O pessimismo antropológico -- a ideia de que o ser humano, em sua essência, tem traços moralmente problemáticos, como egoísmo, violência, corrupção -- não é sempre assumido de forma explícita pelos pensadores contemporâneos, mas há vários filósofos atuais ou recentes que expressam visões compatíveis com essa posição.
John Gray (Reino Unido) - é um dos mais explícitos pessimistas antropológicos da atualidade. Argumenta que o progresso moral é uma ilusão e que a natureza humana não muda. Obras como Straw Dogs e The Silence of Animals mostram um ceticismo profundo quanto ao humanismo liberal e às promessas da modernidade. Pascal Bruckner (França) é outro. Embora por vezes se aproxime do liberalismo, critica fortemente o otimismo progressista europeu. Em A Tentação da Inocência ou O Fanatismo do Apocalipse, denuncia a infantilização moral e a hipocrisia ocidental. Slavoj Žižek (Eslovénia) - ainda que irónico e contraditório, muitas vezes mostra-se cínico quanto à natureza humana. Reconhece impulsos destrutivos fundamentais no ser humano, especialmente a partir de uma leitura psicanalítica lacaniana. Byung-Chul Han é um filósofo da Coreia do Sul a viver na Alemanha. É um pessimista cultural, com tendência a ver o ser humano moderno como vítima de uma forma de autoexploração. Em A Sociedade do Cansaço ou Psicopolítica, mostra descrença na capacidade de emancipação genuína. Yuval Noah Harari – em Sapiens, reconhece muitos feitos humanos, mas também realça a destrutividade da espécie. Roger Scruton – conservador britânico que desconfiava das promessas de revoluções morais ou sociais; valorizava limites à ação humana.
Camille Paglia – crítica cultural que vê o impulso humano como caótico e a civilização como uma fina camada de contenção. Camille Paglia é uma figura provocadora e frequentemente polémica no panorama intelectual contemporâneo. A sua obra mistura crítica cultural, história da arte, psicanálise, literatura e sexualidade com uma abordagem única — e sim, há nela traços claros de pessimismo antropológico, especialmente no que diz respeito à natureza humana e ao papel da civilização. Nascida em 1947, nos EUA, é filha de imigrantes italianos. Professora universitária, ensaísta e crítica cultural lançou, em 1990, Sexual Personae, e em 1992 Sex, Art and American Culture. Em 1994 - Vamps & Tramps (1994). E em 2027 - Free Women, Free Men.
Paglia vê o ser humano como fundamentalmente instintivo, sexual, agressivo e caótico. A natureza humana, para ela, não é boa nem racional — é um campo de forças viscerais, pulsionais e muitas vezes destrutivas. Para ela, a cultura e as instituições civilizacionais servem para conter os impulsos primordiais e perigosos da humanidade, especialmente os impulsos sexuais violentos. Há uma forte influência freudiana na sua análise, mas também de Nietzsche, Bataille e mesmo de mitologias arcaicas. Paglia critica fortemente ideias contemporâneas que tentam reduzir o sexo a construções sociais ou relações de poder. Para ela, a sexualidade é anterior à cultura, é algo profundamente selvagem e ambíguo.Diferente do feminismo dominante, Paglia vê a mulher como poderosa e perigosa, associada à natureza e ao caos (em oposição ao homem, que tenta construir ordem e cultura). Usa figuras como Medusa, Lilith e as bacantes para explorar o feminino como força arquetípica. Paglia tem sido uma crítica feroz da academia moderna, especialmente do feminismo de segunda e terceira vaga, da teoria de género e do politicamente correto. Acusa essas correntes de negarem as dimensões biológicas e instintivas do ser humano. É mais do mesmo, a tal cultura fraca de Nietzsche, ao cultivarem uma visão ingénua, utópica e sentimental da condição humana. E com isso têm tentado apagar o valor da arte, da alta cultura e das hierarquias civilizacionais.
Paglia vê a arte como uma arena onde os conflitos humanos (sexo, morte, violência, beleza) são expressos de forma intensa. Para ela, a arte ocidental, especialmente de períodos como o Renascimento e o Romantismo, é um testemunho da luta do ser humano contra as suas próprias trevas interiores: “A natureza humana é animal. A cultura é o que nos separa da selva — mas essa selva nunca desaparece. Ela está à espreita, em cada impulso sexual, em cada explosão de violência, em cada colapso social.” Embora se autodefina como feminista, Paglia é muitas vezes considerada uma "feminista dissidente". É também uma defensora da liberdade de expressão total, do valor da arte clássica, da psicanálise e da análise mítica da cultura. Combina erudição clássica com uma linguagem afiada e provocadora.
Em o sexo como abismo existencial - Personas Sexuais - Paglia descreve o impulso sexual masculino como uma tentativa desesperada de conter o caos: “Nos seres humanos, a concentração sexual é o instrumento do homem para recompor-se e conter à força o perigoso superfluxo ctónico de emoção e energia que identifico com a mulher e a natureza. No sexo, o homem é empurrado para o próprio abismo de que foge. Faz uma viagem de ida e volta ao não-ser.” Aqui, o sexo é visto como uma força metafísica que confronta o homem com o caos primordial, refletindo uma visão profundamente pessimista da natureza humana.
Em a cultura como repressão do caos natural - Paglia argumenta que a civilização é uma tentativa constante de conter as forças destrutivas inerentes à natureza humana: “A cultura é uma tentativa de conter o caos da natureza, que é essencialmente feminina e destrutiva. A arte, a religião e a moralidade são formas de repressão necessárias para manter a ordem.” Essa perspectiva destaca a visão de Paglia de que a natureza humana é caótica e que a civilização é construída sobre a repressão desses impulsos destrutivos.
Em a mulher como força ctónica e perigosa - Paglia frequentemente associa o feminino ao caos e à destruição, contrastando com a ordem masculina: “A mulher é a representação da natureza ctônica, uma força primitiva e destrutiva que o homem tenta controlar através da cultura e da civilização.." Essa visão reforça seu pessimismo antropológico, sugerindo que os impulsos destrutivos são inerentes e precisam ser constantemente controlados.
Em a arte como expressão do conflito humano - a arte é uma manifestação das tensões entre os impulsos destrutivos e a tentativa de ordem: “A arte é o campo de batalha onde o apolíneo e o dionisíaco se enfrentam, refletindo o conflito interno da natureza humana.”
Em uma entrevista na Free Library of Philadelphia, Paglia discute a crise cultural contemporânea: “Estamos enfrentando uma crise cultural profunda, onde as estruturas tradicionais que contêm os impulsos humanos estão sendo desmanteladas, levando a uma sociedade desorientada e caótica.” Essa perspectiva reforça sua visão de que a natureza humana precisa de estruturas rígidas para evitar a decadência social.
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