Foi num concurso literário, destinado a crianças dos 7 aos 16 anos, patrocinado pelo principal jornal nacional. Recebeu milhares de candidaturas de escolas de toda a Grã-Bretanha. Mt Humphrey Martin, o diretor da Escola Primária de Moordale disse que Gerald, apelidado de "Little Milton" por seu mestre inglês, por causa de sua habilidade poética, era mentalmente avançado para a idade, embora dado a afirmações obscuras e palavrosas. Isso dava azo a que fosse pouco popular junto dos colegas na Escola.Mas sem dúvida que a criança tinha um grande futuro académico pela frente. Era um caso insuperável na história de Moordale Primária. Gerald e os seus pais mudaram-se de Manchester para St. Cleve há quatro anos, quando Bostock decidiu, por razões de saúde, viver longe da cidade. O pai, David Bostock, agora faz trabalhos ocasionais de jardinagem, enquanto Daphne, a mãe do miúdo, é bem conhecida da congregação da Igreja Paroquial de St. Cleve pela sua participação ativa no trabalho social da paróquia. Na festa no último sábado o almoço que serviu foi maravilhoso: Parabéns, Daphne!Bostock, esta manhã, num comentário sobre a desqualificação do filho -- o "Little Milton" -- disse: "Estamos com o coração partido pela maneira como o júri mudou de opinião. A perda do dinheiro do prémio não foi coisa pouca. Era para a bolsa de estudos do Little Milton. Isso significa que vou ter dificuldades para pagar as prestações da Enciclopédia Britânica de Gerald. Afinal, terei de tratar das rosas do Dr. Munson na próxima semana."Quando soube da decisão, Gerald foi para o seu quarto e trancou a porta. A Sra. Bostock e David estão muito irritados com a forma como tudo aconteceu. Muitos moradores locais também estão irritados e magoados com a notícia, e como algum consolo para Gerald e seus pais, a St. Cleve Chronicle imprime o texto completo do poema desqualificado nesta semana na página 7.A menina, Julia Fealey, de 14 anos, membro júnior da Sociedade de Arte e Literatura do Distrito de St. Cleve, e poeta por direito próprio, é conhecida por ser amiga de Gerald há algum tempo. E é frequente escrever poemas com o miúdo. Agora está grávida, e acusou o miúdo desse feito. A acusação é ultrajante. O médico de família do miúdo disse que a acusação era ultrajante, ainda que não estivesse em causa ter sido convocado para um exame médico de Gerald Bostock. A menina estava obviamente a mentir para proteger o verdadeiro pai. E o seu estado de ansiedade não dava mostras de vir a mudar a sua versão da história. A Sra. Daphne Bostock, mãe de Gerald, já muito chateada com os acontecimentos da semana, disse à repórter: «É nojento. Ela sempre teve ciúmes do meu Gerald.»
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"Thick as a Brick" dos Jethro Tull, lançado em 1972, é apresentado como uma adaptação musical de um longo poema que ficciona ter sido escrito por um "menino-prodígio" chamado Gerald Bostock. O encarte original do álbum imita um jornal local -- St. Cleve Chronicle & Linwell Advertiser -- apresentando toda a narrativa. Gerald Bostock: um menino prodígio de 8 anos que havia escrito um poema complexo que pela sua controvérsia, e pelo escândalo, foi desclassificado num concurso literário.Na realidade, Gerald Bostock, não existe, é um personagem literário, uma sátira criada pelo vocalista e líder da banda, Ian Anderson -- a gozar dos críticos musicais e da cena do rock progressivo da época, que, segundo ele, levava os conceitos de "álbuns conceptuais" a níveis excessivamente pretensiosos. Portanto, "Thick as a Brick" é, na verdade, uma paródia que satiriza os pretensos "álbuns conceptuais". Irónico, porque este álbum acabou por ser um dos álbuns conceptuais mais icónicos do género. O álbum é uma única música contínua, em que o lado B do vinil é a continuação do lado A. Apenas dividida pela necessidade física dos discos de vinil. Música cheia de mudanças de ritmo, humor sarcástico e letras enigmáticas que brincam com temas como crescimento, sociedade, autoridade e hipocrisia.
O termo "thick as a brick" é uma expressão coloquial britânica que significa "muito estúpido" ou "muito burro". "Thick" no inglês britânico é gíria para "burro", e "brick" (tijolo) reforça a ideia de algo denso, pesado e sem cérebro. Ou seja, "thick as a brick" = "burro como um tijolo". Ian Anderson usou essa expressão para sugerir que, apesar das pretensões intelectuais das crianças prodígio, como Gerald Bostock, e dos críticos culturais, e dos próprios músicos progressivos, no fundo, todos somos meio "burros como tijolos" diante da complexidade da vida. O próprio Ian Anderson, em entrevistas, sempre disse que preferia deixar o disco aberto às interpretações do público, embora tenha confirmado que a intenção inicial era mais fazer uma sátira cultural do que propriamente abordar questões de ordem sexual.
O St. Cleve Chronicle & Linwell Advertiser -- o falso jornal encartado no LP de "Thick as a Brick", é uma verdadeira obra de arte em si mesmo, tanto em humor como em detalhes. O jornal conta que Gerald "Little Milton" Bostock, de 8 anos, escreveu um poema gigantesco e complexo, que tinha vencido um concurso literário local. No entanto, os jurados, depois de lerem trechos do poema, consideraram o poema "impróprio". Eles decidiram retirar o prémio devido ao "escândalo moral" de abordar temas políticos e sexuais. O jornal inventa até um debate público sobre se Gerald é "um jovem genial" ou "um menino perturbado". Na verdade, é uma sátira clara às reações preconceituosas da sociedade diante de mentes criativas.
O jornal não é só sobre o Gerald. Ele está cheio de notícias falsas e hilariantes: Um agricultor local que encontra uma batata com o rosto da sua sogra; um homem multado ensina o seu papagaio a dizer palavrões; um comité político que decide regular a altura das cercas dos jardins. Essas "notícias" parodiam a imprensa local e os jornais britânicos pela sua preocupação em levar demasiado a sério o politicamente correto. E não terem pejo em publicar horóscopos, anúncios fraudulentos e outras banalidades como palavras cruzadas. Então este falso St. Cleve Chronicle & Linwell Advertiser traz horóscopos tão absurdos que chegam a recomendar, por exemplo, "evitar sair de casa por medo de ataques de pombos". Anúncios de empresas ridículas, como uma companhia de seguros que promete indemnizar quem for raptado por extraterrestres. Linhas desalinhadas. Colunas quebradas ou mal formatadas. Mistura de tipos de letra que não combinam. Erros ortográficos intencionais. Tudo para parecer um jornalzinho local feito em cima do joelho. Uma sátira às pequenas vilas britânicas. Mistura assuntos sérios com coisas absurdas. No meio de uma notícia trágica, de repente aparece um anúncio ridículo ou uma pequena intriga sobre um gato que desapareceu.
O poema de Gerald Bostock -- o tema base de todo o álbum -- não aparece inteiro no jornal.
O que vemos são fragmentos, pedaços desconexos, citações isoladas, o que cria ainda mais mistério e confusão. O ouvinte do álbum é levado a pensar que a letra da música faz parte do "poema" de Gerald Bostock. Ou seja, o conceito é levado ao extremo. levando o público a absorver a sátira. Ian Anderson revelou anos mais tarde que o encarte/jornal foi tão caro e tão complicado de produzir que a gravadora começou por rejeitar a ideia. Mas, ironicamente, acabou por beneficiar do enorme sucesso do álbum. O álbum foi número 1 na Billboard americana em 1972, um feito incrível para uma obra tão fora do convencional. Composto por 12 páginas, o jornal foi impresso em tamanho real e dobrado como um jornal verdadeiro, com tudo, incluindo as palavras cruzadas e as secções de entretenimento. Curiosamente, a elaboração do jornal levou mais tempo a fazer do que a própria gravação do álbum. Mas Ian Anderson demonstrou que estava mesmo muito empenhado em levar o projeto até ao fim.
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