quem domina os eleitorados da maior parte dos países europeus. A crise financeira de 2008 e a crise do euro atingiram fortemente as camadas populares. Muitos governos social-democratas estiveram no poder durante esses choques e aplicaram medidas impopulares ditadas por Bruxelas. Isso enfraqueceu a confiança popular na capacidade dos social-democratas de proteger o povo dos efeitos da globalização.
A social-democrata atual deve ser realista, no sentido de reconhecer que o modelo clássico de 1945–2000 não é mais reaplicável tal como foi entre 1949 e 1989, quando caiu o Muro de Berlim. Os tempos mudaram: as estruturas sociais, a economia, a subjetividade das pessoas e até o clima político passaram a ser outros. O que significa ser "realista", então? Ser realista sempre foi aceitar as verdades nuas e cruas, em que ter sol na eira e chuva no nabal nunca passaram de quimeras da inocência de um suposto paraíso perdido que um dia voltaria a ser encontrado. Pelo contrário, o inferno sempre foi aqui, neste planeta na periferia de uma galáxia entre milhares de milhões.
A social-democracia, o que perdeu foi a sua esperança tradicional. E o neoliberalismo, embora em crise, não colapsou, pelo contrário, migrou para formas digitais e "verdes". O Estado-nação perdeu parte do seu poder económico para mercados globais e algoritmos. A linguagem clássica da social-democracia não comunica mais com grande parte da população. A luta de classes foi substituída, em parte, por lutas de reconhecimento (identidade, pertença, cultura). A extrema-direita ocupa o imaginário com mitos regressivos. A esquerda radical propõe rupturas muitas vezes inviáveis. A social-democracia pode assumir o papel de ponte entre o possível e o desejável, mas precisa de coragem para reformular-se e ousar novamente.
Resta-nos um combate sem quartel contra o discurso de ódio. Para isso é preciso cultura e educação cívica transmitida às gerações vindouras desde o berço até ao caixão. Reconhecimento da diversidade sem fragmentação tribal. Valorização do cuidado, da empatia, do bem comum como novos símbolos. Promoção de uma estética pública da igualdade: arquitetura, espaços urbanos, arte e comunicação que inspirem coesão. O ser realista é interiorizar que não podemos querer “voltar aos bons tempos”. Porque os bons tempos nunca existiram para a maioria das pessoas. E as exceções só confirmam a regra. Mas continuemos a responder aos novos tempos com a mesma ambição de sempre, pugnando por liberdade e justiça, economia com dignidade e solidariedade.
Ou será que a humanidade é o que é, e que só à custa de sangue, suor e lágrimas, ou seja, só acorda para os melhores sistemas através de revoluções? Esta pergunta toca o coração da grande tragédia da história humana. a Guerra. A história, infelizmente, mostra que a social-democracia europeia só triunfou depois da II Guerra Mundial. Em bom rigor as duas guerras mundiais do século XX podem ser fundidas numa única Grande Guerra Mundial que culminou no Holocausto, que ainda hoje ecoa na Palestina. A Revolução Francesa pode ser considerada não apenas a mãe do comunismo como também do fascismo, e da sua forma mais aberrante do nazismo.
Há algo profundamente trágico e cíclico em tudo isto. A maldição está na memória curta. Com o tempo, as sociedades esquecem o preço pago. As novas gerações não sentem o medo da Guerra que não viveram. Nem a fome e a miséria. Nem o peso da ditadura. E é então quando o sistema começa a dar sinais desse peso que já é tarde demais para acordar. Tudo se desmantela e implode como sói. E o ciclo recomeça. A utopia não está no amanhã radioso, mas na capacidade de evitar o pior. Como disse Raymond Aron: “o realista é o que prevê o desastre: para evitá-lo”.
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