sábado, 28 de junho de 2025

Fernando Pessoa e António Variações – a intuição humana no seu esplendor português




Fernando Pessoa era um intelectual vastíssimo, mas a sua verdadeira força não vem da erudição. Vem de uma intuição trágica e profunda da condição humana. Ele próprio reconhecia isso. Um exemplo claro é o Livro do Desassossego, onde escreve: "O que penso, o que sinto, é indissociável do que sou." Ou seja: A mente lógica (o pensar); a sensibilidade emocional (o sentir); e a experiência de ser (o ser) – estão unidas numa só corrente intuitiva.

Fernando Pessoa, com a criação dos heterónimos, intui que a identidade humana é fragmentada. Que o sentido da vida é uma busca infinita, sempre incompleta, que o viver autêntico é feito de insatisfação e deslocamento. Morreu com 47. António Variações que morreu com 39, brota sabedoria popular direta. Sem arcaboiço filosófico, acede diretamente a essa mesma camada profunda da intuição que Pessoa explorava com instrumentos mais sofisticados. "Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga" – uma lei da vida intuitiva, herdada de gerações e gerações de experiência humana. Um dito que resume melhor do que tratados inteiros de moral o mecanismo de causa e efeito entre escolhas e consequências. "Estou bem onde não estou e com pressa de chegar para depois partir para outro lugar." Isto é a própria definição do "Desassossego" existencial que Pessoa tanto sentiu. Uma intuição da intranquilidade constitutiva do ser humano: nunca estamos realmente "em casa"; o desejo nos move eternamente.




Sem estudos académicos, Variações exprimia em linguagem popular o que Pessoa arquitetava em labirintos de palavras: a intuição trágica de que a vida é busca incessante, desejo que nunca se realiza plenamente. A raiz comum: a intuição da vida como movimento e imperfeição. Tanto Fernando Pessoa como António Variações (embora separados por estilos, épocas e instrumentos) tocam a mesma música de fundo: a instabilidade da existência; a imperfeição da felicidade; a sabedoria -- errar, desejar, partir, sofrer -- é constitutiva de estar vivo. Essa sabedoria é anterior à razão e anterior às instituições: ela é quase biológica, existencial. 
Em António Variações, o ethos é de liberdade, inconformismo, verdade emocional. Ele apresenta-se sem máscaras, canta quem é, mesmo que isso desafiasse o conservadorismo da época.

Pessoa racionaliza, estetiza, eleva a vida com arte erudita. Variações, por sua vez, canta a vida no tom simples e direto do povo. Com a força de quem não precisa de conceitos para dizer verdades profundas. A intuição em Fernando Pessoa é uma inteligência direta da condição humana, trágica e inquieta, semelhante à de António Variações, mas expressa em registos diferentes. Ambos, cada um no seu campo, captam aquilo que chamávamos de sabedoria anterior à ciência e à teoria.

Se amas verdadeiramente a vida, mesmo com os seus erros, falhas, dores e imperfeições, então aceitarás alegremente o Eterno Retorno. Se te desesperas, então estavas a viver de modo falso, ressentido, inautêntico. Aceitar o Eterno Retorno é a prova suprema do amor à vida tal como ela é. Isto é, não querer mudar o que foi não desejar que tivesse sido diferente, mas dizer: "Assim foi, e assim quero que seja para sempre." Isso se aproxima muito daquela intuição profunda e amarga que está nos versos do Pessoa -- "Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena". Nas canções de Variações -- "Estou bem onde não estou" -- é a aceitação da inquietação como constituição da vida. Na sabedoria popular -- "Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga" -- é a aceitação das consequências dos atos sem idealismo.


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